Publicado em 18 de dezembro de 2023 às 06:34
Quando você vai ao dentista, geralmente o faz pensando em cuidar dos dentes e não na boca como um todo.>
Mas a boca pode ser um indicador de fácil acesso e altamente preciso do que se passa no restante do seu corpo.>
E manter uma boa saúde bucal pode ser fundamental para que o corpo funcione em ótimas condições.>
"Existem alguns comerciais" no Reino Unido, conta o professor Nikos Donos, diretor de pesquisa do Instituto de Odontologia da Universidade Queen Mary de Londres, durante um painel no programa The Evidence da BBC, "que perguntam: 'Você ignoraria seu olho se ele estivesse sangrando? Por que você ignora a gengiva quando ela sangra?">
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“E há pessoas que passam a vida com doenças gengivais graves acreditando ser normal”.>
Amplas evidências relacionam as doenças gengivais - ou periodontite - ao diabetes e às doenças coronárias, e há cada vez mais estudos que afirmam que a saúde bucal pode ser uma das frentes de batalha mais negligenciadas na luta contra estas doenças.>
“Quando falamos sobre as conexões e associações entre diferentes doenças crônicas e outras partes do corpo com a boca, vemos que há uma prevalência de doenças gengivais”, explicou Donos.>
“E vemos que a doença gengival é a sexta doença crônica mais comum na humanidade, presente em quase 1,1 mil milhões de pessoas – 11,2% da população”.>
A Clínica Mayo, nos EUA, define a doença gengival, ou periodontite, como uma "infecção grave das gengivas que afeta os tecidos moles que circundam os dentes. Sem tratamento, a periodontite pode destruir o osso que sustenta os dentes, fazendo com que fiquem frouxos ou caiam". >
Entre os possíveis sintomas, menciona sangramento nas gengivas, vermelhidão ou dor, ou mau hálito persistente.>
E, para além dos danos que pode causar à boca, há ainda amplas evidências que ligam a doença gengival ao diabetes tipo 2.>
“Na verdade, estamos atualmente falando de uma relação bidirecional”, disse Donos, “o que significa que os pacientes com doença periodontal correm maior risco de desenvolver diabetes, e os pacientes com diabetes também terão doença periodontal”.>
A relação é tão estreita que há estudos que asseguram que bons cuidados bucais em pessoas com diabetes tipo 2 podem ajudar a controlar a doença em geral, de forma fácil e sem grandes efeitos colaterais.>
“Um estudo que fizemos há alguns anos mostrou que se você tratar a doença periodontal de maneira convencional – sem intervenção cirúrgica – há melhor controle metabólico nos pacientes, uma melhora significativa que foi mantida por quase 12 meses”, disse Donos.>
Também participou do painel da BBC o Dr. Graham Lloyd Jones, radiologista do Salisbury Hospital, no Reino Unido, que garantiu que a relação entre a boca e o diabetes “tem sentido”.>
“Temos que ver a boca como um órgão imunológico: se ela estiver comprometida, haverá processos inflamatórios, até mesmo patógenos - bactérias que normalmente vivem na boca, mas passam para outras partes do corpo - que estão envolvidos no desenvolvimento e agravamento de muitas dessas doenças”, alertou o médico.>
O diabetes tipo 2 não é a única doença relacionada à doença gengival: como as bactérias da periodontite, que estão fora de controle, viajam pelo corpo através do sistema sanguíneo, elas podem acabar afetando o coração.>
“Esses componentes inflamatórios que existem no corpo devido à periodontite e que chegam à corrente sanguínea”, disse Donos, “podem formar placas, que podem levar à formação de coágulos, que podem gerar consequências que vão de problemas cardíacos isquêmicos até infartos”.>
Um caso de infecção que pode ser letal e que ocorre quando as defesas da boca estão baixas – devido a uma doença imunológica ou ao uso de medicamentos – é a endocardite.>
“Felizmente é uma doença rara”, explica o Dr. Lloyd-Jones, “mas é uma doença infecciosa na qual alguns organismos da boca ficam fora de controle e afetam os tecidos internos do coração”.>
“É evidente que esse percurso anatômico da boca, com patógenos que saem para o resto do corpo, é algo real. Com o tempo, esse excesso de bactérias que atravessam a barreira física da nossa boca chega ao resto do corpo através da corrente sanguínea, que pode levar a doenças ou ao agravamento de enfermidades já existentes.">
Embora as evidências não sejam tão sólidas como nos casos anteriores, alguns pesquisadores começam a revelar uma possível relação entre estas bactérias e o declínio cognitivo na velhice.>
Uma delas é a doutora Vivan Shaw, da Universidade de Cambridge, que em seus estudos descobriu que pessoas que chegam à velhice com 21 ou mais dentes apresentam menor deterioração cognitiva do que aquelas que têm menos dentes.>
“Embora as evidências sejam relativamente recentes, podemos dizer que se você tiver algum tipo de comprometimento cognitivo e perder a destreza, sua capacidade de escovar ou usar fio dental pode ser afetada”, diz Shaw.>
“Também está relacionado a uma questão nutricional: se você tiver menos dentes, certamente terá uma alimentação pior, o que leva a uma maior deterioração cognitiva”.>
Lloyd-Jones, por sua vez, falou de uma ligação mais direta: “Há organismos específicos que têm sido associados ao desenvolvimento e agravamento de doenças gengivais”.>
"Um em específico, conhecido como gingivalis, é bem interessante. Ele é coberto de neurotoxinas, que matam as células nervosas. Mas esse organismo não fica apenas na boca. Ele sai de nossas gengivas inflamadas e viaja pelo corpo, e é encontrado tanto no cérebro quanto no líquido cefalorraquidiano de pessoas com Alzheimer.">
Para o professor Donos, essas relações entre a boca e os diferentes sistemas do corpo reforçam a importância de prevenir a doença periodontal.>
“Todas as doenças bucais são evitáveis e, até certo ponto, tratáveis – com exceção do câncer, que é totalmente diferente”, disse Donos durante o painel.>
Para o especialista, é fundamental que as pessoas tenham acesso a um bom sistema de saúde bucal e que façam acompanhamento com um dentista de confiança, com foco na prevenção.>
"Esse é o caminho a seguir. E também integrar mais estreitamente a odontologia e a medicina para que, quando visitarmos o nosso médico, o nosso dentista, eles não olhem apenas para os nossos dentes ou para o nosso fígado, mas possam ver o corpo como um sistema e correlacionar os sintomas.">
Um exemplo específico onde essa combinação de especialidades pode funcionar é no pré-natal: segundo o Dr. Shaw, devido às alterações hormonais que ocorrem durante a gravidez, essas bactérias orais podem ganhar força e colocar em risco mãe e bebê.>
“Nos preocupa bastante porque aumenta o risco de partos prematuros e de bebês de baixo peso. Por isso, é uma fase em que é crucial falar com as mães e prestar-lhes os cuidados adequados”.>
Para Lloyd-Jones, o mais importante é mudar a forma como pensamos sobre a nossa boca: “Temos que pensar no conceito da nossa boca como uma barreira imunitária que requer os nossos cuidados. Cuidar dos micróbios que vivem na nossa boca e que evoluíram conosco e que estão aí para nos proteger.”>
Este texto é uma adaptação para o português de um episódio ao vivo do programa The Evidence, da BBC, que você pode ouvir em inglês aqui.>
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