Publicado em 30 de junho de 2025 às 06:39
A notícia de que um pedófilo condenado organizou um casamento falso com uma criança de nove anos na Disneylândia Paris, na semana passada, deixou muita gente perplexa. >
Como isso era possível? Quem poderia fazer uma coisa dessas? Uma apuração da BBC mostra que esse é somente o mais recente de uma série de golpes publicitários bizarros de Jacky Jhaj — um britânico a quem eu já investigava havia dois anos.>
Jhaj foi preso após a polícia ser chamada ao parque de diversões por funcionários, que foram alertados por um "convidado" que disse ter sido contratado pelo homem para interpretar o pai da noiva.>
O homem disse ter recebido 12 mil euros (R$ 77 mil) para interpretar o papel e que só percebeu no último minuto que a "noiva" era uma criança, de acordo com uma declaração do promotor de Meaux, Jean-Baptiste Bladier.>
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O comunicado também afirma que a jovem ucraniana de 9 anos — que chegou à França dois dias antes — não foi vítima de violência física ou sexual e não foi "forçada a desempenhar o papel" de noiva.>
Cerca de 100 figurantes franceses foram recrutados para participar da cerimônia falsa, que seria filmada em caráter privado. A Disneylândia Paris pode ser alugada por pessoas fora do horário de funcionamento.>
As conclusões preliminares também indicaram que ele teria sido "maquiado profissionalmente para que seu rosto parecesse totalmente diferente do seu", segundo o promotor.>
Três outras pessoas — incluindo a mãe da menina, de 41 anos, uma letã de 24 anos que interpretaria a irmã da noiva e um letão de 55 anos — também foram detidas, mas liberadas em seguida. >
A BFMTV informou que o "casamento simulado" pode ter custado ao organizador mais de 130 mil euros (R$ 836 mil).>
Não está claro, neste momento, qual foi o objetivo da "façanha".>
Jhaj chamou minha atenção pela primeira vez após uma denúncia de uma adolescente, que surgiu do nada em 2023.>
Ela ficou horrorizada por perceber que havia sido contrata por um pedófilo para bajulá-lo.>
Ela estava com muito medo dele para se declarar publicamente — mas localizei vários aspirantes a atores que também foram instruídos a gritar com Jhaj enquanto ele desfilava por um tapete vermelho e a tentar tocá-lo, como se fosse uma celebridade.>
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No total, 200 crianças e jovens foram recrutadas por agências de elenco renomadas para interpretar fãs de Jhaj em uma estreia cinematográfica falsa na Leicester Square, em Londres, naquele ano. Algumas tinham apenas seis anos.>
Perto do fim do evento, alguém reconheceu Jhaj — que já havia sido considerado culpado de atividade sexual com duas jovens de 15 anos em 2016 e enviado para a prisão.>
O tapete vermelho falso foi uma das inúmeras acrobacias que ele organizou desde sua libertação, que frequentemente envolvem escalar meninas para o papel de suas fãs.>
Tudo foi organizado com altos custos, enquanto ele estava no Registro de Criminosos Sexuais e sujeito a restrições em suas atividades.>
Para o casamento simulado na Disneylândia Paris, uma menina ucraniana de nove anos foi levada de avião para interpretar sua noiva.>
A BBC apurou que Jacky Jhaj, natural do oeste de Londres, foi indiciado pelas autoridades francesas por envolvimento na organização do evento.>
Nos últimos dois anos, tenho me dedicado a tentar entender como ele conseguiu realizar essas acrobacias e por que não existem regras mais rigorosas que as impeçam.>
Muitas aconteceram em pontos turísticos britânicos de alto nível — incluindo o Museu Britânico, o Royal Exchange em Londres e a Universidade de Oxford.>
Elas também costumam envolver jovens contratados para atuar como seus fãs em produções elaboradas.>
Vídeos de algumas delas foram publicadas em um canal do YouTube que foi assistido mais de seis milhões de vezes e tinha 12 milhões de inscritos.>
Muitos permaneceram no YouTube por anos, até setembro passado, quando a BBC alertou o Google, proprietário da plataforma.>
Um vídeo em um canal separado o mostrava ao lado de uma das vítimas com quem foi condenado por relações sexuais — com o rosto dela anonimizado. O vídeo permaneceu no YouTube por quatro anos, com mais de um milhão de visualizações.>
Na época, o Google disse à BBC que leva a segurança dos usuários a sério, mas não explicou como uma conta com um homem quase sem perfil ou sucesso tinha 12 milhões de inscritos, ou por que os vídeos não haviam sido removidos anteriormente.>
Clipes em sites de mídia social parecem retratar Jhaj como um escritor e cantor de sucesso e frequentemente são apresentados como videoclipes.>
Muitas são bastante preocupantes — algumas o mostram posando com crianças pequenas e armas. Não está claro se as armas são reais ou falsas.>
Outras se deleitam com sua infâmia. Em uma delas, ele é recebido por fãs que aparentemente comemoram sua libertação da prisão de Wormwood Scrubs, em Londres.>
Eu queria saber como ele havia organizado as cenas de ação — e se havia recebido ajuda.>
Nos últimos dois anos, conversei com cinegrafistas, assistentes de produção e técnicos que foram contratados para alguns dos eventos antes de descobrirem a verdadeira identidade de Jhaj.>
Um homem aparece repetidamente nos vídeos que compartilharam comigo.>
Recebemos imagens e vídeos deste homem que aparece em três das atuações. Elas foram enviadas por pessoas que o descreveram como alguém que estava auxiliando um coreógrafo contratado para audições de dança e, aparentemente, filmando.>
Em outro evento no ano passado, o suposto auxiliar do coreógrafo foi confrontado por membros do elenco enganados que reconheceram Jhaj de nossas reportagens e mostraram a ele a matéria publicada.>
Os membros do elenco o filmaram reconhecendo que Jhaj é um criminoso sexual condenado, mas ele disse que é seu "amigo" e agora está "livre".>
Nesse evento, Jhaj foi filmado posando nu em frente a um caminhão falso da BBC News em Londres, que havia sido incendiado.>
Jhaj apareceu inicialmente disfarçado com próteses — antes de removê-las e ser identificado como o homem da nossa reportagem.>
Como Jhaj financia suas peripécias — que envolvem custos extraordinários com aluguel de local, elenco e adereços — é um mistério.>
Uma produção contratou um tanque, enquanto em outra, um carro de polícia falso foi incendiado.>
Também me disseram que alugar o espaço do tapete vermelho que abriga as estreias de filmes na Leicester Square teria exigido dezenas de milhares de libras, assim como o aluguel da Disneylândia Paris. >
Jhaj foi listado como diretor de uma empresa que foi liquidada em 2016 — mas não há outra fonte óbvia de dinheiro.>
Eu também queria saber como ele conseguiu realizar esses eventos estando sujeito a uma ordem de prevenção por agressões sexuais.>
Vimos uma cópia da ordem judicial. O documento lista dez restrições às suas atividades — mas não parece proibir explicitamente as façanhas que ele organizou. >
A ordem proíbe Jhaj de contatar suas vítimas anteriores, de entrar em locais públicos para uso de crianças e de contatar deliberadamente qualquer garota menor de 16 anos.>
No entanto, não há proibição geral de realizar eventos com crianças menores de 16 anos, desde que supervisionadas — como foi o caso da ação na Leicester Square, onde alguns adultos participaram como acompanhantes.>
Eu também queria saber quem, se alguém, era responsável por monitorar pedófilos condenados.>
Após meu primeiro relato, um policial que ajudava a monitorar Jhaj me ligou pedindo informações sobre seus movimentos.>
Ele disse que era responsável por gerenciar o paradeiro de dezenas de infratores — e que era um trabalho desafiador.>
O Conselho Nacional de Chefes de Polícia recomenda que o nível mínimo de segurança para monitorar pedófilos seja de um policial para cada 50 infratores.>
A proporção média de gerenciamento de infratores na Polícia Metropolitana de Londres era de um policial para 40 infratores — bem dentro do padrão.>
Perguntei a outras forças policiais quais eram suas proporções e algumas nunca responderam. Mas dez das 26 forças policiais não atingiram esse padrão, de acordo com solicitações feitas via lei de acesso à informação recebidas no ano passado.>
Em uma força policial de outra localidade, os policiais eram responsáveis por monitorar 85 infratores cada, em média.>
Algumas forças policiais defenderam seus recursos — argumentando que esses níveis são apenas consultivos e também dependem de avaliações de risco dos infratores. Mas lidar com 50 agressores sexuais com sucesso é "impossível", de acordo com Jonathan Taylor, especialista em proteção e ex-investigador de abuso infantil.>
"Sinto muito pelos policiais", diz ele. "É um cálice envenenado — um dos pedófilos vai reincidir. Este caso também destaca preocupações sobre a falta de proteção em empresas de entretenimento e tecnologia que permitem esse tipo de agressor.">
A BBC apurou que ele compareceu perante um juiz em Meaux, a nordeste de Paris, e foi acusado de fraude, abuso de confiança, lavagem de dinheiro e roubo de identidade, sendo colocado em prisão preventiva.>
O promotor local afirma que a Disneylândia Paris foi "enganada" e que o organizador usou uma identidade letã falsa para alugar o local.>
A BBC entrou em contato com a Disneylândia Paris para obter comentários, mas não obteve resposta.>
A Polícia Metropolitana informou que um homem de 39 anos é procurado por violar as restrições impostas às suas atividades e também está sendo investigado separadamente por "quaisquer possíveis" crimes de fraude.>
Com reportagem de Alex Dackevych e Richard Irvine-Brown.>
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