Publicado em 2 de setembro de 2025 às 10:25
O novo filme de Olivier Assayas, O Mago do Kremlin, que acaba de estrear no Festival de Cinema em Veneza, traz Jude Law interpretando o presidente russo, Vladimir Putin. >
Mas o filme pode decepcionar quem espera ver o ator explodindo de raiva e ameaçando seus subordinados, como fez quando interpretou outro governante da vida real, Henrique 8º, em O Jogo da Rainha, lançado em 2023.>
Sua interpretação de Putin — que fala em inglês com um sotaque britânico — é calma e afável, e ele não é nem mesmo o personagem principal da trama. >
Mas O Mago do Kremlin oferece uma atuação intrigantemente plausível de como a Rússia de Putin se consolidou após a dissolução da URSS.>
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Adaptado do best-seller de mesmo nome de Giuliano da Empoli, publicado em 2022, o filme foca no gentil Vadim Baranov (Paul Dano), um personagem fictício inspirado em um político russo real, Vladislav Surkov, que foi conselheiro pessoal de Putin por anos. >
Para fazer outra referência a Henrique 8º, O Mago do Kremlin é comparável aos romances Wolf Hall, de Hilary Mantel, no sentido de que fala mais sobre o estrategista astuto por trás do trono do que do monarca sentado nele. >
No filme, Baranov explica a um acadêmico americano (Jeffrey Wright) que era um estudante no início da década de 1990, quando o comunismo havia entrado em colapso e Moscou fervilhava de jovens desfrutando das novas liberdades que acreditavam nunca perder. >
Ele queria ser ator e diretor de teatro, mas logo decidiu que poderia ser mais influente como executivo de televisão, alimentando o público com programas de auditório populares. >
É durante esse período que ele é recrutado por Boris Berezovsky — um oligarca real, interpretado pelo ator britânico Will Keen — para ajudar na campanha de reeleição do presidente, já em idade avançada, Boris Yeltsin.>
Um dos truques era amarrar Yeltsin à cadeira para que ele se mantivesse ereto em vez de cair sobre a mesa, e depois dublar trechos de discursos antigos sobre seu jeito de falar arrastado. >
Tanto Berezovsky quanto Baranov concordavam que, na política, as aparências podiam valer mais do que a realidade. >
Yeltsin é reeleito, mas Berezovsky sabe que o tempo dele no cargo estava chegando ao fim, assim como o do regime movido a dinheiro. >
O capitalismo transformou a Rússia em um supermercado, argumenta Berezovsky, enquanto seus cidadãos anseiam pelo feudo que um dia conheceram.>
E eles não querem ser liderados por mais um político que fala sobre estatísticas, eles querem alguém que pareça duro e direto. >
A pessoa que Berezovsky tem em mente para primeiro-ministro, e depois presidente, é Vladimir Vladimirovich Putin.>
"Ele não é nenhum gênio, mas vai se sair bem por enquanto", diz o oligarca.>
O erro de Berezovksky é acreditar que Putin ainda vai querer seus conselhos quando assumisse o poder.>
Na realidade, os russos preferem "homens fortes" agressivos a empresários espalhafatosos. >
Berezovsky logo é expulso do Kremlin, e depois do país. Já Baranov é esperto o suficiente para entregar o que seu novo chefe quer, em grande parte aproveitando sua experiência no teatro e televisão. >
A filosofia do personagem é que o que conta são as aparências, por isso, é preciso manipular a forma como as coisas são apresentadas de acordo com o que as pessoas querem: organizar eventos públicos chamativos, em vez de solenes, para atrair o maior público possível; permitir que alguns dos opositores mais barulhentos sejam ouvidos, já que suas extravagâncias apenas reforçarão sua própria posição; roubar a linguagem anti-establishment daqueles que protestam contra você, e ensiná-las aos que te apoiam, assim, o apoio passará a parecer um ato de rebeldia; não se preocupar em espalhar propaganda pró-Rússia online, mas usar a internet para espalhar confusão e distrair as pessoas para que elas percam a noção do que é real; e, se uma emissora de TV o criticar, tome o controle dessa emissora. >
Assim como seu personagem principal, O Mago do Kremlin é contido e metódico, e dificilmente será um grande sucesso. Baranov, inclusive, talvez dissesse que o filme não é chamativo e brega o suficiente.>
Mas, ainda que seja uma versão ficcionalizada, vale a pena assistir se você quiser compreender como Putin chegou ao poder e como esse poder tem sido mantido. >
A obra também pode ajudar o público a entender as táticas que vêm sendo usadas em outros países.>
O filme mostra, em detalhes, como o populismo do século 21 foi desenvolvido. >
"Não é apenas sobre o nascimento da Rússia atual", disse Assayas em uma entrevista para a Variety, "mas do nascimento do mundo atual".>
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