Publicado em 1 de janeiro de 2025 às 08:43
Em um dia frio de novembro, centenas de pessoas se aglomeravam em uma arena na cidade inglesa de Coventry, que já recebeu shows do Oasis, Rihanna e Harry Styles — mas, dessa vez, o evento era bastante diferente de um grande show. >
As 500 pessoas que compareceram, algumas vindas de lugares distantes como a Mongólia e o Canadá, estavam ali reunidas para o Campeonato Nacional de Rubik do Reino Unido, torneio de várias categorias onde ganha aquele que consegue solucionar mais rapidamente o cubo de Rubik - mais conhecido no Brasil como cubo mágico. >
Durante três dias, os participantes competiram em mesas colocadas em fileiras na arena em 15 categorias. Algumas exigiam resolver o quebra-cabeça com apenas uma mão, outras com os olhos vendados. >
O adolescente James Alonso venceu o maior evento do torneio — o de speedcubing - resolvendo o clássico cubo 3x3, de seis faces e seis cores, em 6,3 segundos. >
>
O recorde mundial para uma jogada única é atualmente detido por Max Park, dos EUA, com um tempo de apenas 3,13 segundos para resolver esse cubo. >
Está muito longe da velocidade inicial de Ernő Rubik, um professor húngaro de arquitetura que inventou o cubo mágico em 1974 e levou cerca de um mês para resolvê-lo. >
O speedcubing se tornou popular a partir da década de 1980. >
Até o momento, estima-se que 412.000 pessoas tenham participado de competições de speedcubing ao redor do mundo. >
Produtos relacionados ao cubo mágico tiveram em 2023 vendas globais totalizando US$ 86,6 milhões (cerca de R$ 416 milhões, considerando a cotação em dezembro de 2026), um aumento de 13,5% em relação a 2022. >
A licença desses produtos foi adquirida pela multinacional canadense de brinquedos Spin Master em 2021.>
Isso sem contar as vendas de outros tipos de cubos de diferentes marcas e tipos — daqueles de madeira aos eletrônicos com bluetooth integrado.>
Mais recentemente, cientistas têm demonstrado os benefícios do speedcubing para o bem-estar, uma vez que esses jogos envolvem a resolução de problemas, memória e coordenação motora.>
"O speedcubing oferece uma combinação única de desafio cognitivo, conexão social e realização pessoal que contribui para a felicidade", diz Polina Beloborodova, pesquisadora associada do Centro de Mentes Saudáveis da Universidade de Wisconsin-Madison.>
"Ele satisfaz a necessidade psicológica básica de competência e o sentimento de eficácia e maestria.">
>
Resolver o cubo também pode impulsionar a felicidade porque explora outras emoções, de acordo com Julia Christensen, pesquisadora sênior do Instituto Max Planck de Estética Empírica na Alemanha. >
"Espanto, beleza, ser tocado emocionalmente... Todas essas são emoções estéticas, e vivenciá-las nos dá uma sensação extrema de felicidade", diz ela.>
"Por exemplo, quando um padrão é o padrão certo, quando um movimento é particularmente incrível no cubo, essas emoções estéticas podem proporcionar experiências transformadoras.">
Alguns jogadores de speedcubing já descreveram o estado mental que a atividade proporciona como um "fluxo".>
"Esse estado é alcançado quando a dificuldade da atividade corresponde ao seu nível de habilidade, as distrações são mínimas, os objetivos são claros e o retorno é imediato. Todas essas são características do speedcubing", diz Beloborodova.>
O fluxo pode parecer "quase meditativo", de acordo com Ian Scheffler, autor do livro Cracking the Cube (algo como "Solucionando o cubo").>
"Você entra nesse estado em que está meio que pensando e não pensando ao mesmo tempo. Você reage ao que o cubo está lhe mostrando, mas de uma forma quase instintiva", explica Scheffler.>
"É um tipo de atenção plena profundamente gratificante... Um estado pacífico e calmo em que você está completamente em sintonia com cada reviravolta do quebra-cabeça.">
Há bons motivos para buscar esse estado de fluxo na rotina, de acordo com Christensen. >
"A ciência mostra que pessoas que experimentam essa sensação de fluxo regularmente têm melhor saúde mental, possivelmente melhor saúde física e estão mais em sintonia.">
"Quando repetimos movimentos, eles são registrados ou codificados a partir de sistemas de memória explícitos e de esforço. Depois, passam para sistemas de memória implícitos, de menos esforço", continua.>
Nicholas Archer, um speedcuber de 17 anos de West Yorkshire, na Inglaterra, diz que já experimentou isso. >
"Quando estou resolvendo o cubo, certamente não preciso pensar muito sobre o que estou fazendo. É tudo automático", diz o jovem, que venceu a modalidade usando uma mão no Campeonato Rubik de Speedcubing do Reino Unido deste ano, com tempo médio de 8,69 segundos.>
Considerando o aspecto social, os benefícios podem ser ainda maiores.>
"Como o speedcubing é um fenômeno social, talvez o aspecto social se combine com a resolução de quebra-cabeças para proporcionar uma experiência profundamente satisfatória", diz Adil Khan, pesquisador de neurociência na universidade King's College London.>
Jan Hammer começou a praticar speedcubing aos 44 anos, após ser apresentado ao jogo por sua filha de 13 anos. >
Desde então, ele resolveu cubos cerca de 10 mil vezes, mas não acha que teria mantido esse nível de entusiasmo se estivesse sozinho.>
"O fato de poder fazer isso com minha filha e de torcermos um pelo outro é maravilhoso. Além disso, fazer parte da comunidade do cubo se tornou uma grande motivação.">
As competições tendem a ter mais crianças e adolescentes — não é incomum que competidores tenham apenas seis anos. >
A atividade também é significativamente mais popular entre os homens. A associação voltada para esse tipo de jogo, a World Cube Association, registra que 221.117 homens competiram em seus eventos, contra 24.311 mulheres.>
De acordo com a pesquisadora Polina Beloborodova, o speedcubing contribui para os dois aspectos da felicidade: o bem-estar hedônico, mais voltado para as experiências; e o bem-estar eudemônico, que diz respeito ao significado e propósito na vida.>
Os efeitos do speedcubing no cérebro e na função cognitiva são, no entanto, menos claros.>
Ao resolver um cubo, o cérebro está tentando movimentos diferentes e testando possibilidades, explica Toby Wise, pesquisador sênior em neuroimagem no King's College London.>
"Seu cérebro pode percorrer diferentes jogadas para prever qual terá o melhor resultado", diz.>
No entanto, isso não cria necessariamente benefícios de longo prazo, como melhorias na memória. Isso porque, segundo Khan, o cérebro não é como um músculo que precisa ser flexionado para crescer.>
Por muitos anos, alguns sugeriram que resolver quebra-cabeças, jogos como Sudoku e palavras cruzadas pode retardar o declínio cognitivo ou a demência. No entanto, esse não é necessariamente o caso.>
Um estudo publicado em 2018 pelo Aberdeen Royal Infirmary e pela Universidade de Aberdeen mostrou que pessoas que fazem atividades intelectuais regularmente ao longo da vida têm habilidades mentais mais altas. >
Isso coloca o nível cognitivo em um ponto mais alto, a partir do qual pode iniciar o declínio — portanto uma vantagem em relação a quem tem um declínio a partir de um ponto mais baixo. Mas isso não quer dizer que o declínio seja mais lento entre aqueles com habilidades mentais mais altas.>
Para Khan, provavelmente resolver quebra-cabeças não previne o declínio cognitivo decorrente da idade. >
Mas há um outro benefício do speedcubing apontado por seus amantes: a sensação de escapar da vida moderna frenética.>
"Ter um objetivo claro, algo que você pode realmente conquistar, é algo que não temos necessariamente na vida cotidiana, Isso apazigua nosso cérebro", diz Christensen.>
Esse benefício talvez ajude a explicar por que os cubos são tão populares em uma época com uma miríade de jogos de computador e atividades tecnológicas para escolher. >
Como Hammer diz: "Quando pego o cubo, fico mais alerta e focado.">
Ele até usa o quebra-cabeça no seu local de trabalho. >
"É algo que pode me ajudar a entrar na próxima reunião com uma perspectiva mais estruturada", conta.>
Scheffler concorda.>
"O processo de tirar o cubo desse estado caótico e desordenado — que é sempre diferente porque há muitas combinações — para um estado ordenado é fundamentalmente algo que os humanos querem fazer.">
"Há uma necessidade humana fundamental de fazer ordem a partir da desordem, porque o universo é um lugar muito caótico, e a maioria das coisas não é ordenada", conclui o pesquisador.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta