Publicado em 23 de dezembro de 2025 às 16:43
A maioria das empresas e de seus executivos evitaria e até encararia como um insulto ser rotulada como "woke". >
Não é o caso de Mark Constantine. Esse termo tem diversos significados, podendo significar para alguns, por exemplo, ter consciência social e racial e se opor a opressores, mas para outros representar hipócritas que acreditam ser moralmente superiores e que querem impor ideias progressistas.>
Mas o fundador e diretor-executivo da Lush assume o rótulo como um distintivo de honra e não se constrange em transformá-lo em filosofia de negócios.>
A empresa é conhecida por colocar o ativismo no centro de seu negócio de bombas de banho coloridas, produtos efervescentes usados na banheira que liberam fragrâncias, óleos e corantes, ao abordar temas que vão de direitos trans à responsabilização policial.>
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Aos 73 anos, Constantine mantém o comando da empresa com os princípios que marcaram sua trajetória de três décadas no comércio de rua britânico, ao longo da qual a Lush saiu de uma pequena loja em Dorset, no sul da Inglaterra, para se tornar uma marca global, com 869 unidades e faturamento anual de £ 690 milhões (cerca de R$ 4,3 bilhões).>
A Lush adotou algumas das posições mais ousadas do varejo britânico, incluindo o encerramento de algumas de suas contas em redes sociais por preocupação com o impacto sobre jovens e, mais recentemente, o fechamento de lojas por um dia em protesto contra a fome em Gaza.>
"Eu gosto de ser woke", admitiu Constantine.>
Autodeclarado "excessivamente dedicado e nerd", apaixonado por aprender, ele acorda antes do amanhecer para se dedicar à sua principal paixão — escrever sobre o canto dos pássaros — entre sessões de meditação e a técnica de Alexander, método terapêutico voltado à postura e ao movimento.>
Mas a mensagem dele é cristalina para quem rejeita abertamente seus valores: "Você não deveria entrar na minha loja".>
É uma declaração forte em um momento em que muitas empresas evitam debates políticos ou culturais por medo de afastar clientes e colocar os lucros em risco.>
A Ben & Jerry's há muito tempo expõe abertamente seu ativismo social, o que já gerou atritos com sua controladora.>
Para Constantine, a diferença está na estrutura do negócio. Enquanto a Lush segue independente, ele avalia que vender a empresa significa abrir mão de seus valores.>
"Se você vendeu o seu negócio para outra pessoa, está exigindo demais esperar que ela faça tudo do jeito que você quer. O que Ben e Jerry deveriam ter feito? Nunca deveriam ter vendido", afirmou.>
O cofundador da Ben & Jerry's, Ben Cohen, disse que foi contrário à venda, mas sustenta que, por se tratar de uma empresa de capital aberto, a legislação dos Estados Unidos não deixou alternativa. Segundo ele, a missão social da marca foi incorporada ao contrato com a controladora.>
"Tenho enorme admiração pela Lush, por seus valores e pela forma como usa sua ferramenta mais poderosa — a própria voz — para defendê-los", disse Cohen à BBC, após a entrevista de Mark Constantine ao podcast Big Boss Interview, da BBC, acrescentando: "Não estou 'pedindo' nada".>
Em entrevista ao podcast da BBC,em meio à intensa preparação para o Natal, Constantine afirmou que se preparar para o período festivo é "muito parecido com uma guerra".>
"Você tem suas tropas, seus suprimentos. Tudo está organizado e pronto. A única questão é quando o ataque vai acontecer", disse.>
Ele sugere, em tom bem-humorado, que homens tendem a sair mais para comprar presentes de última hora, afirmando que a empresa vê muitos clientes do sexo masculino "que entram na loja na véspera de Natal e dizem que são fregueses habituais".>
Mas, para Constantine, a chave para atrair consumidores em primeiro lugar é tornar o varejo "divertido".>
A Lush transformou as compras em uma experiência, com ofertas como tratamentos de spa e festas para clientes.>
Segundo ele, iniciativas desse tipo podem ajudar a conter o declínio das ruas comerciais tradicionais.>
Enquanto parte do empresariado argumenta que o aumento das contribuições patronais para o National Insurance — sistema de previdência do Reino Unido — e do salário mínimo pode resultar em congelamento de contratações, Constantine vê o movimento de outra forma.>
"É uma boa notícia para todos e positiva para a economia, porque significa mais dinheiro circulando justamente na base", afirmou.>
"As pessoas que estão recebendo esses aumentos estão na base da pirâmide.">
"Fico satisfeito em pagar esse valor adicional para levar os salários a um patamar adequado, e acho que isso deveria ser celebrado.">
No entanto, o histórico salarial da Lush não é isento de falhas. Em 2020, a empresa admitiu ter pago salários abaixo do devido a funcionários na Austrália, deixando de repassar mais de US$ 4 milhões (cerca de R$ 20 milhões) ao longo de quase uma década. Após a entrevista ao podcast Big Boss, um porta-voz da companhia afirmou à BBC: "Cometemos erros, identificamos esses erros e pagamos o que devíamos, além de garantir que eles não voltem a ocorrer".>
No mesmo ano, a Lush também enfrentou denúncias de más condições de trabalho em sua fábrica australiana. O porta-voz acrescentou: "Desde que essas preocupações foram levantadas, desenvolvemos rapidamente um plano de ação para enfrentar os pontos problemáticos".>
A Lush é uma empresa de capital fechado pertencente aos seis cofundadores, Mark Constantine e sua mulher, Mo Constantine, além de Rowena Bird, Helen Ambrosen, Liz Bennett e Paul Greeves, todos responsáveis pela criação do negócio em 1995 e que seguem atuantes desde então.>
Dois dos três filhos de Constantine também trabalham na empresa, o que agrada especialmente ao executivo, que acredita que a família está no centro de um negócio bem-sucedido e é fundamental para sua longevidade.>
"As empresas familiares oferecem melhores retornos sobre o investimento em todos os níveis", concluiu, sustentando que elas duram mais porque conseguem atravessar tanto os períodos de prosperidade quanto os de dificuldade.>
É uma lição que ele disse ter aprendido com a falecida Dame Anita Roddick, fundadora da The Body Shop, onde tudo começou para Constantine, em 1977, quando passou a fabricar e fornecer produtos para as lojas de Roddick.>
No entanto, ele afirmou que o governo não compreende "a força das empresas familiares", após anunciar que, a partir de abril de 2026, os ativos de empresas familiares acima de £ 1 milhão (cerca de R$ 6,2 milhões) estarão sujeitos ao imposto sobre herança quando transferidos a parentes.>
Na avaliação de Constantine, a medida forçará muitos proprietários a vender seus negócios, o que representa "a verdadeira preocupação no processo de sucessão".>
Um porta-voz do Tesouro britânico afirmou que o governo é "favorável aos negócios", destacando que manteve o imposto corporativo limitado a 25% e vem promovendo reformas na tributação sobre propriedades comerciais.>
"Atualmente, 53% do alívio fiscal conhecido como Business Property Relief — equivalente a £ 533 milhões (cerca de R$ 3,3 bilhões) — beneficia apenas 158 propriedades. Nossas reformas vão direcionar esses recursos para serviços públicos essenciais", disse o porta-voz.>
Apesar disso, Constantine segue otimista em relação ao futuro do comércio de lojas físicas.>
Mas ele acredita, que o varejo moderno se beneficiaria de um retorno a valores tradicionais que antes definiam o setor no Reino Unido, em especial a inovação e a gentileza.>
"Eu gosto de servir. Gosto daquela sensação à la Jeeves", disse, com um sorriso, citando o personagem da ficção inglesa conhecido pelo zelo com seus patrões.>
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