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Moraes fora da Magnitsky: como ministro do STF se tornou tão poderoso

Moraes fora da Magnitsky: como ministro do STF se tornou tão poderoso

Ministro chegou ao STF de forma inesperada e passou a acumular a relatoria de investigações após contronversa abertura do inquérito das Fake News

Publicado em 12 de dezembro de 2025 às 16:44

Imagem BBC Brasil
null Crédito: Reuters

O governo dos Estados Unidos retirou nesta sexta-feira (12/12) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e sua esposa, Viviane Barci de Moraes, da lista de sancionados pela Lei Magnitsky.

A punição — que restringia suas movimentações financeiras — foi adotada no final de julho, quando o governo Donald Trump tentava interferir no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.

A medida não funcionou e Moraes, relator do processo, liderou a decisão da Primeira Turma da Corte que condenou Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão. Desde novembro, Bolsonaro cumpre sua pena numa cela especial da Superintendência da Polícia Federal em Brasília.

A queda da sanção vem um dia após uma nova decisão de Moraes que irritou bolsonaristas. Na quinta-feira (11/12), o ministro anulou a votação da Câmara dos Deputados que rejeitou a cassação de Carla Zambelli (PL-SP), apesar de sua condenação pelo STF por invadir sistemas de mandados judiciais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o auxílio de um hacker.

Sua decisão foi confirmada pela Primeira Turma em julgamento virtual nesta sexta.

Poderoso e controverso, Alexandre de Moraes se tornou ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de forma inesperada.

Ele entrou na Corte em 2017, com a abertura de uma vaga quando o ministro Teori Zavascki morreu tragicamente em um acidente aéreo em Paraty (RJ).

Com isso, o então presidente Michel Temer (MDB), que não teria nenhuma indicação ao Supremo em seu breve mandato após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), pôde indicar seu então ministro da Justiça ao Tribunal, um nome da centro-direita de São Paulo, assim como ele.

Em apenas oito anos, ele se tornou protagonista da vida política e jurídica brasileira, passando de odiado a venerado em parte da esquerda.

Seu perfil duro no Direito Penal ganhou protagonismo no STF quando ele passou a relatar uma série de investigações, e depois processos, contra suspeitos de atentar contra a democracia, principalmente bolsonaristas — casos que se desdobraram em seu gabinete a partir do polêmico inquérito das Fake News, criado em 2019.

O ápice desse movimento ocorreu em setembro deste ano, quando Bolsonaro e mais sete réus foram considerados culpados da acusação de tentativa de golpe de Estado — algo inédito.

Os outros condenados são ex-integrantes de seu governo, sendo três generais do Exército e um almirante da Marinha.

A atuação do ministro ao longo da investigação e as decisões que tomou à frente do processo lhe renderam elogios e críticas. Também o tornaram alvo de pedidos de impeachment no Congresso, além das sanções diretas do governo Trump.

Aqueles que o defendem dizem que sua atuação foi necessária para garantir a democracia no Brasil.

Seus detratores questionam se o ministro, ele próprio alvo do suposto plano de golpe, teria a isenção necessária para julgar o caso e denunciam supostos abusos e uma concentração excessiva de poder em suas mãos.

Mas como Alexandre de Moraes ficou tão poderoso?

1) O caminho para o STF

Moraes é professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) desde 2002 e construiu uma carreira jurídica sólida.

Após ter entrado no Ministério Público em 1991, ele ocupou cargos na Prefeitura e no Governo de São Paulo a partir de 2002 — e acabou formando laços com a centro-direita paulista, chegando a se filiar ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Em 2015, ele virou secretário de Segurança Pública no governo do então tucano Geraldo Alckimin, hoje no PSB e vice do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Foi nessa época que a polícia de São Paulo, sob comando de Moraes, solucionou rapidamente o caso de um hacker que tinha tentado chantagear Marcela, a mulher de Michel Temer, após invadir seu celular.

Isso teria contribuído para Moraes conquistar ainda mais a confiança de Temer, com quem ele já mantinha uma boa relação há anos. Tornou-se ministro da Justiça quando o vice de Dilma assumiu o Planalto.

Para a constitucionalista Ana Laura Barbosa, professora de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o contexto político é importante para entender por que Temer escolheu Moraes na hora de fazer sua inesperada indicação ao STF.

Naquele momento, a Operação Lava Jato passava por seu auge e expandia seu impacto para partidos além do PT.

"Talvez tenha havido essa percepção no momento da nomeação, de que ter um sujeito de confiança, um sujeito com quem [Temer] partilhava de visões políticas similares, poderia, de alguma forma, evitar que a operação chegasse aos grupos políticos a ele aliados", afirmou Barbosa, em entrevista concedida em agosto.

Para o constitucionalista Joaquim Falcão, que trabalhou com Moraes no Conselho Nacional de Justiça há vinte anos, os laços com a política paulista foram importantes para sua indicação, mas seu preparo técnico também contou.

"Na época, ele tinha o manual de Direito Constitucional que vendeu mais de 800 mil exemplares", exemplifica Falcão, ao convesar com a reportagem em agosto.

"Então, engana-se quem acha que ele faz as coisas sem base. Você pode estar contra ou a favor dele, mas que tem uma base técnica, jurídica, tem. O segundo aspecto é que é um trabalhador compulsivo. Ele sempre pretendeu ir para o Supremo."

Imagem BBC Brasil
Bolsonaro em sua casa, onde aguarda julgamento em prisão domiciliar Crédito: Reuters

2) De novato na Corte a superpoderoso em dois anos

Moraes passou seus dois primeiros anos sem grande protagonismo no Supremo.

Isso mudou em março de 2019, quando o então presidente da Corte, Dias Toffoli, decidiu abrir uma investigação para apurar ataques ao Tribunal e escolheu Moraes para ser seu relator.

Trata-se do famoso Inquérito das Fake News. Sua abertura causou muita controvérsia, porque foi realizada de ofício, ou seja, sem pedido da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da República (PGR), as instituições responsáveis por investigar crimes no país. A então chefe da PGR, Raquel Dodge, inclusive pediu que o inquérito fosse arquivado.

Para abrir essa investigação, Toffoli usou um artigo do regimento interno do STF que permite à Corte apurar crimes ocorridos dentro do Tribunal. Numa interpretação alargada do regimento, ele considerou que ataques no ambiente virtual também poderiam ser incluídos nessas apurações.

A escolha por Moraes, então um novato na Corte, é atribuída à sua experiência com investigações e no comando de polícias, devido ao seu passado como promotor, secretário de Justiça e de Segurança Pública e ministro da Justiça.

"Desde o momento em que o ministro chega à Corte, ele é investido da presunção de que ele é o especialista em segurança pública. E, como o inquérito das Fake News implicava um ato de investigação, porque era a apuração de quem estava difamando, ameaçando os ministros da Corte, era meio que natural que ele assumisse essa incumbência", afirma o criminalista Maurício Dieter, professor da faculdade de Direito da USP, entrevistado em agosto.

No início, esse inquérito não mirava supostos agressores do campo bolsonarista, nota o constitucionalista Diego Werneck, professor de Direito do Insper.

A investigação foi entendida, na época, como uma resposta a ataques ao STF vindos de integrantes da Lava Jato e de seus apoiadores, num momento em que a Corte estava revertendo condenações em processos da operação, inclusive contra o então ex-presidente Lula.

Meses depois da abertura do inquérito, Moraes determinou que fosse retirada do ar uma reportagem da revista Crusoé que levantava suspeitas contra Toffoli por uma suposta relação com a empreiteira Odebrecht, investigada na Lava Jato, antes de sua entrada no STF, quando era Advogado-Geral da União no segundo governo Lula.

Moraes entendeu que não havia provas dessa relação e que se tratavam de ataques mentirosos. O ministro, porém, derrubou sua própria decisão após ser acusado de censura.

"Na minha avaliação, houve um excesso do ministro ali. A suspensão da reportagem foi bastante polêmica, dentro do Tribunal, inclusive levando ao recuo", lembra Werneck, ouvido pela reportagem em agosto.

No ano seguinte, nota o professor, o cenário mudou. Em abril de 2020, Bolsonaro participou de um ato em Brasília, em que manifestantes pediam intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF. Ele defendeu o fim da "velha política" e disse que era "hora do povo no poder".

O Supremo, então, se uniu em apoio ao inquérito das Fake News e rejeitou uma ação que pedia o arquivamento dela em junho de 2020. A investigação relatada por Moraes passou a ser vista como um instrumento de defesa do Judiciário e da democracia.

Na ocasião, Toffoli defendeu que a Corte não podia ficar inerte aos ataques, diante da omissão da PF e da PGR, na época comandada por Augusto Aras, indicado ao cargo por Bolsonaro.

"A decisão do Toffoli de abrir o inquérito é uma decisão inconstitucional que foi constitucionalizada a posteriori pelo plenário. A indicação do Alexandre [como relator], o Toffoli não tinha competência [para fazer essa escolha]. O plenário depois consolida isso", afirma Joaquim Falcão.

Para Diego Werneck, o inquérito das Fake News foi um "divisor de águas da vida de Moraes no Supremo".

"Inclusive, é também o episódio que muda a valência política que se faz do ministro Alexandre de Moraes. Ele, subitamente, se torna importante para a esquerda, para a oposição ao governo Bolsonaro", recorda Werneck.

3) A multiplicação dos inquéritos

Depois que o inquérito ganhou aval do plenário do STF, o protagonismo de Moraes na Corte não parou de crescer.

A partir daí, uma série de outras investigações foram sendo abertas e mantidas no gabinete de Moraes, por suposta ligação com o inquérito das Fake News.

Nos anos seguintes, foram iniciadas apurações sobre vendas de joias do acervo presidencial por Bolsonaro, sobre a suposta falsificação de comprovantes de vacinação da covid-19 pelo ex-presidente, sobre a atuação de um suposto gabinete do ódio no Palácio do Planalto, dentre outras.

Todas foram mantidas com Moraes, inclusive as relacionadas aos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas radicais depredaram as sedes dos Três Poderes inconformados com a eleição de Lula.

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Bolsonaro em ato cujos manifestantes pediam o fechamento do STF, em 2020 Crédito: AFP via Getty Images

Nesses inquéritos, o ministro determinou diversas remoções de conteúdos e contas nas redes sociais, assim como prisões preventivas, como a do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que depois faria uma delação premiada.

Sua colaboração sustenta boa parte das acusações contra o ex-presidente no processo sobre a suposta tentativa de golpe de Estado.

A multiplicação de investigações e processos divide a opinião de juristas.

"A concentração de todos esses processos nas mãos do ministro é excessiva. E, ao falar isso, não estou dizendo que outros ministros decidiriam de modo diferente, ou que existe algum tipo de perseguição", afirma Ana Laura Barbosa, da ESPM.

"Mas, na minha visão, essa interpretação expansiva de que ele é prevento para julgar todos os casos por ser relator do inquérito das Fake News é, de certa forma, prejudicial à reputação do Tribunal, porque reforça esse personalismo, essa ideia de que existe um indivíduo no Tribunal que é encarregado de resolver todas as questões."

Já Mauricio Dieter, da USP, diz que Moraes não está usurpando poderes de outros ministros do STF, mas, na verdade, atuando com apoio deles.

"Ele concentra poder, porque a Corte inteira o agradece por fazê-lo. Então, acho injusta a crítica de que ele assume o lugar de arbitrariedade, de despotismo. Os ministros todos fazem isso. O que o distingue talvez seja, pela sua biografia, a coragem de ser o rosto dessa reação institucional", avalia Dieter.

Analistas também questionam o fato de Moraes tomar muitas decisões de ofício, ou seja, sem que haja um pedido da PF ou do Ministério Público.

"Decidir de ofício é quando o juiz decide algo que não foi pedido por ninguém, ou, pelo menos, que não foi pedido por alguém que tinha legitimidade para isso. É um limite muito importante para o poder de um juiz, sobretudo para garantir a sua imparcialidade", nota Werneck, do Insper.

Um exemplo de decisão de ofício foi quando Moraes incluiu Elon Musk, dono da plataforma X, como investigado no inquérito das Milícias Digitais —– outro desdobramento do inquérito das Fake News.

Mais um exemplo foi a decisão de afastar o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), por 90 dias, após os ataques de 8 de janeiro.

Moraes fez isso sem que houvesse um pedido da PGR — e depois que o presidente Lula já tinha ordenado a intervenção na segurança pública do DF.

O ministro justificou a decisão a partir de um pedido genérico da Advocacia Geral de União, solicitando mais ações para impedir novos atos criminosos.

Segundo Werneck, as muitas decisões de ofício que Moraes tomou ao longo dos anos deixam o ministro numa situação delicada para julgar Bolsonaro agora.

"Teria sido prudente fazer uma de duas coisas: ou não adotar todo esse protagonismo, ou, ao adotar, depois não participar da decisão."

Procurado por meio da assessoria do STF, Moraes não quis se manifestar sobre estas e outras críticas.

4) O endurecimento após as sanções de Trump

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Pressões de Trump sobre o STF não conseguiram conter julgamento Crédito: Reuters

Moraes determinou a prisão preventiva domicilar de Bolsonaro em agosto, ou seja, antes de sua condenação, após ele e seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL), articularem com o governo de Donald Trump ações dos Estados Unidos contra o Brasil.

A atuação de ambos foi entendida como crime de obstrução de Justiça, já que Trump taxou exportações brasileiras e sancionou Moraes e outros ministros do STF com o cancelamento de vistos, na tentativa de impedir o julgamento do seu aliado.

Os especialistas entrevistados consideram que a atuação da família Bolsonaro para interferir no processo com ajuda americana deixou o caminho livre para Moraes adotar medidas mais duras.

"A partir do momento em que Eduardo Bolsonaro sai do país para conspirar contra os interesses nacionais, ele reforça a tese de que as ameaças contra o Supremo Tribunal Federal com a tentativa de golpe de Estado eram projetos levados a sério", afirma Maurício Dieter.

Para a professora Ana Laura Barbosa, o embate entre o STF e o governo Trump intensifica a polarização da sociedade e traz riscos reputacionais para a Corte ainda difíceis de mensurar.

"A instabilidade é muito maior do que já foi antes, e eu acho que isso é preocupante de modo geral para o país, sobretudo considerando que tem eleições se aproximando".

Para o professor de Direito da USP Rafael Mafei, é natural haver controvérsias sobre a atuação do ministro quando se trata de um volume tão grande de decisões.

No entanto, ele avalia que, de modo geral, o ministro tem agido corretamente para enfrentar o que vê como o maior ataque ao sistema democrático estabelecido pela Constituição de 1988.

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