Publicado em 12 de outubro de 2025 às 13:32
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reúne com o papa Leão 14 na segunda-feira (13/10) no Vaticano. >
Será a primeira reunião entre o líder brasileiro e o novo pontífice, eleito como sucessor do papa Francisco em maio passado.>
Lula está em Roma para participar do Fórum Mundial da Alimentação, promovido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). >
O encontro no Vaticano está marcado para às 8h15 do horário local (5h15 de Brasília) no Palácio Apostólico, a residência oficial do papa.>
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Segundo fontes da diplomacia brasileira ouvidas pela BBC News Brasil em caráter privado, temas como justiça social, meio ambiente, defesa da paz e da democracia e Inteligência Artificial (IA) podem surgir na conversa entre Lula e Leão 14.>
O atual papa é o quarto pontífice a se reunir com o presidente brasileiro. Durante seus três mandatos, Lula foi recebido no Vaticano pelos papas João Paulo 2º, Bento 16 e Francisco.>
A última ida do presidente brasileiro para Roma foi em abril deste ano, para participar do velório de Francisco, que faleceu em 21 de abril, aos 88 anos.>
A expectativa é que Leão 14 receba o presidente Lula e a primeira-dama Janja em uma audiência a portas fechadas. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, também deve estar presente.>
Posteriormente deve haver uma reunião ampliada, com outros representantes do Vaticano e a delegação brasileira.>
O encontro desta segunda-feira vinha sendo costurado há alguns dias pelo governo brasileiro, que encontrou certa dificuldade diante da agenda disputada de Leão 14 às vésperas do fórum organizado pela FAO. O evento deve levar diversos chefes de Estado e representantes de governos estrangeiros a Roma, muitos dos quais pedem para se reunir com o papa.>
O pontífice não costuma receber visitantes no Vaticano tão cedo na manhã, mas teria aberto uma exceção diante do grande número de solicitações e do pedido do Brasil, segundo interlocutores da diplomacia brasileira.>
Leão 14 publicou na semana passada a primeira Exortação Apostólica - um documento oficial da Igreja contendo um ensinamento sobre determinado assunto - de seu papado. Intitulada Dilexi Te (Eu Te Amei, em português), a publicação denuncia as estruturas econômicas desiguais e a fome no mundo.>
O pontífice americano naturalizado peruano pede uma mudança de mentalidade em relação às pessoas marginalizadas e critica a desigualdade do sistema econômico mundial e "uma cultura que descarta os outros".>
"Não devemos baixar a guarda diante da pobreza. Preocupam-nos, de modo particular, as graves condições em que vivem muitíssimas pessoas, devido à escassez de alimentos e água potável. Todos os dias morrem milhares de pessoas por causas relacionadas com a desnutrição", diz o papa no documento.>
Segundo fontes ouvidas pela BBC News Brasil, a publicação da Exortação Apostólica e a realização do Fórum Mundial da Alimentação indicam que Leão 14 pode estar interessado em discutir o combate à injustiça social e à fome com Lula.>
Para o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o pontífice tem ainda vasto conhecimento sobre a situação social e econômica da América Latina, após viver no Peru por mais de duas décadas, de 1985 até 2023, antes de assumir o cargo no Vaticano.>
Segundo o especialista, isso e uma certa "familiaridade ideológica" aproximam Leão 14 de Lula.>
"O PT foi, de alguma forma, influenciado pelos movimentos sociais que estavam presentes na Igreja Católica brasileira no final dos anos 70 e começo dos 80, entre eles a teologia da libertação", diz Moraes, que lembra ainda que o mesmo movimento também teve grande força em outros países da América Latina, inclusive no Peru.>
"Então há familiaridades históricas, sociais e ideológicas que aproximam Lula de deste papa.">
Desde o início de seu papado, Leão 14 tem demonstrado ainda grande interesse pela defesa da paz.>
O tema foi o foco de seu discurso inaugural, proferido em frente a uma multidão de fiéis na Praça de São Pedro, logo após a sua eleição.>
"A humanidade precisa de Cristo como ponte para ser alcançada por Deus e por seu amor. Nos ajudem, e ajudem uns aos outros, a construir pontes com diálogo, com encontros. Todos juntos, em um só povo, sempre em paz", disse.>
Desde então, o pontífice se manifestou diversas vezes pelo fim dos conflitos mundiais, citando as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, além de outras disputas, como entre Índia e Paquistão na região da Caxemira.>
Por tudo isso, membros da diplomacia brasileira e observadores do Vaticano acreditam que alguma discussão sobre a luta pela paz deve surgir no encontro com Lula.>
O vaticanista Filipe Domingues, diretor do Lay Centre, em Roma, e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma, afirma que, embora o Brasil não tenha participação direta na construção da paz nesses conflitos, adota posições muito semelhantes à da Santa Sé, especialmente na guerra em Gaza.>
"O Lula fez uma defesa forte do multilateralismo nas Nações Unidas e a Santa Sé também defende isso de forma muito clara", diz o especialista, lembrando a fala do presidente brasileiro na Assembleia Geral da ONU em setembro.>
Da mesma forma, a defesa da democracia pode ser um tema de interesse tanto para o Vaticano quanto para o governo brasileiro.>
Segundo Gerson Leite de Moraes, o Vaticano tem reconhecido por meio de comunicados e declarações de autoridades diversas que há uma crise na democracia mundial.>
"E o Brasil é uma democracia forte que tem punido aqueles que atentaram contra a democracia", diz.>
De acordo com um diplomata ouvido em caráter reservado pela reportagem, não há expectativa de que eventos políticos específicos sejam mencionados na reunião, mas uma conversa geral sobre o tema pode estar na pauta.>
Segundo a mesma fonte, também é esperada alguma menção às discussões sobre regulamentação das redes sociais e Inteligência Artificial (AI), tópicos que também vêm sendo abordados pela Igreja Católica recentemente.>
Em junho, Leão 14 ressaltou em uma mensagem a necessidade de uma "governança global" das novas tecnologias e afirmou que as novas tecnologias não podem substituir "o discernimento moral" e a riqueza das relações humanas.>
"A humanidade está numa encruzilhada, enfrentando o imenso potencial gerado pela revolução digital impulsionada pela Inteligência Artificial. O impacto desta revolução é de longo alcance, transformando áreas como educação, trabalho, arte, saúde, governança, forças armadas e comunicação", disse o papa no texto divulgado pelo Vaticano.>
Por fim, aponta o teólogo e padre Dayvid da Silva, professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o Vaticano também pode ter interesse em revisitar o tema da liberdade religiosa novamente.>
"As questões dos direitos da Igreja Católica e da liberdade religiosa foram reconhecidas no acordo Brasil-Santa Se, do dia 11 de fevereiro de 2010, quando o presidente Lula cumpria o seu segundo mandato, e o papa era Bento 16", explica o religioso.>
Leão 14 foi convidado pelo governo brasileiro a participar da COP30, que acontecerá em Belém entre os dias 10 e 21 de novembro.>
O convite foi formalizado pela ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática do Brasil, Marina Silva, durante um evento realizado no Vaticano há algumas semanas.>
A conferência climática em Castel Gandolfo, na Itália, celebrou o aniversário da "Laudato si'", encíclica ambientalista de Francisco. Leão 14 presidiu a abertura do evento e confirmou as expectativas de que deve seguir o legado de seu antecessor na luta pela preservação do meio ambiente e contra as mudanças climáticas.>
"A questão climática interessa tanto a Lula quanto ao papa. E o próprio debate que vai ocorrer na COP no Brasil é importante para a Igreja Católica", avalia Gerson Leite de Moraes.>
O pontífice ainda não respondeu ao convite do Brasil para participar da conferência em Belém, mas o governo brasileiro afirma já ter recebido sinais de que a agenda do papa para novembro está bastante lotada.>
De qualquer maneira, diz o vaticanista Filipe Domingues, Lula deve reforçar o convite e discutir outros temas relacionados à COP 30.>
De acordo com dados do Censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os católicos eram 74% da população brasileira no ano 2000. Dez anos mais tarde, eram 65%.>
Diante do cenário, estudiosos e membros da Igreja no Brasil têm demonstrado preocupação com a queda do interesse na vida religiosa e a perda da relevância do catolicismo no país.>
No entanto, de acordo com um diplomata ouvido em caráter reservado pela reportagem, não há expectativa de que o tema seja tratado diretamente entre Lula e Leão 14. "Esse é um tema que é mais tratado pela CNBB", disse a fonte, em referência à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.>
E para o teólogo Gerson Leite de Moraes, apesar de pesquisas recentes mostrarem uma queda na influência da Igreja Católica e no número de pessoas que frequentam cerimônias religiosas, a morte e o legado do papa Francisco tem representado "uma espécie de reavivamento" para a Santa Sé.>
"Muita gente entende que os posicionamentos de Francisco serviram para estancar a queda de fiéis na Igreja Católica", diz o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.>
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