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Guerra na Ucrânia: vídeo mostra tanque atropelando carro de civil em Kiev

Guerra na Ucrânia: vídeo mostra tanque atropelando carro de civil em Kiev

Apesar do veículo ter ficado destruído, homem sobreviveu. Tropas da Rússia entraram na capital da Ucrânia e já falam em negociar nos seus termos

Publicado em 25 de fevereiro de 2022 às 15:15- Atualizado há 2 anos

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Com dois dias de conflitos, imagens impressionantes da guerra na Ucrânia já têm chocado e despertado revolta em todo o mundo. Nesta sexta-feira (25), um vídeo ganhou as redes sociais por flagrar um tanque de guerra da Rússia passando sobre o carro de um civil em Kiev, na capital ucraniana.

No vídeo é possível ver o blindado de guerra desviando a rota que fazia e atropelando o veículo que vinha na direção contrária em uma avenida na área residencial da cidade. Na sequência, as imagens mostram pessoas tentando retirar o motorista dos destroços. Ele foi resgatado com vida.

A cena é um retrato do segundo dia da campanha militar russa contra a Ucrânia, marcado pela intensificação do cerco à capital do país. Forças de Vladimir Putin voltaram a bombardear a cidade, desta vez com efeitos mais claros sobre civis, e se aproximam por dois flancos. Soldados russos já operam na cidade.

À pressão militar, o Kremlin já abriu as portas para uma negociação de paz sob seus termos. Segundo o porta-voz Dmitri Peskov, Putin aceita enviar uma delegação a Minsk (Belarus) para discutir "a neutralidade da Ucrânia" com uma missão do presidente Volodimir Zelenski.

Peskov comentava sobre uma fala anterior do ucraniano, que havia dito estar aberto a conversas e afirmou "não ter medo de discutir a neutralidade" - certamente não desta forma. Os russos em resumo querem o vizinho renunciando a entrar nas estruturas ocidentais, Otan (aliança militar) e a União Europeia.

A coreografia seguiu com um comunicado chinês, segundo o qual Putin disse em conversa com o líder Xi Jinping estar pronto para negociar.

Algumas horas depois, Putin voltou a atacar Zelenski, sugerindo que as Forças Armadas ucranianas deveriam derrubá-lo. "Parece que será mais fácil para nós nos acertarmos com vocês do que com essa gangue de viciados e neonazistas", disse. Alguns observadores políticos russos viram na agressividade um sinal dúbio, contudo, acerca da capacidade de resistência do rival.

Soldados ucranianos se posicionam dentro da cidade de Kiev, capital da Ucrânia, nesta sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022. Um dia após o presidente da Rússia,(EMILIO MORENATTI/ASSOCIATED PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO)

O movimento militar confirma a hipótese de que a Rússia de fato mirava Kiev como seu principal alvo nesta guerra, ainda que haja combates e ataques ocorrendo em quase todas as partes do país.

Os moradores da capital acordaram com sons de explosões de mísseis balísticos, provavelmente modelos Iskander lançados de Belarus, e de cruzeiro, disparados de aviões. Um caça Su-27 ucraniano, modelo soviético usado por Moscou e Kiev, foi abatido sobre a cidade e caiu sobre um bloco residencial, deixando um número incerto de vítimas.

A imagem correu a internet, com o avião em chamas iluminando o céu da madrugada. A Ucrânia fala em 137 mortos de seu lado e talvez 800 baixas russas, o que não é aferível. Ambos os lados relatam ter destruído equipamento inimigo.

Enquanto isso, a batalha pelo aeroporto ​Antonov, em Hostomel (25 km a noroeste do centro de Kiev) seguiu noite adentro, após forças aerotransportadas russas o terem tomado na véspera. As informações são confusas, como sempre são em guerras.

Os ucranianos disseram ter retomado a pista, enquanto em Moscou analistas militares dizem que a 76ª Divisão Aerotransportada de Pskov já está pronta para ser levada em aviões de transporte Il-76 para estabelecer uma cabeça de ponte no aeródromo.

Seja como for, de lá já saíram forças especiais russas infiltradas nas periferias da capital, segundo disse em pronunciamento o presidente Volodimir Zelenski, que significativamente se disse abandonado pelo Ocidente na crise e apelou aos manifestantes pró-paz na Rússia, que estão sendo reprimidos pela polícia.

Natali Sevriukova do lado de sua casa após um ataque com foguete na cidade de Kiev, na Ucrânia, nesta sexta-feira (25/02)
Natali Sevriukova do lado de sua casa após um ataque com foguete na cidade de Kiev, na Ucrânia, nesta sexta-feira (25/02). (Emilio Morenatti/AP/Agência Estado)

Por volta das 10h (5h em Brasília), o Ministério da Defesa disse haver registrado a infiltração de russos no bairro de Obolon e pediu para que moradores avisem a polícia e joguem coquetéis molotov se avistarem suspeitos. Em alguns bairros, foi relatada a distribuição de fuzis e munição a civis.

Perto das 12h (7h no Brasil), moradores relataram ter ouvido tiros de armas leves na região central da cidade. Uma coluna de fumaça subiu do centro de inteligência do governo, embora o prédio pareça intacto por fora. Às 15h de Moscou (9h em Brasília), o Ministério da Defesa russo disse que "o lado ocidental de Kiev está bloqueado".

A outra frente de ataque se forma a leste da capital. Os russos tomaram a central nuclear de Tchernóbil, infame pelo desastre de 1986, estabelecendo assim um corredor entre suas forças estacionadas na vizinha Belarus e a capital.

Segundo informações de Washington, os russos chegaram a 32 km da capital por essa via. Diplomatas ocidentais em Moscou falaram à reportagem em menos de 8 km. Já os ucranianos dizem ter parado o avanço a 50 km, tendo nesta versão estabelecido uma linha de defesa contra tanques usando mísseis americanos Javelin.

Com isso, se tornam alvo provável de mais bombardeios, já que a destruição de 11 aeroportos e 14 baterias defesas antiaéreas na quinta (24) parece ter dado vantagem decisiva a Moscou nos céus do país. Nesta manhã, Moscou disse ter destruído 118 alvos militares e derrubado cinco caças.

​Enquanto isso, o terror recomeçou para os civis, e o governo decretou medidas para tentar proteger civis, estabelecendo toque de recolher noturno, orientando a estocagem de alimentos, recolhimento de documentos e o uso de abrigos antiaéreos.

"Tudo começou de novo por volta das 4h (23h em Brasília). Minha mãe lembrou de 1941", disse por celular o engenheiro Piotr Timotchenko, morador da periferia da capital. Ela não foi a única. "A última vez que a capital experimentou algo assim foi em 1941, quando foi atacada pela Alemanha nazista", escreveu no Twitter o chanceler Dmitro Kuleba.

Como conta Timotchenko, "todo ucraniano e todo russo lembra da frase: '4h. Kiev é bombardeada'". Essa foi a mensagem de rádio anunciando o início da Operação Barbarossa, a invasão nazista da União Soviética, no dia 22 de julho daquele ano.

As lembranças da Segunda Guerra pairam sobre o conflito. Putin, no seu discurso anunciando o que seria uma operação para "proteger o Donbass", disse que precisava "desnazificar" e desarmar a Ucrânia. A associação entre elementos militares ucranianos e inspiração neonazista é conhecida, e explorada pelo russo na sua propaganda, ainda que Zelenski seja judeu.

Donbass é o nome dado ao leste ucraniano, onde há duas áreas rebeldes pró-Rússia que foram reconhecidas como países por Putin, após oito anos de guerra civil apoiada pelo Kremlin, iniciada após a anexação promovida pelo russo da Crimeia para evitar que o então novo governo de Kiev aderisse ao Ocidente.

Essa questão estava no centro do ultimato de Putin feito em 17 de dezembro ao Ocidente, em meio a seus quatro meses de preparação para a ação —que sempre negou, até justificá-la com uma ameaça militar ucraniana aos 4 milhões de moradores do Donbass, 800 mil com passaporte russo, considerada inexistente por analistas.

À medida que a campanha avança, o objetivo inicial russo parece mais claro. Resta saber se Putin pretende atacar de forma destrutiva a capital, provando a fala de Zelenski de que ele é o "alvo número 1", ou se manterá a pressão.

Segundo a reportagem ouviu de uma pessoa com acesso ao Kremlin nesta sexta, há um rumor palaciano de que Putin fez um ultimato a Zelenski numa comunicação intermediada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que falou com ambos na noite passada. Nesta versão, Putin teria dito para ele se render ou enfrentar um ataque direto.

Como seria previsível, é impossível comprovar isso a esta altura, embora haja lógica no relato —ainda mais com a fala de Peskov. Mas coisas ilógicas já se apresentaram até aqui: esta mesma pessoa dizia na semana passada que Putin nunca arriscaria matar civis ucranianos, dada a interligação e origem comum dos dois países.

E, ainda que suas forças de fato estejam privilegiando ações militares, depois do início de uma guerra ataques mais precisos costumam ceder lugar a combates mais sujos, nos quais surge o eufemismo dano colateral - cadáveres de não combatentes. Zelenski já usou isso em seu discurso, enfatizando as vítimas civis.

De todo modo, no meio diplomático em Moscou, é consenso que o que Putin quer agora é uma mudança rápida de regime, fazendo valer sua versão 2022 da "blitzkrieg" nazista. Nesse cenário, Zelenski cederia o poder em troca de algum tipo de anistia ou exílio, e algum político de partidos mais alinhados à Rússia na Rada (Parlamento) assumiria um governo interino.

A alternativa seria, para os russos, ele ser morto ou preso, seja em ataques aéreos ou em ação de forças especiais infiltradas por meio de Hostomel. Em Kiev, há sinais de cansaço. "A Ucrânia sempre vai dar espaço para negociações, incluindo agora. A guerra tem de parar", disse em rede social o assessor presidencial Mikhailo Podoliak.

Antes da fala de Peskov, Moscou sinalizou sua disposição. "Quando os ucranianos estiverem livres da opressão, poderão escolher seu futuro. Não vemos a possibilidade de reconhecer como democrático um governo que persegue e usa métodos de genocídio contra seu povo", disse o chanceler Serguei Lavrov, em entrevista.

Enquanto tais hipóteses se desenham, a ação continua no resto da Ucrânia. Há relatos de grandes bombardeios na costa do mar Negro, em Odessa a Mariupol, e em Karkhiv, no nordeste do país. Esses movimentos parecem confirmar a hipótese de que Putin irá, além de buscar derrubar Zelenski, desmembrar parte do país.

Assim, as autoproclamadas repúblicas russas do Donbass poderiam acabar ligadas à Crimeia, estabelecendo uma ponte física entre a Rússia e sua Frota do Mar Negro baseada em Sebastopol, principal cidade da península anexada. O status político de tal território, até por ser uma excisão militar de uma área estrangeira, não é sabido.

Há combates na região. O relato não confirmado de que uma escola foi bombardeada pelos ucranianos em Donetsk, capital de uma das áreas, tomou de assalto as TVs russas. Dois professores teriam morrido. Na região de Kherson, forças de Kiev conseguiram impedir que os russos cruzassem uma ponte sobre o rio Dnieper central para ligar o leste ao oeste do país.

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