Publicado em 10 de setembro de 2025 às 17:33
As redes sociais de grupos da direita brasileira estão agitadas, com diversas postagens fazendo referência aos protestos no Nepal e expressando o desejo de que revolta similar aconteça no Brasil, contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que conclui nesta semana o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus no caso da tentativa de golpe de Estado.>
O ministro Flávio Dino protocolou representação junto à Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira (10/9) pedindo investigações sobre postagens nas redes sociais incentivando ataques letais aos ministros e seus familiares, além da destruição da sede do STF. >
"Entre os traços que chamam atenção, há uma constante alusão a eventos ocorridos no 'Nepal", o que parece sugerir uma ação concertada com caráter de incitação", afirma Dino, na representação encaminhada à PF.>
O primeiro-ministro do Nepal, KP Sharma Oli, renunciou na terça-feira (9/9), após a intensificação de uma onda de protestos liderada por jovens, motivados por uma proibição governamental de uso de redes sociais, corrupção generalizada e poucas oportunidades econômicas. Ao menos 30 pessoas já morreram em meio aos distúrbios.>
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Um levantamento da plataforma de escuta social Palver, que monitora cerca de 100 mil grupos públicos no WhatsApp, mostra que o tema foi mencionado pela primeira vez nos grupos públicos brasileiros no domingo, 7 de Setembro, com as citações chegando ao auge nesta quarta-feira (10/9).>
As citações ao Nepal eram apenas 7 a cada 100 mil mensagens na segunda-feira (8/9), subiram a 314 a cada 100 mil mensagens na terça (9/9) e a 344 a cada 100 mil nesta quarta, enquanto o ministro Luiz Fux apresenta seu voto no STF.>
Terceiro a votar no julgamento, Fux divergiu de Alexandre de Moraes e Flávio Dino, ao pedir anulação do processo por falta de competência do STF para julgar e indicar a absolvição dos réus pelo crime de organização criminosa, posições que foram celebradas por apoiadores de Bolsonaro nas redes.>
Para efeito de comparação, a média histórica de menções a "Bolsonaro" costuma ser de 300 a cada 100 mil mensagens, e a "Lula", de 600 a 700 a cada 100 mil.>
"O principal elemento que observamos nos mais de 100 mil grupos públicos que analisamos em tempo real, é a tentativa de comparação entre elementos do Nepal e do Brasil", diz Luis Fakhouri, co-fundador da Palver.>
"Nos grupos de direita, principalmente, a gente encontrou muitos vídeos, muitas imagens fazendo comparações. Falando: 'No Nepal, é um governo comunista, no Brasil é um governo comunista'. 'No Nepal, eles tentaram silenciar a população, aqui no Brasil eles tentam silenciar a população'. 'No Nepal, um ditador tirou a liberdade de expressão do povo. No Brasil, temos um ministro ditador'", exemplifica o especialista em escuta social.>
Segundo o diretor da Palver, as mensagens tentam criar uma atmosfera para que as pessoas no Brasil tomem as ruas e criem "um caos parecido com o observando no Nepal".>
"São diversas mensagens nesse tom, de que 'essa é a única forma de combater um governo ditador. Com violência. Não tem como combater com fala. A gente precisa reproduzir a mesma coisa que o Nepal fez lá aqui", diz Fakhouri, citando as mensagens dos grupos públicos de WhatsApp.>
Na representação encaminhada à PF, o ministro Flávio Dino citou ameaças feitas contra ele nas redes sociais, após seu voto no julgamento de Bolsonaro e demais réus na terça-feira (9/9). >
Dino acompanhou Moraes na decisão pela condenação dos réus, embora tenha divergido ao ponderar sobre o peso da participação de alguns deles nos fatos. >
"Imediatamente após o voto que proferi, no regular cumprimento da função pública que exerço, passei a ser destinatário de graves ameaças contra a minha vida e integridade física, veiculadas via internet", escreve Dino no documento.>
Na representação, ele inclui diversos exemplos dessas postagens, em sua maioria com referências aos distúrbios no Nepal e afirma ver indicadores de coação no curso de processo, entre outros possíveis crimes.>
"Lembro que tais fatos, além da relevância em si, podem deflagrar outros eventos violentos contra pessoas e o patrimônio público. Como sabemos, há indivíduos que são conduzidos por postagens e discursos distorcidos sobre processos judiciais, acarretando atos delituosos - a exemplo de ataques ao edifício-sede do STF, inclusive com uso de bombas", afirma o ministro.>
Mais cedo, o PT acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) por postagens citando o Nepal, que, segundo o partido, buscariam "estabelecer um paralelo entre as mobilizações populares que ocorrem no momento na República Democrática Federal do Nepal e a conjuntura política brasileira".>
De acordo com o PT, no pedido de investigação feito à PGR, as postagens de Nikolas e Gayer "configuram clara tentativa de insuflar nova ruptura democrática e incentivar atos de desobediência civil com potencial de resultar em violência política, caos institucional e graves violações de direitos humanos".>
O pedido foi assinado pelo deputado Reimont (PT-RJ), presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados.>
Em postagem no X (antigo Twitter), Nikolas Ferreira publicou um vídeo sobre os protestos do Nepal, com o comentário "O povo do Nepal cansou...">
Em outras postagem sobre os protestos no país asiático, Nikolas comentou "Menos um regime comunista no mundo. Amém", acompanhado de um vídeo que mostra um homem arrancando a bandeira do Nepal de um mastro.>
Já Gayer retuitou uma postagem da conta @TumultoBR com um vídeo sobre o Nepal e a mensagem "Quando a população se levanta, nada fica em pé, absolutamente nada. O Nepal está dando uma demonstração de que tudo tem limite.">
A BBC News Brasil procurou a assessoria de imprensa de Nikolas Ferreira, mas não obteve um posicionamento até a publicação deste texto. >
A reportagem também tentou contato com a equipe de Gustavo Gayer através de seu gabinete, sem sucesso.>
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