Publicado em 8 de março de 2025 às 14:43
A região do Sahel, na África, é o "epicentro do terrorismo global" — e agora, pela primeira vez, é responsável por "mais da metade de todas as mortes relacionadas ao terror", de acordo com o Índice de Terrorismo Global (GTI, na sigla em inglês).>
O Sahel está localizado logo ao sul do Deserto do Saara, em uma faixa que atravessa o continente africano de leste a oeste e inclui partes de 10 países, conforme definição do GTI: Burkina Faso, Mali, Níger, Camarões, Guiné, Gâmbia, Senegal, Nigéria, Chade e Mauritânia.>
O novo relatório do GTI aponta que, em 2024, "51% de todas as mortes relacionadas ao terrorismo" ocorreram nessa área — ou seja, 3.885 de um total de 7.555 a nível mundial.>
O relatório acrescenta que, embora o total global tenha diminuído após atingir um pico de 11 mil mortes em 2015, o número de mortes no Sahel aumentou quase dez vezes desde 2019, à medida que grupos extremistas e insurgentes "continuam a voltar seu foco" para a região.>
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O índice é publicado pelo Instituto para Economia e Paz, um think tank dedicado a pesquisar a paz e conflitos globais. O instituto define terrorismo como a "ameaça ou uso real de força e violência ilegais por um ator não estatal para atingir um objetivo político, econômico, religioso ou social por meio do medo, da coerção ou da intimidação".>
O Sahel possui algumas das taxas de natalidade mais altas do mundo, e quase dois terços da população que vive nessa região têm menos de 25 anos.>
Diferentemente do Ocidente, onde o "terrorismo de lobos solitários está em ascensão", ela tem testemunhado a rápida expansão de grupos militantes jihadistas, de acordo com o relatório. >
O texto afirma que a maioria dos ataques foi realizada por dois grupos: a organização afiliada do grupo autodenominado Estado Islâmico no Sahel e o Jama'at Nusrat al-Islam wal Muslimeen (JNIM, que significa Grupo de Apoio ao Islã e aos Mulçumanos), um braço da al-Qaeda.>
"Eles estão tentando introduzir novas ordens jurídicas", explica Niagalé Bagayoko, presidente da organização African Security Sector Network. "Eles estão tentando fazer justiça, em particular, com base na sharia (lei islâmica).">
Nesse processo, segundo ela, "estão competindo uns com os outros" por terras e influência.>
A organização afiliada do Estado Islâmico no Sahel supostamente dobrou a quantidade de território que controla no Mali desde os golpes de Estado no país em 2020 e 2021 — sobretudo no leste, perto das fronteiras com Burkina Faso e Níger —, enquanto o JNIM também continuou a expandir seu alcance, de acordo com um painel de especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) no Mali.>
O relatório do GTI observa que ambos os grupos recrutaram mais combatentes, inclusive crianças-soldados, no caso do Estado Islâmico.>
"Em alguns casos, as pessoas tendem a estar em uma situação em que não têm muita escolha quando decidem se juntar a um grupo militante", diz Beverly Ochieng, analista de segurança especializada em África francófona da Control Risks, uma consultoria de risco geopolítico. "Essas comunidades são muito vulneráveis.">
O relatório do GTI explica como a instabilidade política e a governança frágil estão criando as condições ideais para o crescimento de grupos insurgentes, citando o conflito como "o principal motor do terrorismo".>
O Sahel é muitas vezes chamado de "cinturão do golpe" da África. Desde 2020, houve seis golpes bem-sucedidos na região: dois no Mali, dois em Burkina Faso, um na Guiné e um no Níger. Estes países agora são todos governados por juntas militares.>
"O Sahel sofreu um colapso da sociedade estatal", diz Folahanmi Aina, cientista político especializado na região da Universidade Soas, em Londres.>
"Isso se deve a anos de negligência por parte dos líderes políticos que não priorizaram necessariamente um governo centrado nas pessoas, e os ressentimentos locais se agravaram, resultando em grupos terroristas tentando se aproveitar disso.">
Havia a percepção de que os governos civis eram incapazes de combater as ameaças à segurança dos grupos insurgentes, "mas, apesar de essas juntas terem assumido o poder, elas não melhoraram necessariamente a percepção localmente e, na verdade, a insegurança piorou", diz Aina. "As juntas são profissionalmente despreparadas para as exigências da governança.">
Em 2024, Burkina Faso "continuou sendo o país mais afetado pelo terrorismo pelo segundo ano consecutivo", de acordo com o GTI. Nos 14 anos desde o início do relatório, este é o único país no topo da lista que não é o Iraque ou o Afeganistão.>
Os grupos jihadistas sustentam suas operações no Sahel com uma série de atividades econômicas ilícitas, incluindo sequestros com pedido de pagamento de resgate e roubo de gado, de acordo com o relatório do GTI.>
O Sahel também se tornou uma rota importante para os traficantes de drogas que transportam cocaína da América do Sul para a Europa, e o relatório observa que "o tráfico de drogas representa uma das atividades ilícitas financeiramente mais lucrativas ligadas ao terrorismo no Sahel".>
O texto ressalta, no entanto, que alguns grupos evitam se envolver diretamente com o crime organizado, preferindo "ganhar dinheiro impondo taxas ou fornecendo segurança e proteção em troca de pagamento".>
"Esse modelo não apenas gera receita, como também ajuda esses grupos a se integrarem às comunidades locais, fortalecendo sua influência", acrescenta o relatório.>
Os grupos insurgentes também disputam o controle dos ricos recursos naturais do Sahel. O Níger é o sétimo maior produtor mundial de urânio, e as minas de ouro artesanais não regulamentadas encontradas em toda a região são frequentemente aproveitadas por grupos como a organização afilada do Estado Islâmico no Sahel e o JNIM.>
Após a recente onda de golpes de Estado, os governos do Sahel se afastaram dos aliados ocidentais, como a França e os EUA, e se voltaram para a China e a Rússia em busca de apoio para combater os militantes.>
"No momento, estamos vendo que a Rússia está assumindo um controle mais assertivo sobre os paramilitares russos na região, conhecidos como Africa Corps [antigo Grupo Wagner]", diz Ochieng. "O trabalho deles consiste em treinar e apoiar os exércitos locais para que sejam capazes de combater a insurgência na região, mas até agora não tem sido eficaz.">
Como resultado, o relatório do GTI adverte que agora há um risco de alastramento do chamado "epicentro do terrorismo" para os países vizinhos. Na verdade, o relatório diz que isso já pode estar acontecendo — o Togo registrou 10 ataques e 52 mortes em 2024, o maior número desde o início do índice. Estes ataques se concentraram em grande parte ao longo da fronteira do país com Burkina Faso.>
Ochieng concorda com esta avaliação, dizendo que "a expansão de grupos militantes da região em países como Benin, Togo ou outros Estados costeiros da África Ocidental parece ser iminente".>
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