Publicado em 14 de outubro de 2025 às 16:33
"Sou um guloso.">
Vamarr Hunter tem 51 anos. Ele confessa abertamente sua gula, um pecado que, anos atrás, o levou a descobrir uma pequena padaria na zona sul de Chicago, nos Estados Unidos.>
A padaria se chama "Give Me Some Sugar" ("Me dê um pouco de açúcar", em tradução livre). Ele se tornou um cliente habitual, graças às deliciosas panquecas e biscoitos com gotas de chocolate.>
"Não existem panquecas melhores em toda a cidade", garante ele.>
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Além dos doces e sobremesas que o deixaram fanático, Hunter conseguiu encontrar, naquele local, alguém que estava ausente durante toda a sua vida e que ele pensava que nunca iria conhecer: sua mãe biológica.>
O homem e sua progenitora, Lenore Lindsey, contam as surpreendentes circunstâncias que levaram ao seu reencontro no programa de rádio Lives Less Ordinary, do Serviço Mundial da BBC.>
Era o Natal de 2022. Hunter e um amigo assistiam, coincidentemente, ao mesmo programa de televisão.>
"Um dos meus amigos mais próximos havia visto o mesmo programa, com uma mulher que falava do seu filho que foi sequestrado no hospital em 1974, o ano em que eu nasci", contou ele.>
"Ele me disse: 'Você deveria ligar para esse número. Talvez eles possam ajudar você a encontrar sua mãe.' E foi assim que tudo começou.">
Hunter não havia conhecido sua mãe biológica. Ela o entregou para adoção dias depois que ele nasceu.>
Sua família adotiva só revelou a verdade sobre sua origem quando ele tinha 35 anos. Hoje, ele tem quatro filhos e vários netos.>
Hunter deu razão ao amigo e ligou para o programa. Eles informaram que ele não era o menino sequestrado mencionado na TV, mas se ofereceram a colocá-lo em contato com uma genealogista chamada Gabriela Vargas, que o ajudaria na sua busca.>
"Duas semanas depois, ela me ligou e disse: 'Encontrei sua mãe. [...] Ela mora muito perto de você'", recorda ele.>
Mas a especialista tinha uma má notícia. Sua mãe ainda não queria falar com ele porque tinha problemas de saúde. Ela havia acabado de ser diagnosticada com câncer.>
"Falei com ela [Vargas] e expliquei que estava prestes a me submeter à quimioterapia", conta Lindsey, "mas que estava disposta a ligar para ele depois, porque não poderia lidar com isso naquele momento. Tudo era avassalador." >
Mas, poucos minutos depois, ela mudou de opinião e pediu a Vargas o número de telefone do seu filho para entrar em contato.>
Antes de prosseguir com o reencontro, é preciso voltar no tempo mais de meio século, para entender como ocorreu a separação.>
O ano era 1974 e Lindsey cursava o ensino médio.>
"Eu tinha 16 anos e havia recentemente terminado com um namorado do ensino médio chamado Michael, com quem havia ficado por dois anos", relatou ela.>
Seguiu-se à dor da primeira separação uma notícia que fez tremer as bases da conservadora família da estudante.>
"Só fiquei sabendo que estava grávida no sexto mês", relembra ela.>
"Por três ou quatro meses, minha barriga ficou perfeitamente plana, até que minha mãe me perguntou se eu estava menstruando. Eu disse que não e ela me mandou à sua ginecologista.">
"Quando colocou o estetoscópio na minha barriga, a médica disse: 'Meu Deus'. E ouvi as batidas do coração. Foi ali que fiquei sabendo.">
Lindsey confessa que ficou devastada pela notícia: "Eu não parava de chorar.">
Ela conta que não se atreveu a falar com seus pais. Por isso, pediu à sua irmã que soltasse a bomba em casa.>
"Era 1974 e isso não era aceitável. Não havia a liberdade que existe hoje.">
"[A gravidez na adolescência] era motivo de vergonha. Não era motivo de orgulho", explicou ela.>
Lindsey relembra que ficou meses sem olhar de frente para seus pais. E afirma que, até hoje, se arrepende de tê-los decepcionado.>
"Eu parti o coração deles", lamenta ela.>
Lindsey decidiu dar continuidade à gravidez, mas para colocar o bebê para adoção.>
"Criá-lo não era uma opção", declarou ela, que não colocou nome na criança.>
"Fiz de propósito, pois o único nome que me ocorria era o do pai dele e eu não queria que meus pais soubessem quem ele era.">
"Eles não paravam de me perguntar: 'bem, quem é o pai? Ele precisa assumir a responsabilidade' e eu não queria dizer", explica ela.>
Ela também não quis ver nem tomar o pequeno nos braços quando deu à luz, para não dificultar ainda mais sua entrega para adoção.>
"Uma vez, as enfermeiras o trouxeram por engano e eu vi a parte superior da cabeça. Foi tudo. Mas nunca o vi quando era bebê.">
A jovem mãe nunca soube onde foi parar o menino.>
"A assistente social encarregada do caso me fez acreditar que eles tinham um lar pronto para ele", conta Lindsey. "E que era um lugar perfeito, sabe, onde os dois pais trabalhavam.">
Esta versão fez seu filho rir.>
"Nunca tive uma boa relação com meus pais adotivos", comenta ele. "Mas tive avós e tios maravilhosos.">
"Com o passar dos anos, em várias ocasiões, minha mãe adotiva me fez comentários do tipo 'o que você sentiria se fosse adotado?'", contou Hunter.>
Por isso, ele sempre soube que havia algo que não se encaixava no que ele, até então, chamava de família.>
A tentativa de Lindsey de virar a página não funcionou totalmente. "Reprimi tudo", admitiu ela.>
"Eu era a rainha da repressão. Quando voltei para a escola, fiquei muito mal. Continuei faltando muito às aulas.">
Lindsey não contou nem mesmo ao pai do bebê o que havia acontecido. E a experiência com seu primeiro filho afetou seu comportamento anos depois, quando teve sua filha Rachel com seu primeiro marido.>
"Acho que não fui muito maternal", lamenta ela. "Não era uma dessas [mães] que, ao olhar para a bebê, me conectava com ela. Não fui uma mãe carinhosa.">
"Eu a amava, mas acredito que assumi a maternidade mais como uma responsabilidade. Sabia que tinha um trabalho a fazer, que tinha uma filha, que era responsável por ela e precisava criá-la e mantê-la.">
Lindsey decidiu mudar de vida 17 anos atrás. Ela saiu de um emprego que não a atraía muito e abriu uma padaria.>
Ela havia descoberto, anos antes, que tinha talento para a confeitaria e que assar bolos, biscoitos e outras sobremesas a relaxava e trazia paz.>
"As pessoas do grupo de estudos bíblicos da igreja que comecei a frequentar gostavam do que eu fazia e me diziam que eu poderia abrir um novo negócio", ela conta.>
"Achei que poderia ser divertido, pois o bairro estava muito degradado e, realmente, não tinha nada bonito.">
Em 2008, nasceu a "Give Me Some Sugar" e, dois anos depois, seu filho começou a frequentar o local, longe de imaginar que a dona seria sua mãe.>
Na última década, as visitas de Hunter para tomar o café da manhã ou comprar biscoitos com gotas de chocolate passaram a ser tão frequentes que ele tinha o número de telefone da padaria nos contatos do celular, para fazer encomendas.>
Por isso, quando a genealogista Vargas contou, no final de 2022, que sua mãe biológica iria ligar para ele, Hunter teve uma grande surpresa quando tocou o telefone e surgiu na tela o nome da padaria da qual ele era cliente assíduo.>
"Eu liguei e disse: 'Alô, você é Vamarr Hunter?'", recorda ela.>
"Ele respondeu: 'Sim, é a sra. Lenore?' E eu disse: 'Sim.'">
"Ele, então, respondeu: 'A senhora Lenore, da Give Me Some Sugar?' Eu disse: 'Sim.' E ele insistiu: 'Sou Vamarr, Vamarr Hunter!'">
"Ele sabia quem eu era porque tinha o meu número, mas eu não o reconhecia. Seu nome não me dizia nada", explica Lindsey.>
"Eu tinha o número da padaria no telefone para encomendar minhas panquecas", prossegue Hunter, rindo.>
Mas ele reconhece que levou alguns segundos para internalizar o que havia acabado de descobrir. "Parecia impossível.">
Hunter afirmou que, antes de descobrir que a proprietária da sua padaria preferida era sua mãe biológica, ele já a tinha em estima, pela maneira gentil e prestativa com que ela atendia a ele e aos demais clientes.>
Depois dessa primeira ligação, marcada por gritos, choros e risos, eles se reuniram em uma igreja, com suas respectivas famílias, para que todos se conhecessem.>
Lenore Lindsey afirmou que reencontrar o filho que ela foi forçada a entregar quase cinco décadas antes também influenciou sua relação com sua outra filha.>
"Aquilo me tornou mais maternal, também com Rachel", ela conta. "É estranho. É como se, agora, eu fosse livre para ser mãe.">
Depois do reencontro, Vamarr Hunter começou a visitar a padaria com mais frequência, mas não só como cliente.>
Ele começou a ir ao local ao sair do trabalho, para ajudar sua mãe a preparar bolos e biscoitos, enquanto ela se recuperava do tratamento contra o câncer.>
Até que, em 2024, Hunter tomou a corajosa decisão de renunciar à sua carreira no setor de distribuição e logística, após 18 anos, para se dedicar integralmente ao até então desconhecido mundo da confeitaria.>
"No começo, meu único objetivo era passar algum tempo com minha mãe e ajudá-la, pois, fisicamente, era muito difícil para ela", conta o filho.>
"Naquela época, a padaria só abria alguns dias por semana. E sabemos que, se você só trabalhar dois ou três dias por semana, o negócio não é sustentável.">
"Então, pensei: 'Bem, o que posso fazer para ajudar?' E aprendi a fazer biscoitos e tudo o mais. Foi genial.">
Hunter afirma que não gosta apenas do processo de preparação das sobremesas, mas também de atender os clientes.>
"Ainda bem, porque eu disse que você não iria ganhar dinheiro aqui", respondeu a mãe, entre risos.>
* Ouça aqui o episódio do programa de rádio Lives Less Ordinary (em inglês), do Serviço Mundial da BBC, que deu origem a esta reportagem.>
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