Publicado em 2 de setembro de 2023 às 09:03
Cerca de 10% da população mundial sofre com transtornos mentais, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.>
Na América Latina, o Brasil lidera entre os países com mais gente que relata ter ansiedade e depressão, com quase 19 milhões de pessoas.>
Ao todo, 7% dos brasileiros dizem que sua saúde mental é precária ou muito ruim, segundo uma pesquisa do instituto Datafolha. O índice é maior entre mulheres (9%) e jovens entre 16 e 24 anos (13%). >
Nesse cenário, a procura por remédios psiquiátricos vem aumentando. Entre 2017 e 2021, a venda cresceu 58%, segundo dados do Conselho Federal da Farmácia. >
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Outro levantamento recente, feito pelo Instituto Cactus e AtlasIntel, mostrou que, entre os 2.248 participantes (todos maiores de 16 anos), um em cada seis usavam remédios psiquiátricos.>
Tão comum quanto usar esses remédios é parar de tomá-los de uma hora para a outra, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.>
Muitas pessoas caem nesta cilada, muitas vezes, justamente porque os medicamentos estão fazendo seu efeito — a melhora pode criar a ilusão de que o problema está resolvido, segundo eles. >
Em outros casos, efeitos adversos do tratamento podem levar uma pessoa a interromper abruptamente o tratamento.>
Quem resolve parar de usar o remédio sem consultar o médico pode sofrer prejuízos imediatos e a longo prazo, afirmam os psiquiatras.>
Um único dia sem tomar remédios como os usados no tratamento de depressão e ansiedade já pode alterar sinais químicos do cérebro e provocar sintomas como enjoo, cansaço, tontura e sensação de "cabeça aérea".>
A intensidade destes sintomas depende do corpo de cada pessoa, que os sente de forma mais ou menos intensa. >
Um estudo recente aponta que mais da metade (56%) das pessoas que tentam interromper o uso de antidepressivos têm sintomas adversos, e quase metade delas (46%) descrevem os efeitos colaterais como graves.>
É a chamada "síndrome da retirada", que pode ser causada pela interrupção do uso não só de antidepressivos e ansiolíticos, mas também de hipnóticos, antipsicóticos, estabilizadores de humor e estimulantes (incluindo remédios usados no tratamento de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).>
Estes sinais dados pelo corpo podem passar depois de alguns dias. >
Embora sejam desagradáveis, eles não são o maior risco de parar de repente de tomar um remédio. >
“Há a possibilidade de que os sintomas originais retornem de forma intensa”, explica Vanessa Favaro, diretora do Serviço de Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP).>
Elson Asevedo, psiquiatra e diretor técnico do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental da Universidade Federal de São Paulo (Caism/Unifesp), acrescenta outro efeito que ele costuma observar na prática.>
Pacientes que tiveram uma resposta boa inicialmente a um medicamento podem responder de forma mais lenta ou apresentar resistência ao retomar um tratamento que foi interrompido abruptamente.>
“Aumentar a dose ou trocar a medicação pode ser necessário em alguns casos, inclusive combinando múltiplos medicamentos diferentes”, diz Asevedo.>
O principal motivo que leva alguém a parar com um medicamento é o quadro que estava sendo tratado aparentemente se estabilizar. >
“Quando se experimenta a melhora da depressão e da ansiedade, é natural sentir que os medicamentos não são mais necessários, já que os sintomas parecem ter diminuído", explica Asevedo.>
"Porém, a armadilha aqui é que essa melhoria nos sintomas muitas vezes ocorre antes da melhoria física no cérebro.”>
O médico compara o cérebro a um computador, e a doença, a um programa instalado na máquina. >
O tratamento remove o programa, explica ele, mas, para que o cérebro se proteja contra futuras recaídas, é necessário um período considerável de uso da medicação para que o cérebro crie novos caminhos para funcionar sem a influência da depressão. >
"É recomendável que antidepressivos sejam usados por pelo menos 12 meses após a alta médica e pode chegar a até dois anos ou mesmo ser por tempo indeterminado, caso o paciente tenha tido dois ou mais episódios de depressão ao longo da vida", afirma Antônio Geraldo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).>
Vanessa Favaro, do IPq-USP, diz que muitos pacientes não veem o tratamento como parte de uma busca contínua por saúde mental. >
“Compreender a abordagem de longo prazo pode ser desafiador para alguns pacientes, especialmente quando estão angustiados. A busca por alívio imediato é natural, mas nem todo sofrimento exige apenas alívio momentâneo", diz a médica.>
"O entendimento do transtorno, suas bases biológicas e a manutenção da saúde mental ao longo do tempo são essenciais. É importante considerar não apenas a medicação, mas também outras ações, como a psicoterapia e técnicas de respiração.” >
Outra razão bastante frequente para o abandono dos medicamentos são os efeitos indesejados sobre corpo.>
“É relativamente fácil tolerar os efeitos colaterais de um antibiótico que só precisaremos tomar por sete dias", diz Asevedo. >
"Mas, quando se trata de um quadro depressivo que exige um tratamento contínuo de um ano, é muito mais difícil lidar.”>
Entre os efeitos colaterais mais comuns dos medicamentos psiquiátricos, o médico cita:>
Asevedo diz que os profissionais de saúde devem ficar atentos a isso e fazer com que os pacientes se sintam à vontade para relatar qualquer queixa. >
Em casos assim, é importante discutir juntos as possibilidades.>
"Eles podem considerar alternativas, como trocar o medicamento ou até mesmo introduzir um antídoto para mitigar efeitos colaterais”, diz Asevedo.>
Os medicamentos usados no tratamento de transtornos mentais alteram os sinais elétricos transmitidos dentro do cérebro por meio de mudança na composição química do órgão.>
"O cérebro é um computador que, em vez de cabos, tem neurônios. Mas esses neurônios não se conectam diretamente. Há um pequeno espaço entre eles, onde se encontram os neurotransmissores", explica Asevedo. >
Os neurotransmissores são substâncias químicas que possibilitam a transmissão elétrica de um neurônio para outro.>
Serotonina, noradrenalina e dopamina são alguns dos neurotransmissores que regulam a passagem de sinais elétricos entre os neurônios.>
Um transtorno mental costuma ocorrer quanto essas substâncias químicas estão desreguladas.>
A depressão, por exemplo, é causada por um desequilíbrio de neutransmissores responsáveis pelo sentimento de prazer e bem-estar, apontam os especialistas.>
Os medicamentos atuam então regulando a produção de neurotransmissores e aumentando a transmissão de sinais elétricos entre as células cerebrais.>
É comum que uma pessoa que faz um tratamento psiquiátrico ache que estará fadada a usar esses medicamentos para sempre, diz Vanessa Favaro.>
"Na maioria das vezes, isso não ocorre. Os tratamentos frequentemente têm início, meio e fim”, afirma a médica.>
O final exige o que médicos costumam chamar popularmente de "desmame", um processo que pode levar meses ou até mesmo anos.>
"A retirada deve ser gradual para evitar mudanças abruptas no funcionamento cerebral", afirma Favaro.>
O primeiro passo, dizem os especialistas, é ter uma recomendação do médico que acompanha o paciente para fazer isso.>
“A gente precisa primeiro que os sintomas tenham melhorado totalmente e que tenha passado seis meses a um ano dessa melhora", diz Asevedo.>
"Antes disso, o cérebro ainda não se recuperou e, provavelmente, os sintomas vão voltar.”>
Aí então podem ser adotadas algumas estratégias, explica o psiquiatra, como passar a tomar o remédio em dias alternados ou reduzir progressivamente a dose.>
"É importante consultar um psiquiatra para avaliar o mais adequado para o seu tipo de medicação e quadro", conclui Favaro.>
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