Publicado em 10 de outubro de 2025 às 11:32
A opositora venezuelana Maria Corina Machado, de 57 anos, ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2025, segundo anúncio feito nesta sexta-feira (10/10).>
Para o Comitê Norueguês do Nobel, ela é reconhecida "por seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e por sua luta por uma transição justa e pacífica da ditadura à democracia".>
Com o passar dos anos, Corina Machado se tornou a principal voz de resistência ao regime chavista, atualmente liderado por Nicolás Maduro, que governa a Venezuela há décadas.>
Nos últimos meses de 2024, Corina Machado enfrentava uma ordem de prisão. Antes disso, já era vista como a "inimiga número um" do chavismo — a opositora que, mesmo nos períodos de maior força do regime, manteve críticas diretas a Hugo Chávez e ao sistema que ele criou.>
>
O governo venezuelano impôs sucessivas restrições: proibiu sua saída do país, cassou seu mandato de deputada na Assembleia Nacional e a inabilitou para cargos públicos, sob a acusação de vínculos com o "imperialismo" dos Estados Unidos.>
Apesar das sanções, ela manteve atuação política e consolidou-se como principal líder da oposição venezuelana.>
E fez isso por mérito próprio.>
Entre 2023 e 2024, Corina Machado percorreu a Venezuela duas vezes, mesmo após ter voos cancelados, estradas bloqueadas e o carro atacado com sangue de animal.>
Durante as viagens, em meio a ruas lotadas, dezenas de pessoas lhe entregaram terços — que ela guarda com nome, local e data — e costuma usar ao redor do pescoço. Em grandes comícios, chega a carregar até dez sobre o peito.>
"Com cada um posso lembrar por que faço o que faço e quantas orações nos animam a continuar lutando", disse a líder opositora após as eleições de 28 de julho de 2024, nas quais Maduro foi declarado vencedor, apesar das denúncias de fraude da oposição e de o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não ter divulgado os resultados detalhados, como pediu grande parte da comunidade internacional para legitimar o suposto triunfo.>
Corina Machado reacendeu a esperança de milhões de venezuelanos que desejam mudança de governo. Fez isso antes e depois da votação, mesmo sob ceticismo sobre o caminho eleitoral. Menos de uma hora após o anúncio oficial do CNE, alinhado ao governo, Corina Machado declarou que o candidato opositor Edmundo González Urrutia havia vencido — e afirmou ter provas.>
Com experiência em observação eleitoral, ela coordenou uma rede de verificação paralela que reuniu as atas oficiais protegidas por fiscais da oposição. O cruzamento dos dados revelou discrepâncias em relação ao resultado divulgado pelo CNE. Países como os Estados Unidos reconheceram González como vencedor, citando as "provas contundentes" apresentadas pela oposição.>
"Vencer levou tempo, e fazer valer a vitória também pode levar", disse Corina Machado em mensagens de voz a apoiadores. "É preciso resistir, e continuar perto das pessoas, dizendo que não vamos abandoná-las, porque iremos até o fim.">
O lema "até o fim" consolidou sua imagem como figura maternal e símbolo de resistência. Tornou-se líder de uma coalizão opositora que por anos a considerou incômoda por rejeitar o diálogo e defender intervenção internacional.>
Em entrevista em novembro de 2023, Corina Machado reconheceu mudanças em sua postura: "Cometemos muitos erros. Quando se erra acreditando fazer o certo, ou por falta de informação, ou por subestimar o que se enfrenta, é preciso aprender. Temos nos redescoberto e percebido que somos capazes de muito mais.">
Maria Corina Machado é o principal nome da oposição venezuelana.>
Ainda em 2011, após um discurso em que ela, na época uma congressista, questionou Hugo Chávez durante um discurso, o então presidente venezuelano respondeu com desdém.>
"Sugiro que ganhe as primárias", disse Chávez. "Está fora do ranking para discutir comigo (…) Águias não caçam moscas.">
Doze anos depois, em outubro de 2023, Corina Machado venceu com mais de 90% dos votos as eleições primárias da oposição venezuelana, tornando-se pela primeira vez líder do movimento de oposição ao chavismo, liderado por Maduro desde 2013.>
Dezenas de milhares de venezuelanos que vivem no exterior, que por anos ficaram excluídos do processo eleitoral, participaram das primárias da oposição. E a participação de quase 1,5 milhão de eleitores superou as expectativas.>
As eleições foram realizadas sem apoio estatal, com censura aos meios de comunicação locais e obstáculos logísticos, técnicos e orçamentários.>
Os organizadores consideraram as eleições um "sucesso", no entanto, porque mostraram a vitalidade do eleitorado de oposição e a vontade de muitos venezuelanos de participar de um processo democrático.>
A questão, no entanto, é que Corina Machado ficou impossibilitada de concorrer a cargos públicos, a unidade da oposição é frágil e a vontade do governo de Maduro – e das Forças Armadas – continua a ser a mais importante variável na equação política venezuelana.>
Em 26 de janeiro de 2024, o Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela (TSJ), acusado de agir sempre a favor do governo Maduro, emitiu uma decisão confirmando que Machado está inabilitada para exercer cargos públicos por 15 anos. Ela é alvo de diferentes acusações, como corrupção e formação de quadrilha, mas nega qualquer irregularidade.>
Pouco depois da decisão do TSJ, Machado acusou Maduro de descumprir o Acordo de Barbados, firmado na ilha caribenha em 2023, quando o governo venezuelano garantiu um calendário para as eleições de 2024, inclusive com participação e observação de órgãos internacionais.>
Em troca, foram levantadas algumas sanções financeiras que impediam o governo venezuelano de receber receitas provenientes da venda de petróleo.>
Mas a decisão que desqualificou Corina Machado fez com que os EUA anunciassem o restabelecimento de sanções.>
Corina Machado acabou se tornando o braço direito e companheira de campanha de González Urrutia. Ela o apoiou como candidato único, depois que o governo venezuelano a impediu de concorrer à presidência.>
Maduro acabou vitorioso na eleição, segundo o resultado oficial, mas o resultado foi amplamente contestado.>
Os EUA e a maioria dos governos da região questionaram a vitória de Maduro, e alguns até reconheceram González Urrutia como presidente. O Brasil não reconheceu a vitória de Maduro. O candidato da oposição deixou a Venezuela pouco depois do pleito devido a ameaças de prisão, exilando-se na Espanha.>
Mas Corina Machado permaneceu no país. Em janeiro de 2025, ela foi presa, mas solta minutos depois durante um protesto contra a posse de Maduro, após meses escondida na clandestinidade. Ela não era vista em público desde o final de agosto de 2024, em meio a um período em que se intensificaram as prisões de cidadãos comuns e líderes da oposição.>
Em entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, naquele mesmo janeiro de 2025, ela declarou que o chavismo nunca esteve tão debilitado quanto agora.>
Machado pediu ainda a Maduro que não permaneça no poder pela força. "Ele sabe que não tem como permanecer no poder, exceto pelo uso da violência, o que é insustentável", defendeu ela, em entrevista concedida por teleconferência.>
Corina Machado afirmou também que Maduro vive "entrincheirado em Miraflores", o palácio presidencial venezuelano, e o acusa de exercer "ocupação territorial" da Venezuela. Ela destaca que a decisão sobre sua forma de sair está nas mãos do próprio presidente.>
"Nós construímos um movimento social e cultural que transformou a Venezuela. Fizemos sem dinheiro, sem meios de comunicação e sem armas. Sem nenhum tipo de apoio internacional, além da diplomacia, e veja onde estamos. Nós já derrotamos Maduro, derrotamos nas ruas, derrotamos nos corações dos venezuelanos e derrotamos nos votos", disse ela.>
Afinal, como Corina Machado chegou a esse patamar tão importante na oposição venezuelana?>
Maria Corina Machado Parisca tem 57 anos e três filhos. Ela é a mais velha de quatro irmãs em uma família liderada por um renomado empresário do setor metalúrgico que teve suas empresas expropriadas por Chávez. Sua mãe é uma renomada psicóloga e tenista.>
Engenheira industrial com especialização em finanças, Corina Machado trabalhou em diversas empresas do setor industrial antes de passar a atuar em organizações de combate à pobreza e de fiscalização eleitoral.>
Aproximou-se do Partido Republicano dos Estados Unidos, ligação que a levou à Casa Branca, onde se encontrou com o presidente George W. Bush para falar sobre a situação venezuelana, que despertava crescente interesse na época devido à proximidade de Chávez com Fidel Castro.>
Pelo chavismo, sempre foi vista como colaboradora do "golpe imperialista". Ela foi acusada de receber ilegalmente dinheiro de fundações americanas, o que lhe rendeu a proibição de sair do país por três anos.>
Em 2010, no entanto, ela chegou à Assembleia Nacional como deputada independente e com um discurso anticomunista e crítico às expropriações.>
Foi nesse período, em 2012, que disputou as primárias da oposição, perdendo por ampla margem para Henrique Capriles, que concorreu, mas se retirou do pleito na última hora.>
Em 2014, junto com Leopoldo López, Corina Machado promoveu um movimento de protesto para retirar Maduro do poder, o que lhe custou o cargo na Assembleia por acusação de conspiração golpista.>
De lá para cá, Corina Machado tornou-se uma das lideranças mais radicais da oposição: promoveu protestos em 2017 e 2019, passou a classificar o governo como uma ditadura, rejeitou todas as tentativas de negociação com o chavismo, defendeu o uso da força para destituir Maduro e se opôs aos principais partidos da oposição, que acusou de serem "colaboradores".>
Quando muitos viam sua liderança diminuir, ela manteve-se firme nas suas posições e ações, costurando uma base de apoio e recusando-se a deixar o país, opção que muitos opositores acabaram por escolher.>
Sua trajetória política somada provavelmente à tradição metalúrgica de sua família, rendeu-lhe o apelido de "dama de ferro".>
À medida que as lideranças de Capriles, López e Juan Guaidó foram se desgastando, ela surgiu como a opção mais óbvia para enfrentar Maduro.>
Durante a campanha eleitoral, Corina Machado apresentou propostas como a abertura da economia aos investimentos internacionais, a privatização de algumas empresas de um Estado que espera encolher, a ida aos bancos de desenvolvimento em busca de empréstimos e a promoção da exploração privada das reservas de petróleo, consideradas as maiores do mundo.>
Machado realizou uma campanha meteórica por todo o país sob o lema "até o fim", apesar das perseguições e das diversas agressões que sofreu - chegaram a atirar sangue animal contra ela.>
Essa resiliência talvez teimosa, que não é nova nem incomum nos políticos venezuelanos, finalmente deu frutos a Machado.>
No ano passado, a oposicionista venezuelana fez um duro questionamento ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.>
“Eu chorando, Presidente @LulaOficial? O senhor diz porque sou mulher?", escreveu ela em uma rede social.>
Lula havia sido questionado por jornalistas sobre a comparação que fez entre o pleito venezuelano e o processo eleitoral no Brasil, quando afirmou que "se o candidato da oposição tiver o mesmo comportamento do nosso aqui, nada vale".>
Jornalistas pediram então que o presidente explicasse melhor o paralelo entre as duas eleições.>
Lula negou que tivesse feito uma ligação entre a situação no Brasil e na Venezuela e lembrou que foi impedido de concorrer nas eleições de 2018. >
“Ao invés de ficar chorando, eu indiquei outro candidato, e ele disputou as eleições”, disse o presidente.>
Ela rebateu a fala de Lula no X: "O senhor não me conhece. Estou lutando para fazer valer o direito de milhões de venezuelanos que votaram por mim nas primárias e os milhões que têm direito de votar em umas eleições presidenciais livres nas quais derrotarei o Maduro”.>
"A única verdade é que Maduro tem medo de me enfrentar porque sabe que o povo venezuelano está hoje na rua comigo", concluiu Machado.>
O Planalto negou depois que Lula estivesse se referindo a Machado.>
"O presidente não fez afirmação sobre ninguém especificamente. Ele não disse que ninguém ficou chorando. Apenas que ele não chorou, relatando a situação que ele próprio viveu", disse o governo em nota à imprensa. >
"O presidente Lula apoiou a primeira presidenta mulher Brasileira, Dilma Rousseff em 2010, então o comentário mostra que ela não conhece o presidente e faz uma ilação sem base.”>
Texto publicado originalmente em 7 de março de 2024 e atualizado e republicado em 10 de outubro de 2025, após o anúncio do Prêmio Nobel da Paz.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta