Publicado em 3 de dezembro de 2025 às 07:44
No fim de outubro, uma juíza de instrução da Bélgica causou alvoroço ao publicar uma carta aberta pedindo ajuda "urgente" ao governo do país.>
A magistrada afirmou que o narcotráfico estava transformando a Bélgica em um narcoestado e alertou que o Estado de Direito estava ameaçado no país localizado no coração da Europa e cuja capital é também sede da União Europeia.>
"Estamos nos tornando um narcoestado? Exagero? Segundo nosso comissário antidrogas, essa evolução já começou", afirmou a juíza da Antuérpia, cidade cujo porto se tornou uma das principais portas de entrada de cocaína na Europa.>
Ela descreveu o narcotráfico como uma "ameaça organizada que mina as instituições".>
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"Grandes estruturas mafiosas se consolidaram e se tornaram uma força paralela que desafia não só a polícia, mas também o Poder Judiciário", acrescentou.>
Embora especialistas considerem exagerado dizer que a Bélgica já é um narcoestado, eles alertam que o tráfico de drogas se tornou um grande problema no país.>
Com a crescente demanda por drogas em toda a Europa, os traficantes aproveitam a localização estratégica da Bélgica e do porto da Antuérpia como ponto de distribuição da mercadoria ilícita.>
Mas talvez o fator mais importante que transformou a Antuérpia em um centro de cocaína na Europa seja o fato de seu porto ser um dos maiores do continente: o fluxo constante de contêineres oferece oportunidades para esconder produtos ilegais em cargas.>
"A Antuérpia tem o segundo maior porto da Europa e tradicionalmente recebe mercadorias da América Latina. Por isso, se tornou um ponto de entrada natural, junto com o porto de Roterdã [Holanda], para a cocaína", disse Letizia Paoli, criminóloga e professora da faculdade de Direito da Universidade de Leuven, na Bélgica, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC. "E as autoridades holandesas começaram a intensificar os controles em Roterdã antes das belgas.">
"Acho que a acusação de 'narcoestado' é exagerada, mas há tendências preocupantes, sem dúvida", acrescentou.>
No ano passado, funcionários da alfândega belga interceptaram 44 toneladas de cocaína no porto da Antuérpia, uma queda significativa em relação às 121 toneladas apreendidas em 2023.>
Mas as autoridades belgas afirmam que esses números não são necessariamente um sinal de progresso.>
No primeiro semestre deste ano, 51 toneladas de cocaína com destino à Bélgica foram interceptadas na América do Sul, um aumento de 155% em comparação com às 20 toneladas do mesmo período do ano anterior.>
Mas o problema não se limita à América do Sul; ele se estende para além do continente.>
Em dezembro de 2024, as autoridades da República Dominicana (América Central) informaram a apreensão de mais de nove toneladas de cocaína, a maior da história do país.>
A droga foi encontrada em dois contêineres de banana vindos da Guatemala e com destino ao porto da Antuérpia, na Bélgica.>
Esse problema relativamente novo na Bélgica não se limita à Antuérpia.>
Em Bruxelas, capital do país e da União Europeia, o tráfico de drogas também deixa marcas.>
Segundo dados da polícia de Bruxelas, em 2023 foram registrados 1.977 casos de tráfico de drogas, um aumento de 26% em comparação com 2022 e de 76% desde 2015.>
No mesmo ano, a capital belga registrou 6.595 episódios de posse de drogas.>
E a violência, que alguns associam ao consumo e ao tráfico de drogas, parece estar saindo do controle das autoridades.>
Em 2024, foram registrados 89 tiroteios na capital belga, e dados apontam que neste ano o número será ainda maior.>
Da mesma forma, desde o ano passado, Bruxelas também classifica 16 áreas como especialmente perigosas, em geral relacionadas a quadrilhas e ao narcotráfico.>
Também foram registradas várias mortes ligadas às drogas, algo extremamente raro até uma década atrás.>
"Enquanto em 2013 não encontramos nenhum assassinato relacionado ao comércio de cocaína na Bélgica, entre 2014 e 2025 identificamos que na Antuérpia, centro do tráfico de cocaína, houve seis mortes associadas à droga", explicou Paoli, da Universidade de Leuven.>
"Mas, se considerarmos que em um único ano ocorrem cerca de 160 homicídios na Bélgica, os casos ligados às drogas não são muitos. Não representam nem 10% os assassinatos associados ao tráfico de cocaína em grande escala na Antuérpia; houve apenas seis em dez anos", esclareceu.>
A carta aberta disse que organizações criminosas infiltraram os portos, a alfândega, a polícia e até os sistemas penitenciário e judicial.>
Alega ainda que juízes, incluindo a autora, foram ameaçados e pede ação governamental.>
Paoli, da Universidade de Leuven, disse apoiar o apelo para que as autoridades destinem mais recursos e ofereçam maior proteção aos juízes. "São pedidos realmente razoáveis e necessários.">
Mas Paoli insiste que não há razão para se referir à Bélgica como um narcoestado.>
Na avaliação dela, um narcoestado tem três características: um nível muito alto de violência que afeta a vida comunitária, uma corrupção ligada às drogas tão disseminada que alcance as mais altas esferas do governo e uma economia da droga que contribua de forma significativa para o PIB.>
"Nenhum desses três critérios se aplica à Bélgica", concluiu.>
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