Publicado em 19 de junho de 2025 às 09:39
O personagem principal do recente filme Dias Perfeitos, do diretor Wim Wenders, é um limpador de banheiros de Tóquio, no Japão. Ele passa horas sozinho, regando plantas, pensando, ouvindo música e lendo.>
Outros personagens surgem com o desenrolar do filme, mas seus momentos iniciais, para muitos espectadores, são simplesmente perfeitos.>
Descrito pelo crítico de cinema da BBC Nicholas Barber como uma "meditação em forma de documentário sobre a serenidade de uma existência restrita aos seus pontos essenciais", o filme realmente despertou interesse.>
Sem dúvida, visões positivas e ponderadas sobre a solidão vêm ocupando cada vez mais espaço nas nossas telas, prateleiras e smartphones. Elas estão presentes em toda parte, desde podcasts até vídeos virais no TikTok.>
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Aparentemente, nunca houve uma época melhor para ficar sozinho.>
Nos últimos dois anos, foram lançados diversos livros sobre o assunto — e outros ainda estão em preparação.>
Solitude: The Science and Power of Being Alone ("Solidão: a ciência e o poder de ficar sozinho", em tradução livre) e Solo: Building a Remarkable Life of Your Own ("Solo: construindo uma vida significativa sozinho"), por exemplo, chegaram às livrarias em 2024.>
O livro Single: Living a Complete Life on Your Own Terms ("Solteiro: vivendo uma vida completa à sua maneira"), da jornalista e escritora britânica Nicola Slawson, foi publicado em fevereiro. E o mês de maio presenciou o lançamento do esperado romance Table for One ("Mesa para um"), de outra escritora britânica, Emma Gannon.>
Gannon ganhou fama com seus livros de não ficção, que questionam noções tradicionais de sucesso e produtividade. Agora, ela reavalia os relacionamentos modernos, com a história de amor de uma jovem que conhece a alegria de ficar sozinha, sem ter um parceiro.>
Ainda este ano, serão publicadas mais duas obras de autoajuda: The Joy of Solitude: How to Reconnect with Yourself in an Overconnected World (A alegria da solidão: como se reconectar consigo mesmo em um mundo superconectado) e The Joy of Sleeping Alone (A alegria de dormir sozinho).>
Também está para sair uma tradução em inglês do livro Alone: Reflections on Solitary Living ("Sozinho: reflexões sobre a vida solitária"), de Daniel Schreiber, originalmente publicado na Alemanha em 2023.>
Repleta de dicas úteis e observações fascinantes, esta nova onda de livros em inglês pretende não apenas desestigmatizar a solidão, mas também defender seus benefícios e prazeres.>
Este fluxo poderoso de publicações pode ser surpreendente à primeira vista, para qualquer pessoa que tenha atravessado a pandemia de covid-19 e, inevitavelmente, ouvido falar ou sofrido o amargo sabor da "epidemia de solidão".>
Esta expressão foi popularizada em 2023, pelo então cirurgião-geral dos Estados Unidos, Vivek Murthy.>
"Depois da pandemia, houve um enorme interesse pela solidão, por excelentes motivos", afirma o professor de psicologia Robert Coplan, da Universidade Carleton de Ottawa, no Canadá. Ele é o autor do livro The Joy of Solitude: How to Reconnect with Yourself in an Overconnected World, mencionado acima.>
Mas ele destaca que, com as preocupações sobre os efeitos do isolamento, a solidão acabou ficando "meio indesejada — como se jogássemos o bebê fora junto com a água do banho, por assim dizer".>
Mas, agora, o discurso defende a correção do curso.>
Coplan destaca que é importante fazer a distinção entre solidão e isolamento. E muitos escritores expressam este mesmo sentimento.>
"O isolamento é um problema sério e prejudicial para algumas pessoas. Mas é um estado subjetivo, muito diferente da solidão, que as pessoas escolhem [ativamente] por razões positivas", explica a jornalista Heather Hansen.>
Em 2024, Hansen foi uma das autoras do livro Solitude: The Science and Power of Being Alone (também indicado acima), ao lado de Netta Weinstein e Thuy-vy T. Nguyen.>
Ela havia acompanhado os meios de comunicação nos dizendo que ficamos muito isolados por algum tempo. Mas o outro lado desta narrativa, segundo Hansen, é que "as pessoas estão refletindo sobre suas próprias vidas e reconhecendo que estão escolhendo a solidão por diversas razões benéficas para elas".>
"Minha teoria é que, desde a pandemia, conseguimos entender claramente a diferença entre o isolamento e a solidão por escolha", explica Emma Gannon. Ela também defende o slow living, ou manter a vida em ritmo mais lento.>
Os extremos da pandemia, quando ficamos trancados em casa com nossos entes queridos ou passamos meses sem mantermos contato humano, nos prepararam, segundo Gannon, "para estabelecer diálogos equilibrados sobre a diferença entre o isolamento e a alegria de termos tempo sozinhos".>
Estes diálogos incluem oportunamente a reavaliação dos relacionamentos amorosos pelos millennials e jovens da geração Z (os nascidos entre 1981 e 1995 e entre 1995 e 2010, respectivamente) — e também uma redefinição cuidadosa das relações interpessoais em geral.>
O novo romance de Gannon pode ser uma ilustração fictícia de uma jovem que investe em um relacionamento consigo própria. Mas ele irá chamar a atenção de muitos leitores que enfrentam as expectativas sociais de "se estabelecer", consideradas cada vez mais antiquadas.>
Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos em 2023 indicou que dois em cada cinco jovens millennials e da geração Z acreditam que o casamento é uma tradição ultrapassada. E, no Reino Unido, apenas pouco mais da metade dos homens e mulheres da geração Z deve se casar, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas do país.>
Em abril, houve um vídeo que viralizou no TikTok, com mais de um milhão de curtidas e cerca de 37 mil comentários. Ele mostrava o ponto de vista de um homem sobre namorar mulheres que moram sozinhas e gostam de viver desta forma.>
Muitas mulheres consideraram que a análise acertou "em cheio" e se identificaram entusiasticamente.>
O livro de Nicola Swanson, Single: Living a Complete Life on Your Own Terms, é baseado no seu popular boletim publicado na plataforma Substack, The Single Supplement. Ela não se surpreende com a reação das mulheres.>
"O número de pessoas que vivem sozinhas no Reino Unido vem crescendo de forma estável na última década, mais ou menos", destaca ela.>
Esta situação alimenta uma mudança cultural rumo à aceitação das pessoas solteiras, com foco na "liberdade, independência e, especialmente, na rejeição da vida doméstica, já que as mulheres estão percebendo que não precisam aceitar o que talvez fosse esperado para elas nas gerações anteriores".>
Dito isso, nossa fascinação cultural pela solidão tem raízes profundas. Capturar a beleza da solidão é o foco de inúmeros artistas ao longo dos séculos.>
Um deles é o pintor romântico alemão Caspar David Friedrich (1774-1840). Seus grandes trabalhos incluem o quadro Caminhante Sobre o Mar de Névoa (c.1817), que pode ser observado na coleção do museu de arte Hamburger Kunsthalle, na Alemanha.>
Outro destes artistas é o reverenciado pintor americano Edward Hopper (1882-1967), com suas pinturas de moradores de rua solitários.>
Uma crítica da revista The New Yorker sobre a retrospectiva de Hopper exibida em 2022 no museu Whitney em Nova York, nos Estados Unidos, destacou que "tudo o que rodeia a vida urbana mostrada por ele é isolado, incomum — e, ainda assim, suas imagens de aparente isolamento não parecem nada sombrias, mas sim orgulhosamente autoconfiantes.">
Daniel Schreiber acredita que a correlação entre as pessoas que moram sozinhas, sem que tenham um parceiro, e o isolamento foi tradicionalmente supervalorizado.>
"A sociedade, agora, compreende melhor que o amor romântico não é o único modelo para orientar nossa vida, nem algo que se precise desejar", explica ele. "Existem diferentes formas de vida e não é tão necessário estar em um relacionamento amoroso tradicional".>
O professor de marketing e psicologia Peter McGraw, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, defende com gosto um ponto similar no livro Solo: Building a Remarkable Life of Your Own. O professor define a si próprio como "solteirão".>
"Existem muitos mitos sobre viver solteiro", explica ele, "e uma falta de compreensão dos motivos que levaram à invenção do casamento — principalmente como acordo comercial.">
"Sinceramente, a mensagem das comédias românticas, das canções de amor e dos romances de Jane Austen [de que precisamos de um parceiro para sermos completos] não é confirmada pelos dados longitudinais.">
Muitos estudos mencionados no livro Solo demonstram que, mesmo que a felicidade pessoal atinja seu pico com o casamento, ela não dura muito tempo.>
Até em um relacionamento, é possível alterar as rotinas tradicionais para permitir mais tempo sozinho, como defende o livro The Joy of Sleeping Alone. Sua autora é a professora de ioga e meditação Cynthia Zak.>
Ela percebeu que muitas mulheres preferem dormir sozinhas, em vez de ocuparem a mesma cama que seus parceiros. Ela decidiu escrever o livro, originalmente em espanhol, para defender "mais espaço para expressar nossas necessidades e sentimentos, mais oportunidades para nos livrarmos dos temores e crenças limitadoras e mais liberdade de escolha".>
Se ficar e fazer tudo sozinho é cada vez mais comum e desestigmatizado, como aproveitar ao máximo esta situação?>
Existe um consenso sobre dois fatores importantes: é preciso encontrar um equilíbrio saudável entre o tempo sozinho e a comunicação com os demais e ter a capacidade de escolher a solidão, em vez ser forçado a vivenciá-la.>
"A maior indicação de sucesso no tempo sozinho é a pessoa escolher aquele espaço, acreditando que existe ali algo importante e significativo", segundo Heather Hansen. Ela destaca que a solidão é uma "bolha neutra de argila para esculpir, que pode ser qualquer coisa que modelarmos".>
McGraw explica corretamente que o melhor talvez não seja moldar essa bolha como "deitar na cama, usar vapes e pedir comida pelo delivery".>
Ele sugere canalizar o tempo passado sozinho em buscas criativas e passatempos que tendam a florescer na solidão: caminhadas ou corridas, observar as pessoas em uma cafeteria, visitar um museu e "absorver tudo, na rapidez ou lentidão que você puder".>
Que tal "se sentar na banheira ouvindo Vivaldi", como ele sugere especificamente, ou fazer um curso online?>
Para os solteiros, é aconselhável abraçar uma solidão que pode ser bem sucedida, em vez de esperar que ela acabe, segundo Nicola Slawson.>
"Eu costumava adiar as coisas até que eu 'me estabelecesse' ou encontrasse um parceiro, mas é preciso viver a vida que você tem e extrair dela o máximo de felicidade possível, em vez de se sentir em uma sala de espera, aguardando sua vida começar", afirma ela.>
E quando a pressão social cresce?>
"Não se restrinja a nenhum tipo de pensamento ou roteiro", aconselha Peter McGraw. "O bom é que existe, agora, um roteiro alternativo.">
De forma geral, o tempo sozinho é repleto de potencial e possibilidades.>
"Acho que a solidão inspira um maravilhoso senso de criatividade", segundo Emma Gannon. "Ela faz o cérebro funcionar e incentiva a solução de problemas.">
Ela sugere tratar a solidão como uma aventura, ou como uma possibilidade de se reconectar consigo mesmo, mantendo um diário ou se divertindo com os sentidos — "o cobertor macio, o som da música, o sabor dos alimentos. O que você pode ver, cheirar, tocar e sentir quando está sozinho?">
Voltar-se mais para dentro, segundo Cynthia Zak, pode aprofundar a sua compreensão da solidão. Ela sugere prestar atenção nos momentos de solidão e transformá-los em rituais recorrentes que ajudem no relaxamento e na reflexão com a prática.>
"Pergunte a você mesmo o que você mais gosta em ficar sozinho", aconselha ela. "Transforme o momento que você escolher em uma joia e atribua a você mesmo a tarefa de valorizar este espaço específico cada vez mais.">
E o mais importante e óbvio é misturar um pouco de cada coisa.>
"Os seres humanos realmente precisam de interações sociais, mas eu também diria que eles precisam de solidão", segundo Robert Coplan.>
"Encontrar o equilíbrio certo é a chave para a felicidade e o bem-estar. Existe um equilíbrio diferente que irá funcionar para cada pessoa.">
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.>
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