Publicado em 5 de outubro de 2025 às 21:32
Dez: essa é a idade da pessoa mais jovem com HIV que Sesenieli Naitala já conheceu.>
Quando ela fundou a Survivor Advocacy Network de Fiji em 2013, aquele menino ainda nem havia nascido. Hoje, ele é um entre milhares de fijianos que contraíram o vírus transmissível pelo sangue nos últimos anos. Muitos deles têm 19 anos ou menos, e grande parte contraiu o vírus por meio do uso de drogas injetáveis.>
"Mais jovens estão usando drogas", diz Naitala em entrevista à BBC. Sua organização oferece apoio a trabalhadoras do sexo e usuários de drogas na capital, Suva. "Ele era um desses jovens que compartilhava seringas nas ruas durante a Covid.">
Nos últimos cinco anos, Fiji, uma pequena nação do Pacífico Sul com população inferior a um milhão, se tornou o epicentro de uma das epidemias de HIV que mais crescem no mundo.>
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Em 2014, o país tinha menos de 500 pessoas vivendo com HIV. Em 2024, esse número saltou para aproximadamente 5,9 mil – um aumento de onze vezes.>
No mesmo ano, Fiji registrou 1.583 novos casos. Ou seja, um aumento de 13 vezes em relação à média de cinco anos. Desses, 41 eram de crianças com 15 anos ou menos, contra apenas 11 em 2023.>
Esses números levaram o ministro da Saúde e Serviços Médicos do país a declarar um surto de HIV em janeiro. Na semana passada, o vice-ministro da Saúde, Penioni Ravunawa, alertou que Fiji pode registrar mais de 3 mil novos casos de HIV até o fim de 2025.>
"Esta é uma crise nacional", disse ele. "E não está desacelerando.">
A BBC conversou com vários especialistas, defensores e trabalhadores da linha de frente para entender as razões por trás desse crescimento meteórico. Alguns apontaram que, à medida que a conscientização sobre o HIV aumenta e o estigma diminui, mais pessoas têm procurado realizar testes.>
Ao mesmo tempo, ressaltaram que muitas outras permanecem invisíveis para as estatísticas oficiais – e que a verdadeira dimensão do problema é provavelmente ainda maior do que os números recordes sugerem.>
A epidemia de HIV em Fiji está ancorada em um aumento do consumo de drogas, sexo inseguro, compartilhamento de seringas e a prática conhecida como "bluetoothing".>
Também chamada de "hotspotting", trata-se de uma prática em que um usuário de drogas injetáveis retira seu sangue após uma dose e o injeta em outra pessoa — que pode, em seguida, repetir o processo com um terceiro, e assim por diante.>
Kalesi Volatabu, diretora-executiva da ONG Drug Free Fiji, já presenciou a cena. Em maio passado, durante uma de suas caminhadas matinais regulares pela capital, Suva, oferecendo apoio e informações a usuários de drogas nas ruas, ela virou uma esquina e encontrou um grupo de sete ou oito pessoas reunidas.>
"Eu vi a seringa com o sangue, estava bem diante de mim", relembra. "Essa jovem já tinha se aplicado e estava retirando o sangue. E outras meninas, outros adultos, já estavam na fila para receber a mesma coisa.">
"Não são apenas seringas que eles compartilham — é o sangue.">
O bluetoothing também já foi registrado na África do Sul e em Lesoto, dois países com algumas das maiores taxas de HIV do mundo. Em Fiji, a prática ganhou força nos últimos anos, segundo Volatabu e Naitala.>
Um dos motivos de sua popularidade, explicam, é o custo mais baixo: várias pessoas podem dividir o valor de uma única dose e compartilhá-la. Outro é a praticidade de precisar de apenas uma seringa.>
Elas são difíceis de encontrar em Fiji, onde farmácias, sob pressão da polícia, frequentemente exigem receita para vendê-las, e onde faltam programas de distribuição de seringas.>
Embora haja uma aceitação crescente para a implementação de programas que fornecem equipamentos limpos de injeção para usuários de drogas a fim de reduzir a transmissão de infecções como o HIV, sua aplicação em um país altamente religioso e conservador tem sido desafiadora.>
Volatabu afirma que há uma "escassez drástica" de pontos de distribuição de seringas, o que alimenta práticas perigosas como o compartilhamento de agulhas e o bluetoothing, e coloca a responsabilidade sobre as ONGs de distribuir seringas e preservativos.>
Em agosto de 2024, o Ministério da Saúde e Serviços Médicos (MOH) de Fiji reconheceu o bluetoothing como um dos fatores do aumento dos casos de HIV no país. Outro é o chemsex, quando pessoas usam drogas, frequentemente metanfetamina, antes e durante relações sexuais.>
Em Fiji, ao contrário da maioria dos países, o "cristal" (metanfetamina cristalina) é consumido principalmente por via intravenosa.>
O MOH também identificou que, dos 1.093 novos casos registrados nos primeiros nove meses de 2024, 223 — cerca de 20% — eram decorrentes do uso de drogas injetáveis.>
Fiji se tornou, nos últimos 15 anos, um dos principais pontos de tráfico de metanfetamina no Pacífico. Grande parte disso se deve à sua localização geográfica, entre o Leste Asiático e as Américas, alguns dos maiores produtores mundiais da droga, e Austrália e Nova Zelândia — os mercados que pagam mais caro.>
Nesse período, a droga também se espalhou pelas comunidades locais, transformando-se em uma crise que, assim como o HIV, foi recentemente declarada "emergência nacional".>
E, segundo quem atua na linha de frente, a idade dos usuários está caindo. "Vemos cada vez mais jovens", diz Volatabu. "Eles estão ficando cada vez mais novos.">
As estatísticas nacionais mais recentes de HIV em Fiji apontam o uso de drogas injetáveis como a forma de transmissão mais comum, responsável por 48% dos casos. A transmissão sexual responde por 47%, enquanto a transmissão de mãe para filho durante a gravidez e o parto foi a causa da maioria dos casos pediátricos.>
Todos os entrevistados pela BBC concordam que a falta de educação é um fator central na epidemia. Volatabu e Naitala trabalham para mudar esse cenário — e Naitala afirma que, à medida que cresce a conscientização sobre os perigos do HIV, o bluetoothing vem perdendo popularidade.>
Mais pessoas estão se testando e buscando tratamento, o que tem gerado dados mais robustos sobre a dimensão da crise.>
Mas ainda existe o temor de que os números oficiais sejam apenas a ponta do iceberg — e medo do que pode estar oculto.>
José Sousa-Santos, chefe do Pacific Regional Security Hub da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, diz que "uma tempestade perfeita está se formando".>
"A preocupação é geral, em todos os níveis da sociedade e do governo, em relação à crise do HIV em Fiji. Não apenas com o que está acontecendo agora, mas com o que acontecerá em três anos e a falta de recursos do país", disse ele à BBC. >
"Os sistemas de apoio — a enfermagem, a capacidade de distribuir ou de acessar os medicamentos para tratamento do HIV — simplesmente não existem", continuou. >
"É isso que nos aterroriza, nós que trabalhamos na região: não há como Fiji lidar com isso.">
Após declarar o surto em janeiro, o governo de Fiji buscou melhorar sua vigilância sobre o HIV e sua capacidade de lidar com a provável subnotificação de casos.>
A Global Alert and Response Network, chamada para prestar esse apoio, afirmou em relatório recente que "enfrentar essas questões urgentes por meio de uma resposta nacional bem coordenada é crucial para reverter a trajetória da epidemia de HIV em Fiji".>
O relatório também destacou que a falta de profissionais, problemas de comunicação, falhas em equipamentos laboratoriais e a escassez de testes rápidos e medicamentos contra o HIV estavam prejudicando o rastreamento, o diagnóstico e o tratamento.>
O documento diz ainda que a coleta de dados é lenta, difícil e sujeita a erros, dificultando a compreensão da extensão da epidemia de HIV em Fiji e da eficácia da resposta ao surto.>
Isso deixa muitos especialistas, autoridades e cidadãos comuns no escuro. E Sousa-Santos prevê uma "avalanche" de casos ainda por vir.>
"O que estamos vendo agora é o começo da avalanche, mas não há como pará-la, porque as infecções já estão acontecendo ou já aconteceram — só não vamos conseguir enxergá-las agora, e muitas pessoas não procurarão se testar pelos próximos dois ou três anos", diz.>
"Não há nada que possamos fazer neste momento para impedir o número de infecções que já ocorreram no último ano, e que estão acontecendo agora. É isso que realmente assusta.">
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