Publicado em 6 de dezembro de 2025 às 10:44
Os críticos chamam o fenômeno de carspreading — uma referência ao termo em inglês manspreading, que define a combatida prática dos homens de se sentarem com as pernas abertas no transporte público.>
No Reino Unido e no continente europeu, os carros vêm ficando cada vez maiores e mais pesados.>
Os consumidores certamente gostam muito disso. Os carros grandes são considerados práticos, seguros, bonitos e suas vendas estão crescendo.>
Mas por que algumas cidades decidiram combatê-los? Elas têm esse direito?>
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A capital francesa, Paris, é famosa por muitas coisas. Seus monumentos, como a Torre Eiffel e o Arco do Triunfo. Suas alamedas e avenidas largas e arborizadas. Seus museus e galerias de arte. Sua bela cozinha. E seu caótico trânsito.>
Nos últimos 20 anos, as autoridades municipais vêm tentando enfrentar o problema, criando zonas de baixo tráfego e baixa emissão, além de promover o uso de bicicletas e do transporte público. E, recentemente, reprimindo o uso de carros grandes.>
Em outubro de 2024, as tarifas de estacionamento nas ruas para veículos "pesados" de fora da capital triplicaram após uma votação pública. O preço subiu de 6 para 18 euros (cerca de R$ 37 para R$ 111) por hora no centro e de 75 para 225 euros (cerca de R$ 463 para R$ 1.389) por seis horas.>
"Quanto maior for o carro, mais ele polui", declarou antes da votação a prefeita de Paris, Anne Hidalgo. Ela defende que as novas restrições "aceleram a transição ambiental, combatendo a poluição do ar".>
Alguns meses depois, a prefeitura declarou que o número de carros muito pesados estacionados nas ruas da cidade caiu em dois terços.>
Em várias partes do mundo, outras cidades estão observando essas medidas. Incluindo no Reino Unido.>
O conselho de Cardiff, no País de Gales, já decidiu aumentar o custo do estacionamento de carros pesando mais de 2,4 mil kg, o equivalente a cerca de dois Ford Fiestas.>
Controlado pelos Trabalhistas, o governo local declarou que "esses veículos mais pesados tipicamente geram mais emissões, causam maior desgaste das ruas e, principalmente, representam risco significativamente maior no caso de colisões no trânsito".>
Inicialmente, as tarifas mais altas se aplicarão apenas a uma pequena minoria de modelos de veículos. Mas Cardiff tem planos de reduzir o limite de peso ao longo do tempo. E outras prefeituras estudam medidas similares.>
Mas muitos proprietários afirmam precisar dos carros grandes.>
Matt Mansell é pai de três filhos e mora em Guildford, no sul da Inglaterra. Ele possui uma empresa de tecnologia e outra de construção civil.>
Mansell afirma que precisa da sua Land Rover Defender 110 para transportar seus filhos e clientes.>
"Preciso ter espaço suficiente para as crianças, com todo o seu kit", explica ele. "E você também consegue colocar nela uma porta ou três metros de canos. É praticamente um veículo utilitário, mas apresentável.">
Sem dúvida, os carros no Reino Unido e no continente europeu estão ficando maiores ao longo dos anos.>
Desde 2018, a largura média dos novos modelos à venda por aqui aumentou de 182 cm para 187,5 cm, segundo dados da organização Thatcham Research, que avalia novos carros em nome do setor de seguros.>
Já o peso médio aumentou no mesmo período de 1.365 kg para 1.592 kg. Mas este não é um fenômeno recente.>
Dados compilados pelo Conselho Internacional para o Transporte Limpo demonstram que a largura média dos automóveis no mercado europeu aumentou em cerca de 10 cm entre 2001 e 2020, enquanto o comprimento cresceu em mais de 19 cm.>
Críticos defendem que esta tendência é preocupante, já que simplesmente não há espaço suficiente nas estradas congestionadas e, muitas vezes, estreitas do Reino Unido, nem no centro das cidades.>
A largura padrão mínima de uma vaga de estacionamento nas ruas em muitos lugares é de 1 metro e 80 cm.>
Mas os números publicados pelo grupo de defesa do transporte verde T&E indicam que, no primeiro semestre de 2023, a largura de mais da metade dos 100 carros mais vendidos no Reino Unido era ligeiramente maior.>
E existe o vertiginoso aumento da popularidade dos veículos utilitários esportivos (SUVs, na sigla em inglês). São carros livremente baseados em veículos off-road, em muitos casos com semelhança cosmética. E eles não têm algumas das características dos off-road, como tração nas quatro rodas.>
A imensa maioria dos SUVs nunca sairá do asfalto. No Reino Unido, eles são chamados de "tratores de Chelsea", em referência ao bairro londrino. Já no Brasil, eles receberam o carinhoso apelido de "carro de mãe".>
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Existem muitos designs diferentes no mercado, como os utilitários que realmente podem trafegar fora da estrada. Outros são requintados símbolos de status e muitos modelos são projetados para o transporte familiar.>
Mas todos eles têm um ponto em comum: o tamanho.>
Mesmo as versões menores, mais próximas dos automóveis convencionais, costumam ser mais altas e largas que os carros comuns.>
Em 2011, os SUVs representavam 13,2% do mercado em 27 países europeus, segundo a companhia de pesquisa automotiva Dataforce GmbH. Em 2025, sua fatia de mercado aumentou para 59%.>
A editora da revista Autocar, Rachel Burgess, acredita que o tamanho é justamente o motivo da sua popularidade.>
"Todas as pessoas que compraram um SUV com quem conversei ao longo dos anos disseram que gostam de ficar mais altas, com melhor visibilidade, e que se sentem mais seguras nas estradas e rodovias maiores", segundo ela.>
"Muitas vezes, as pessoas com filhos têm mais facilidade para fazer com que eles entrem e saiam do carro com aquela altura maior. E também, para as pessoas com menos mobilidade, é muito mais fácil entrar e sair de um SUV do que de um carro mais baixo.">
Lucia Barbato mora em West Sussex, no sudeste da Inglaterra. Ela afirma que seu modelo híbrido de SUV Lexus RX450 de segunda mão é fundamental para transportar sua numerosa família em uma região com oferta limitada de transporte público.>
Ela dirige uma agência de marketing em casa e leva seus três filhos de carro para o ponto de ônibus todos os dias, para que eles possam ir à escola.>
"Em uma manhã de segunda-feira com três meninos, três mochilas escolares, três kits esportivos e um trompete jogado no porta-malas, não há espaço no carro nem para o cachorro", exclama Barbato.>
A popularidade dos SUVs não se aplica apenas às grandes montadoras.>
A Porsche, por exemplo, é famosa pelos seus carros esportivos compactos, mas o SUV Cayenne e o crossover Macan são seus modelos mais vendidos.>
O SUV Bentayga representou 44% das vendas da Bentley no ano passado. E a Lamborghini depende cada vez mais do seu Urus, com tração nas quatro rodas.>
Concretamente falando, os consumidores claramente adoram os SUVs. E as montadoras estão muito felizes em atender a essa demanda.>
Afinal, produzir carros maiores pode ser mais lucrativo, segundo David Leggett, editor do website sobre inteligência industrial Just Auto.>
"As margens de lucro geralmente são muito maiores para os carros grandes, com preços mais altos", explica ele. "Isso se deve principalmente, às leis de economia de fabricação.">
Leggett indica que existem custos fundamentais envolvidos na construção de qualquer automóvel. Eles incluem a operação da fábrica, o trabalho de design e o preço dos principais componentes.>
Mas, com os carros pequenos, esses custos podem representar uma parcela mais alta do preço de venda, segundo ele.>
O consultor da JATO Dynamics Daniele Ministeri afirma que muitos SUVs estão intimamente relacionados aos carros convencionais e empregam as mesmas estruturas básicas.>
"Para alguns modelos, as principais diferenças são limitadas a fatores como o estilo da carroceria e a suspensão e posição dos assentos, o que permite vender os SUVs a preços mais altos, sem aumentos de custo proporcionais", explica ele.>
Em alguns casos, até os carros convencionais estão ficando maiores.>
O Volkswagen Golf atual, por exemplo, é 18 cm mais largo e 26 cm mais longo que sua versão original, lançada na Europa nos anos 1970. E também é centenas de quilos mais pesado.>
"Se olharmos para o início do século 21... os programas de segurança, como o NCAP europeu, estavam começando a levar a mensagem de segurança para os consumidores. E os veículos menores, na verdade, não conseguiam absorver muito bem a energia de uma colisão", afirma o principal engenheiro de segurança da Thatcham Research, Alex Thompson.>
"Conforme as medidas de segurança aumentavam, era preciso acrescentar algum peso aos veículos para reforçar os compartimentos de segurança, que não eram tão fortes naquela época.">
"Os fabricantes precisaram tomar medidas como melhorar a proteção estrutural contra colisões e instalar mais airbags", concorda David Leggett.>
"Paralelamente, eles querem aumentar o espaço interno da cabine e incluir novas funções. O resultado é o aumento da pressão por veículos com dimensões maiores.">
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Os carros maiores podem ser mais seguros para seus ocupantes, mas os críticos defendem que eles são bem menos seguros para os outros usuários das estradas.>
"Quer você esteja em outro carro ou seja um pedestre, sua probabilidade de sofrer ferimentos sérios em caso de colisão com um desses veículos é maior", afirma o gerente de política de veículos da T&E, Tim Dexter. Ele também se preocupa com as consequências para os ciclistas.>
Uma pesquisa realizada em 2023 pelo Instituto Vias, da Bélgica, dedicado a melhorar a segurança nas estradas, indicou que 10 cm de aumento da altura do capô de um carro podem agravar em 27% o risco de morte de usuários vulneráveis nas estradas, em caso de colisão. >
A T&E também destaca sua preocupação de que os capôs altos possam criar pontos cegos.>
Alex Thompson destaca que carros mais altos aumentam a probabilidade de ferir pedestres e ciclistas, mas ele ressalta que o design dos veículos nos últimos anos "realmente priorizou" a proteção dos usuários vulneráveis nas estradas.>
Alguns fabricantes, por exemplo, incluíram airbags externos nos seus veículos.>
Em relação aos impactos ambientais, a Agência Internacional de Energia declarou que, "apesar dos avanços da eficiência de combustível e eletrificação, a tendência de uso de veículos mais pesados e menos eficientes, como os SUVs, responsáveis por cerca de 20% mais emissões que um carro de tamanho médio, praticamente anulou as melhorias de consumo de energia e emissões atingidas pela frota de carros de passageiros em outras partes do mundo nas últimas décadas".>
A transição para os veículos elétricos, pelo menos, deverá reduzir significativamente as emissões de uso diário ao longo do tempo. Mas, se a eletricidade empregada para abastecê-los for gerada utilizando combustíveis fósseis, como o gás, os carros maiores ainda poderão poluir mais por veículo do que os menores.>
E ainda se aplicam outras preocupações relativas ao peso e ao tamanho dos veículos. Na verdade, como os carros elétricos em geral pesam bem mais que seus equivalentes movidos a gasolina ou diesel, certos problemas poderão se amplificar.>
A Sociedade de Fabricantes e Comerciantes de Motores afirma que 40% dos SUVs, agora, têm emissão zero.>
Seu principal executivo, Mike Hawes, declarou anteriormente que as emissões totais de dióxido de carbono dos novos SUVs caíram para menos da metade desde o ano 2000, "ajudando o segmento a liderar a descarbonização da mobilidade nas estradas britânicas".>
Mas, se for preciso reprimir esses veículos no Reino Unido, uma opção são as medidas que já foram tomadas no outro lado do Canal da Mancha.>
A França já criou impostos mais altos de registro para os carros que pesam mais de 1,6 mil kg.>
Atualmente, esse aumento significa um adicional de 10 euros (cerca de R$ 62) para cada kg excedente. E este valor aumenta em faixas, atingindo 30 euros (cerca de R$ 185) por kg acima de 2,1 mil kg.>
Esta medida só se aplica a uma parcela relativamente pequena dos modelos atuais (e os veículos elétricos são excluídos), mas pode acrescentar até 70 mil euros (cerca de R$ 432 mil) ao custo de compra de um carro novo.>
A T&E defende a criação de um imposto similar no Reino Unido. Para Tim Dexter, "atualmente, o Reino Unido é um paraíso fiscal para esses veículos grandes".>
"Conhecemos o impacto que eles causam nas estradas, nas comunidades e, potencialmente, nos indivíduos. É simplesmente justo que eles paguem um pouco mais.">
David Leggett acredita ser possível incentivar as pessoas a comprar veículos menores, especialmente para uso nas cidades. Para ele, "existem oportunidades para ajustar os regimes fiscais, para tornar os carros menores relativamente atrativos".>
Mas pode ser difícil garantir a disponibilidade de carros pequenos em quantidade suficiente no mercado.>
"Sempre haverá mercado para carros de baixo custo e fácil capacidade de manobra em áreas urbanas", afirma Leggett, "mas sua fabricação de forma lucrativa é um enorme desafio.">
Mas diversos veículos elétricos pequenos, com preços relativamente baixos, chegaram recentemente ao mercado.>
Eles incluem o Dolphyn Surf, da BYD; o T03, da Leapmotor International; o Inster, da Hyundai; e o novo Renault 5. Eles receberão em breve a companhia do EV2, da Kia, e do ID Polo, da Volkswagen.>
Mas, no momento, os SUVs permanecem firmes na liderança.>
"Nitidamente, as pessoas querem os SUVs e não sei ao certo qual será a resposta para isso", afirma Rachel Burgress. "Mas os carros pequenos estão voltando, pois a indústria aprendeu a ganhar dinheiro com os carros pequenos no mundo elétrico." >
"Acredito que tudo seja cíclico e que as tendências vão em vêm em todos os setores da vida, incluindo os automóveis. Os SUVs não existirão para sempre.">
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