Publicado em 11 de julho de 2025 às 05:39
A tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os EUA anunciada pelo presidente americano, Donald Trump, em uma dura carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi a mais alta da nova rodada de anúncios feita pelo republicano, que atingiu mais de 20 países.>
Se não houver acordo ou recuo, a nova alíquota passará a valer a partir de 1º de agosto.>
As primeiras análises de especialistas têm apontado que, apesar da alíquota extremamente elevada, o impacto negativo na economia brasileira, de forma geral, tende a ser pequeno.>
O Nobel de Economia Paul Krugman ponderou que as exportações para o mercado americano são menos de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. >
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Felipe Camargo, da consultoria Oxford Economics, calculou que, mesmo com uma "retaliação total" por parte do Brasil, a medida tiraria do PIB brasileiro algo como 0,1% em 2026.>
Ainda assim, setores específicos, aqueles com volume de exportações mais significativo para os Estados Unidos, como o de aviões, de autopeças e de suco de laranja, poderiam ser penalizados.>
Nesse sentido, o Brasil poderia tentar redirecionar esses embarques para a China?>
Os especialistas consultados pela reportagem avaliam que as possibilidades nesse sentido são limitadas. >
Isso porque, apesar de serem os dois maiores parceiros comerciais do Brasil, China e Estados Unidos compram produtos bastante diferentes das empresas brasileiras.>
"A nossa pauta para os Estados Unidos é muito peculiar dentro do universo de produtos que vendemos para o mundo", diz Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e sócio da consultoria BRCG.>
A lista é diversificada, com muitos produtos manufaturados. Alguns são bens finais, como aviões, mas uma fatia considerável, segundo o economista, são os chamados bens de meio de cadeia, como lingotes de aço e outros produtos que vão ser processados em solo americano antes de chegarem ao consumidor final.>
Já a pauta de exportações para a China está bastante concentrada em poucos produtos básicos. Entre janeiro e junho deste ano, 40% dos US$ 47,7 bilhões que o país vendeu para os chineses foi soja. Petróleo respondeu por outros 19% e minério de ferro, por outros 17%.>
A visualização de dados do sistema de estatísticas do comércio exterior brasileiro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) deixa clara essa diferença:>
Entre os produtos que poderiam ser eventualmente redirecionados à China, Guilherme Klein, professor do Departamento de Economia da Universidade de Leeds, no Reino Unido, destaca o petróleo, a carne bovina e o minério de ferro, itens que o Brasil já vende hoje para os dois principais parceiros.>
No caso do minério de ferro, o professor ressalta que atualmente já existe excesso de oferta da commodity no mundo, o que tem empurrado os preços para baixo. >
Assim, a avaliação é de que, ainda que o Brasil consiga vender parte da produção para outros países, caso as tarifas americanas entrem de fato em vigor, poderiam ter de fazê-lo a preços ainda mais baixos.>
Klein não descarta, contudo, que a China pudesse absorver parte desse excedente "por uma questão estratégica, para se mostrar um parceiro comercial importante neste momento".>
"É difícil separar o que vai ser geopolítica do que vai ser por interesse econômico", comenta o economista, emendando que a imprevisibilidade de Trump, que já voltou atrás em temas relacionados a tarifas diversas vezes, e a possível retaliação do Brasil tornam difícil o exercício de se tentar fazer previsões de cenários.>
Em entrevista à Rede Record na tarde de quinta-feira (10/7), Lula afirmou que tentaria negociar com o governo Trump, mas que recorreria à lei de reciprocidade e taxaria os produtos americanos também em 50% caso não houvesse acordo.>
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio da consultoria BMJ, lembra que uma série de produtos acabaram sendo excluídos da tarifa de 10% que os EUA impuseram ao Brasil em abril. A lista completa foi divulgada em um anexo da ordem executiva assinada por Trump na ocasião. >
Ainda não está claro se essas isenções serão mantidas, mas, caso o fossem, petróleo e derivados e minério de ferro estariam excluídos da tarifa.>
Na avaliação de Barral, caso não haja acordo e a alíquota se mantenha no patamar de 50%, as commodities tenderiam a sofrer menor impacto negativo.>
"Elas acabam sendo exportadas para outros destinos, mesmo que seja por um preço menor", ele pontua.>
Esse seria um caminho, por exemplo, para o café, ainda que o especialista ressalte que os Estados Unidos teriam dificuldade de encontrar um fornecedor do porte do Brasil, que responde por cerca de um terço da importação americana.>
Esse dado também foi destacado pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que afirmou à reportagem avaliar que os americanos teriam dificuldade para encontrar um substituto para o produto brasileiro, restando a eles pagar mais caro ou diminuir o consumo da bebida.>
"Estamos na esperança de que o bom senso prevaleça, porque sabemos que quem vai ser onerado é o consumidor americano", disse o diretor-geral do Cecafé, Marcos Matos.>
O setor de suco de laranja, por sua vez, desenhou um prognóstico bastante pessimista após o anúncio. A indústria tem nos EUA destino de 41,7% de todas as suas exportações.>
Em uma nota, a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) afirmou que a tarifa — que se somaria a uma sobretaxa que já é cobrada do produto brasileiro por conta da proteção ao setor de suco de laranja americano — , criaria "uma condição insustentável para o setor, que não possui margem para absorver esse tipo de impacto".>
"As consequências são graves: colheitas são interrompidas, o fluxo das fábricas é desorganizado, e o comércio é paralisado diante da incerteza. Trata-se de uma cadeia produtiva altamente interligada", prossegue o texto.>
Ainda segundo a entidade, a Europa, que hoje é o principal mercado do suco brasileiro, com participação de 52% das exportações da última safra, provavelmente não tem capacidade "de absorver excedentes do mercado americano sem que haja grave deterioração de valor para todo o setor".>
De forma geral, conforme os especialistas ouvidos pela reportagem, os produtos que teriam maior dificuldade para encontrar outros destinos seriam os industrializados.>
Welber Barral destaca, por exemplo, as autopeças: "O Brasil exporta muitas autopeças, inclusive de tratores, equipamentos agrícolas. E tem muito comércio intrafirma nesse setor, é produto certificado, é um modelo específico… ainda não tem muito como transferir [esses itens] para outros mercados".>
O economista Guilherme Klein chama atenção para o segmento de mais alta tecnologia, que tem nos EUA um importante mercado.>
No caso da indústria de aviões, ele diz, o Brasil não apenas exporta para o mercado americano, como também compra peças e partes de empresas dos EUA. Em uma situação de guerra comercial, por exemplo, com imposição de tarifas por parte do Brasil, o custo desses produtos aumentaria.>
"Isso poderia criar uma espiral que travaria um pouco investimentos nesses setores", pondera Klein.>
Em relatório enviado a clientes nesta quinta (10/7), a equipe de economistas que acompanha o setor de transporte e logística no Itaú BBA avaliava que a Embraer pode ser uma das empresas mais fortemente afetadas.>
Segundo a análise, cerca de 60% da receita da fabricante vem da América do Norte. Desse total, 46% estariam potencialmente expostas aos efeitos das tarifas — redução da demanda ou diminuição das margens de lucro, por exemplo.>
Outra companhia do setor que poderia sofrer impacto negativo seria a fabricante de eletroeletrônicos Weg, ainda que em escala menor. Os economistas estimam que cerca de 25% da receita da empresa venha da América do Norte e que aproximadamente 7% estaria exposta aos efeitos das tarifas.>
Uma das razões que Trump tem apontado para as tarifas salgadas que tem anunciado, com idas e vindas, desde o início de seu segundo mandato é o déficit comercial dos Estados Unidos, que compra mais de seus parceiros comerciais do que vende para o restante do mundo.>
Isso não acontece, entretanto, na relação com o Brasil. A balança comercial americana com o país é superavitária, com saldo líquido de US$ 283,8 milhões no ano passado e de US$ 1,67 bilhão entre janeiro e junho deste ano.>
Nesse sentido, a tarifa de 50% foi lida por analistas como uma decisão motivada por mais fatores políticos, o que explicaria a menção ao processo criminal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe na carta enviada pro Trump a Lula.>
"Do ponto de vista econômico, não há muita lógica [na aplicação da tarifa]", diz Guilherme Klein, que é também pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP).>
"É quase uma sanção econômica. Uma situação que é, na verdade, uma tentativa de interferência no sistema político de outro país", ele completa.>
Na mensagem enviada ao presidente brasileiro, Trump acusou o Brasil de promover perseguição judicial contra Bolsonaro e de cercear os "direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos", em referência às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos anos que retiraram do ar postagens e contas em redes sociais como o X com conteúdos considerados antidemocráticos.>
Lula respondeu dizendo que o Brasil é um país soberano com instituições independentes e "que não aceitará ser tutelado por ninguém".>
"O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais", afirmou Lula em um comunicado.>
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