Publicado em 9 de agosto de 2025 às 17:25
A proibição de anúncios de moda que apresentavam modelos com aparência "excessivamente magra" no Reino Unido levou especialistas do setor a alertar sobre o retorno de uma tendência que valoriza a magreza excessiva.>
A estética caracterizada por modelos com rostos secos e ossos protuberantes foi dominante na década de 1990 e no início dos anos 2000 — mas, nos últimos anos, foi deixada de lado para dar espaço ao movimento de positividade do corpo, que adotou e celebrou as curvas.>
No entanto, marcas de roupas como Zara, Next e Marks & Spencer (M&S) tiveram seus anúncios proibidos nos últimos meses por causa de modelos que "pareciam magras demais em termos de saúde". >
O órgão que faz o controle de publicidade no Reino Unido disse à BBC que tem observado um "aumento significativo" nas reclamações a respeito desse tipo de anúncio.>
>
A Autoridade dos Padrões de Publicidade (ASA, na sigla em inglês), órgão independente responsável por regular o conteúdo de anúncios, disse recebeu este ano uma média de cinco ou seis reclamações do tipo por semana.>
No entanto, nas duas semanas após a proibição do anúncio da M&S (que aconteceu em julho), o número de queixas subiu para mais de 20.>
Em 2024, o órgão recebeu um total de 61 reclamações sobre o peso das modelos, mas só encontrou motivos para investigar oito notificações.>
Os números são relativamente pequenos, mas é algo que o órgão de fiscalização observa de perto, juntamente com a repressão a anúncios ilegais de medicamentos para perda de peso, que só deveriam ser comprados com receita médica.>
As diretrizes da ASA afirmam que os anunciantes devem garantir que não apresentem uma imagem corporal não saudável como uma aspiração.>
A modelo e ativista Charli Howard escreveu uma carta aberta que viralizou depois que ela foi dispensada por uma agência de modelos por estar fora do padrão esperado.>
Uma década depois da polêmica, ela acredita que o mundo "está prestes a ver o retorno da heroin chic".>
A expressão heroin chic foi usada no início dos anos 1990, quando algumas modelos eram extremamente magras, pálidas e tinham olheiras escuras, algo que remetia ao uso recorrente de drogas como a heroína.>
Howard diz que os anúncios nas ruas são tão preocupantes quanto as imagens que são compartilhadas nas mídias sociais como "inspiração para a magreza".>
Em junho, o TikTok bloqueou os resultados de pesquisa para skinnytok (termo inglês que remete a pessoas muito magras) — uma hashtag que, segundo os críticos, direciona as pessoas para conteúdos que "idolatram a magreza extrema".>
"Algumas mulheres são naturalmente magras, e isso é absolutamente bom. Mas contratar deliberadamente modelos que parecem não estar bem é profundamente perturbador", opina Howard.>
A ASA, em todas as suas decisões recentes, não considerou nenhuma modelo como não saudável. >
No caso da marca Next, ela reconheceu que, em outras fotos da mesma modelo, ela parecia saudável. >
Em vez disso, o órgão entendeu que a pose, o estilo e os ângulos de câmera fizeram com que cada uma das modelos nos anúncios dos varejistas parecesse mais magra.>
A M&S declarou que a pose da modelo foi escolhida para retratar confiança e desenvoltura, e não para transmitir magreza. >
A empresa acrescentou que a modelo, embora magra, tinha um "físico saudável e tonificado".>
A Zara, que teve dois anúncios vetados na semana passada, pontuou que as duas modelos tinham um atestado médico comprovando que elas estavam em boas condições de saúde.>
A ASA avaliou que sombras, poses e um penteado com coque para trás foram usados para fazer com que as modelos parecessem mais magras.>
"A iluminação definitivamente desempenha um papel importante — ela pode realçar as maçãs do rosto, as clavículas e as caixas torácicas", analisa Howard.>
"Depois do movimento de positividade corporal da década de 2010, infelizmente era inevitável que a moda voltasse atrás e sabemos o quanto isso pode ser prejudicial", lamenta ela.>
Para a modelo e professora de ioga Charlotte Holmes, a demanda por corpos mais magros não é novidade.>
Durante 20 anos de carreira, ela notou "um breve momento de maior inclusão", mas ainda era rejeitada em empregos por "não ser magra o suficiente".>
"O movimento de positividade corporal aumentou a conscientização, mas não mudou totalmente o sistema. Agora, parece que voltamos ao ponto de partida", observa ela.>
Holmes, que tem 36 anos e foi coroada Miss Inglaterra em 2012, acredita que o corpo "ultrafino" sempre foi o "padrão silencioso" para modelos.>
"Termos como heroin chic e tendências como skinnytok mostram a rapidez com que ideais prejudiciais podem ressurgir", diz ela.>
"Isso não é progresso, é repetição", reforça a modelo.>
A jornalista e consultora de moda Victoria Moss não acredita que estamos diante de um novo momento do heroin chic.>
Na visão dela, em vez disso, a atual tendência é influenciada pela popularização das injeções para perda de peso.>
"O que acontece no momento é que a magreza passou a ser considerada um imperativo moral de saúde, impulsionada pelo fervor dos medicamentos para perda de peso", entende Moss.>
A especialista reconhece que muitas celebridades, como Kim Kardashian e Oprah Winfrey, enxugaram as medidas visivelmente nos últimos tempos.>
Mas ela ainda acha que é incomum ver modelos muito magras em campanhas de moda das grandes marcas do varejo — e esse fenômeno ainda está mais restrito às passarelas e às semanas de moda.>
"Acho que em todos esses casos as modelos eram muito jovens, e deve ser incrivelmente perturbador para elas se tornarem o foco desses anúncios que foram vetados", avalia Moss. >
"Muitas mulheres são naturalmente muito magras, e é errado fazer críticas sobre o corpo delas", entende ela.>
Simone Konu-Rae, estilista e professora sênior de comunicação de moda na Universidade das Artes, em Londres, no Reino Unido, avalia que, embora seja importante "reconhecer que o corpo humano tem várias formas e tamanhos", ser extremamente magro "não está necessariamente de volta à moda".>
"As marcas de rua usam modelos de passarela para valorizar suas coleções", explica a especialista.>
"As grandes lojas de vestuário estão dizendo: 'Veja, temos os mesmos modelos das suas marcas de luxo favoritas, e nossos produtos têm a mesma qualidade por uma fração do preço'", acrescenta ela.>
Konu-Rae diz que o problema não é o fato de as modelos não serem saudáveis, mas que essa "não é a norma para muitas pessoas, e tentar alcançar esse tipo de corpo pode ser prejudicial".>
"Mostrar mais diversidade corporal é fundamental para deixar claro às pessoas que elas podem estar na moda e ter estilo sem precisar mudar quem são", complementa ela.>
A consultora de estilo Keren Beaumont diz que o retorno de itens da moda dos anos 1990 — como as calças jeans de cintura ultrabaixa e os blusinhas de seda com tiras — contribuem para essa mudança de paradigma.>
"Com o ressurgimento dessas tendências, vemos os ossos do quadril e o peito expostos e, de acordo com as apresentações originais dessas silhuetas, elas estão sendo mostradas em modelos muito, muito magras", observa ela.>
"Minha esperança é que as imagens recentes da Next, M&S e Zara sejam um lembrete para as marcas manterem a diversidade que vimos nos modelos nos últimos anos e não voltarem a padrões ultrapassados", espera Beaumont>
Matt Wilson, da ASA, diz que o debate destacou as responsabilidades das marcas e "a atenção que elas precisam ter".>
"Socialmente, sabemos que há um problema com distúrbios alimentares e devemos continuar a proibir anúncios que possam causar danos", conclui ele.>
Para Chioma Nnadi, a indústria da moda "deveria se preocupar" com a tendência de retorno ao uso de modelos mais magras.>
A diretora editorial da Vogue britânica sugeriu que a mudança, após o recente progresso na diversidade corporal, foi parcialmente impulsionada pelo aumento da popularidade de remédios contra a obesidade.>
"Acho que talvez essas medicações tenham algo a ver com isso", disse ela ao programa Today da BBC Radio 4, no Reino Unido.>
"Estamos neste momento em que vemos o pêndulo meio que oscilando de volta para a 'moda' de ser magra, e muitas vezes essas coisas são tratadas como uma tendência, e não queremos que sejam.">
Questionada sobre o que estava impulsionando essaa tendência, Nnadi respondeu que não é possível atribuir isso a apenas um fator.>
"Há uma mudança na cultura em relação à forma como pensamos sobre nossos corpos e como os abordamos.">
Nnadi considera "importante que todos os corpos sejam representados" na moda, acrescentando que essa é uma questão com a qual ela e seus colegas de revista estão atentos.>
"Pensar nas modelos que podemos ter em nossos ensaios fotográficos é muito importante.">
Ao referir-se às semanas de moda da temporada passada, onde os estilistas apresentaram novas coleções, Nnadi não achou "que houvesse representatividade suficiente em termos de diversidade corporal".>
"E parecia que, em certos desfiles, as modelos estavam especialmente magras.">
O movimento de positividade corporal tem suas origens na década de 1960 e foi impulsionado por ícones como Marilyn Monroe, que ampliaram o rígido padrão de beleza de Hollywood.>
Ele voltou à tona novamente na década de 2010, quando o Instagram ganhou força e influenciadores começaram a destacar moda e beleza fora das revistas e das passarelas de luxo.>
Uma das marcas do período foi a famosa família Kardashian, cujas curvas desencadearam cirurgias para aumentar os glúteos e as curvas do corpo em várias partes do mundo.>
Enrika, uma modelo plus size de 28 anos, lembra que, "quando o movimento de positividade corporal surgiu, ele foi incrivelmente empoderador e libertador.">
"Parecia um ato de rebelião. O que sempre foi criticado agora era valorizado. Era como se finalmente tivéssemos nos cansado de ser julgadas.">
Modelos plus size passaram a ser contratadas por grandes nomes da moda, como a cobiçada marca de lingerie de Rihanna, Savage x Fenty, lançada em 2018.>
A marca, avaliada em mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,4 bi), tornou-se conhecida por seus desfiles extravagantes, que lembram uma alternativa moderna aos icônicos desfiles da Victoria's Secret, mas com a exibição de todos os tipos de corpos.>
Felicity Hayward, uma modelo plus size de 36 anos, relembra o momento em que foi descoberta em 2011.>
"Quando recebi a ligação da minha primeira agência de modelos, a Storm — que descobriu Kate Moss —, pensei que estava sendo enganada", conta ela.>
"Antes da década de 2010, as atitudes em relação a corpos maiores não eram positivas e eu nunca pensei que ser uma modelo plus size fosse uma possibilidade.">
"Ver essa narrativa mudar na última década e meia mudou minha vida, tanto emocional quanto física e financeiramente", complementa Hayward.>
Mas, por volta de 2020, esse movimento começou a desacelerar. >
No outono e inverno de 2024, dos 8,8 mil looks de 230 desfiles, apenas 0,8% eram de modelos plus size, calcula a revisa Vogue.>
Ao mesmo tempo, novos medicamentos para emagrecer chegaram ao mercado e ganharam grande popularidade.>
Celebridades como Elon Musk começaram a creditar a esses remédios o sucesso de uma nova silhueta esbelta. Era apenas uma questão de tempo até que isso chegasse aos consumidores.>
Especialistas avaliam que, à medida que esses fármacos se tornaram mais comercialmente disponíveis para fins estéticos, o movimento de positividade corporal perdeu força.>
A modelo Moya destaca "a rapidez com que a narrativa mudou". >
"Celebridades e influenciadores recorreram a cirurgias ou a medicamentos para perseguir o que é considerado 'na moda'", diz ela.>
Outra modelo, Jenny, entende que a volta da tendência de magreza garantiu mais trabalhos a ela.>
"Mas percebi que agora preciso me manter atualizada, e tenho que ser a mais magra", conclui ela.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta