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Primeira surfista registrada no Brasil, Margot Rittscher é exemplo de luta e legado

Primeira surfista registrada no Brasil, Margot Rittscher é exemplo de luta e legado

Desafiando a sociedade nos anos 30, Margot Rittscher abriu as portas do oceano para muitas meninas apaixonadas pelo mar

Publicado em 8 de março de 2024 às 06:00

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Margot Rittscher foi a primeira surfista mulher registrada no Brasil. Ela nasceu em 1910 em Nova York, mas aos 15 anos foi para Santos, no litoral paulista
Margot Rittscher foi a primeira surfista mulher registrada no Brasil. Ela nasceu em 1910 em Nova York, mas aos 15 anos foi para Santos, no litoral paulista. (Surfguru.com.br)
Isabela Pinheiro de Sá
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Era por volta de 1930 e o mundo ainda vivia traços da crise de 1929 resultada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, o desequilíbrio na produção mundial afetou a todos e o Brasil vivia um caos na política com o impedimento da posse de Júlio Prestes. O país ainda tinha sua economia baseada na exportação de café e devido à crise, perdeu seus maiores consumidores, os estadunidenses.

Foi um início de década desafiador em todas as esferas, principalmente para as mulheres que ansiavam revolucionar sua maneira de viver e serem vistas. As propagandas constantemente as demonstravam com um olhar conservador e mantinham como temas principais a vaidade feminina, o aconchego do lar e a afirmação de que a entrada para o mercado de trabalho causaria desequilíbrio nos lares.

Mesmo que em 1932 as mulheres tenham conquistado o direito ao voto perante a lei, sua liberdade de exercê-lo não ocorreu com eficácia, na prática. Somente mais de 10 anos depois, na década de 40, é que vimos o cenário realmente mudar nesta questão. Até então, mulheres independentes e participando de atividades que eram desempenhadas em sua maioria por homens parecia algo muito distante.

Margot pegou sua primeira onda em Santos no ano de 1936, usando uma prancha de madeira construída pelo irmão dela, Thomas Rittscher Júnior
Margot pegou sua primeira onda em Santos no ano de 1936, usando uma prancha de madeira construída pelo irmão dela, Thomas Rittscher Júnior. (Reprodução)

Desafiando a sociedade da época, Margot Rittscher foi a primeira surfista mulher registrada no Brasil. Ela nasceu em 1910 em Nova Iorque, mas aos 15 anos foi para Santos, no litoral paulista, sendo naturalizada brasileira. Durante suas tentativas de praticar o esporte, sofria com comentários e olhares de discriminação, mas, com o apoio e incentivo de seu irmão, Thomas Rittscher Júnior, conseguiu dar continuidade à sua vontade de surfar.

Na praia de Gonzaga, em Santos, no ano de 1936, Margot pegou sua primeira onda usando uma prancha de madeira construída por Thomas. A surfista provavelmente não tinha conhecimento da grandeza de seu ato para futuras gerações.

Margot Rittscher ao lado do irmão, Thomas Rittscher Júnior, o grande incentivador para que ela continuasse no surf
Margot Rittscher ao lado do irmão, Thomas Rittscher Júnior, o grande incentivador para que ela continuasse no surfe. (Reprodução)

Aproximadamente 60 anos depois, na década de 90, o Brasil teve sua primeira surfista profissional. Brigitte Mayer nasceu em Maricá, Rio de Janeiro, conheceu o esporte no início dos anos 80 e foi a primeira brasileira a disputar uma etapa do Circuito Mundial de Surf (WSL). Abrindo portas e incentivando muitas meninas do país a seguir praticando o esporte. No Instagram, Brigitte Mayer relembra a primeira trip (viagem, em português) só de mulheres surfistas no ano de 1997.

Falta de habilidade ou falta de oportunidade?

Angélica Von Doellinger, de 43 anos, iniciou sua atividade com o surf aos 23 e, dali em diante, foi um amor que só cresceu e se desenvolveu
Angélica Von Doellinger, de 43 anos, iniciou sua atividade com o surfe aos 23 e, dali em diante, foi um amor que só cresceu e se desenvolveu. (Arquivo Pessoal)

Falando de um esporte predominantemente masculino, alguns problemas vivenciados pelas mulheres no passado acontecem até hoje. Principalmente no Brasil, devido a vários fatores sociais, políticos e culturais que construíram e moldaram o país. As mesmas falas ouvidas por Margot Rittscher na década de 30 continuam acontecendo, quase 100 anos depois.

Angélica Von Doellinger, de 43 anos, natural de Vila Velha, teve uma vida em torno do mar. Iniciou sua atividade com o surfe aos 23 anos e, dali em diante, foi um amor que só cresceu e se desenvolveu. Durante mais de 10 anos ficou à frente de uma escola de surfe no litoral capixaba, tendo o esporte como lazer e profissão.

Mesmo com tanta experiência e conhecimento, Angélica ainda passa por momentos de desconforto e desrespeito no mar. "Recentemente estava surfando em um pico (local em que os surfistas pegam ondas) com fundo de coral e um homem mandou eu me retirar do mar, insinuando que era por conta da minha prancha, feita para prática de stand up paddle", relembra.

Isabela Cheida, de 34 anos, surfa desde os 16 e hoje tem uma escola de surf em Praia Grande, no litoral Norte do ES
Isabela Cheida, de 34 anos, surfa desde os 16 e hoje tem uma escola de surfe em Praia Grande, no litoral Norte do ES. (Reprodução/Instagram)

Isabela Cheida, 34, paulista residente no Espírito Santo e empresária, surfa desde seus 16 anos e hoje tem uma escola de surfe em Praia Grande, no litoral Norte, a Surf com Elas. O propósito da empresa é de ajudar pessoas a se conectarem com sua essência e se desenvolverem através do surfe.

Isabela diz vir de uma geração que era realmente difícil ver uma mulher no mar, o que ela definiu como "coisa rara". “Tinham muitos homens que me honravam e me respeitavam por ser a única mulher na água ou uma das poucas, enquanto outros atacavam por ser diferente do comum. Até hoje ainda sofro no mar quando tem algum homem que se sente ameaçado pelo meu nível de surfe ou por pegar mais ondas do que ele”, ela afirma.

O propósito da Isabela Cheida é de ajudar pessoas a se conectarem com sua essência e se desenvolverem através do surf
O propósito da Isabela Cheida é de ajudar pessoas a se conectarem com sua essência e se desenvolverem através do surfe. (Arquivo Pessoal)

Competições

A Liga de Surf Mundial (WSL) é responsável pelo circuito mundial de surfe que acontece todos os anos desde 1976. O circuito é dividido em etapas que acontecem em diferentes lugares ao redor do mundo. Os três primeiros colocados de cada etapa, ganham uma premiação em dinheiro. Porém, os valores só foram se igualar entre os gêneros feminino e masculino em 2019.

Tal marco fez com que a WSL se tornasse a primeira liga esportiva global dos Estados Unidos com paridade salarial. Além de igualar o valor dos prêmios, a Liga aumentou o investimento, apoio para as atletas e o marketing global para dar maior destaque e aumentar a audiência de eventos femininos. Essas mudanças ocorreram após Sophie Goldschmidt assumir a diretoria da Liga na ocasião.

Com essas mudanças no cenário mundial realizadas por Sophie Goldschmidt, foi possível perceber um maior destaque no surfe feminino e o crescimento da motivação das atletas e do número de mulheres interessadas em aprender o esporte. Caso da Bruna Gualhanunes, carioca residente no Espírito Santo, que enxergou o esporte como uma oportunidade de mudar de vida.

Bruna Gualhanunes enxergou o surf como uma oportunidade de mudar de vida
Bruna Gualhanunes enxergou o surfe como uma oportunidade de mudar de vida. (Arquivo Pessoal)

“O que me motivou foi o estilo de vida, a vibe, e tudo o que o surfe pode te proporcionar, mental e fisicamente falando. Hoje enxergo e sinto que o surfe vai muito além do que só aquela sensação gostosa de dropar (ato de se levantar na prancha e descer a onda). Só vivendo para saber”, afirma.

Os reflexos desses anos de luta e das mudanças realizadas dentro da WSL já são vistos, principalmente com a chegada da nova geração que vêm apresentando técnicas e habilidades . Provando de uma vez por todas que o surfe feminino é tão técnico e habilidoso quanto o masculino, o que faltava eram oportunidades e incentivo.

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