Publicado em 15 de dezembro de 2023 às 15:59
Há 30 anos em discussão no Brasil, a reforma tributária (PEC 45/2019) pode ser finalmente aprovada pelo Congresso nesta semana. Lideranças da Câmara estão em intensa negociação para tentar votar o texto ainda nesta sexta-feira (15/12).>
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reforçou pela manhã que a reforma está na pauta do dia para votação.>
A proposta, que busca simplificar a tributação sobre consumo de bens e serviços, pode ter forte impacto positivo sobre o crescimento econômico, segundo especialistas. >
Mas esse impacto ainda levaria alguns anos, pois a previsão é que a reforma seja implementada gradualmente e entre em vigor totalmente apenas em 2033. >
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Por se tratar de uma tentativa de alteração da Constituição, a proposta só entrará em vigor se Senado e Câmara concordarem completamente com o texto. >
Ou seja, os deputados teriam que aprovar a mesma versão que passou no Senado em novembro ou, no máximo, suprimir alguns trechos, para que seja promulgada apenas a parte que tenha o aval de ambas as casas legislativas.>
Já se forem feitas alterações ou acréscimos, a reforma tributária teria que ser votada novamente no Senado.>
Um dos trechos que causam polêmica e podem ser suprimidos da versão aprovada no Senado é a prorrogação de incentivos fiscais para o setor automotivo no Nordeste, Norte e Centro-Oeste até 2032. >
O governo diz que o objetivo da reforma é simplificar o sistema tributário brasileiro, melhorando o ambiente de negócios e facilitando o crescimento da economia – a discussão é polêmica, porém, pois mexe com os interesses de setores econômicos diversos e de entes federativos, como Estados e municípios.>
Parlamentares de oposição têm defendido que a reforma aumentará a tributação e traz muitas exceções. >
No entanto, mesmo que a proposta seja aprovada, definições específicas, como as alíquotas dos impostos, dependerão da regulamentação de reforma em 2024.>
Entenda a seguir, em cinco pontos, o que efetivamente muda com a reforma tributária, caso a Câmara aprove a versão que passou no Senado.>
A reforma tributária prevê a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins e IPI, de competência federal; e ICMS e ISS, de competências estadual e municipal, respectivamente) por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).>
O IVA é um imposto que incide de forma não cumulativa, ou seja, somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção de um bem ou serviço, excluindo valores pagos em etapas anteriores.>
O modelo acaba com a incidência de impostos em cascata, um dos problemas históricos do sistema tributário brasileiro.>
Atualmente, mais de 170 países adotam o IVA, entre eles Canadá, Austrália, diversos países membros da União Europeia e emergentes como Índia, além de vizinhos latino-americanos, como México, Colômbia, Chile e Argentina.>
O IVA brasileiro será um IVA Dual, dividido em duas partes: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de Estados e municípios.>
Com a reforma, a cobrança de impostos deixará de ser feita na origem (local de produção) e passará a ser feita no destino (local de consumo), uma mudança que visa dar fim à chamada guerra fiscal – a concessão de benefícios tributários por cidades e Estados, com objetivo de atrair o investimento de empresas.>
Pela proposta, produtos importados devem pagar o IVA da mesma forma que itens produzidos no Brasil, já exportações e investimentos serão desonerados.>
Haverá uma alíquota-padrão e outra diferenciada, para atender setores como a saúde. >
A alíquota geral será definida por lei complementar, após a aprovação da PEC. A previsão, porém, é que o IVA brasileiro terá um patamar alto na comparação internacional (entenda mais abaixo).>
O texto proposto pelo relator no Senado prevê ainda uma "trava" para a cobrança dos impostos sobre consumo – um limite que não poderá ser ultrapassado no futuro.>
Esse limite será a carga tributária como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), na média para o período de 2012 a 2021 – o que seria equivalente a 12,5% do PIB, segundo a Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda.>
Críticos a esse ponto argumentam, porém, que a trava impedirá que, em momentos de crise, o governo promova aumentos temporários de arrecadação.>
A futura alíquota do novo imposto, porém, virou alvo de polêmica. Críticos da reforma dizem que o IVA brasileiro vai elevar a carga tributária e citam projeções de economistas indicando que a alíquota pode chegar a 28%, a maior do mundo.>
Embora ainda não seja possível cravar qual será a alíquota do IVA brasileiro, defensores da reforma reconhecem que será alta para padrões internacionais. No entanto, ressaltam que isso reflete o fato de o Brasil ter uma grande parte da sua arrecadação sobre produção e consumo – diferentemente de outros países com IVA menor que arrecadam mais sobre renda e propriedade.>
A ideia, destacam os apoiadores da mudança, é que o novo IVA arrecade exatamente o que hoje os cinco impostos (IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS) rendem às três esferas do poder público, sem, portanto, elevar a carga tributária atual.>
O objetivo de manter a mesma arrecadação é não desfalcar o caixa dos governos, já que esse dinheiro é usado para bancar serviços públicos, como escolas, hospitais e o funcionamento das polícias.>
Entusiastas da reforma dizem ainda que a reorganização e a simplificação do sistema com a unificação dos impostos terá efeito de impulsionar o crescimento e ampliar o poder de compra da população (entenda melhor ao longo da reportagem).>
"Como a futura alíquota será correspondente a carga tributária de hoje, então o Brasil já tem esse maior IVA do mundo. Só que o novo sistema trará muito mais transparência", defende especialista em questões tributárias Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canadá.>
Melina explica ainda que a alíquota base do IVA também ficará mais alta no Brasil devido aos descontos que estão sendo dados na reforma a alguns setores.>
Serviços de saúde e educação, por exemplo, pagarão um IVA equivalente a 40% da alíquota cheia. Já a cesta básica terá alguns itens com isenção total (não pagarão IVA) e alguns itens com alíquota reduzida (40% da alíquota cheia).>
Há ainda segmentos que terão desconto, mas que a alíquota ainda será definida na regulamentação da reforma, como serviços de hotelaria, parques de diversão e bares.>
No total, foram incluídas 42 previsões de descontos no novo tributo. O número é considerado alto por especialistas e pelo próprio governo, mas há uma avaliação de que não seria possível aprovar a reforma no Congresso sem atender a pressão de setores econômicos por esses descontos.>
O problema disso é que, para que alguns produtos e serviços tenham imposto menor, a alíquota padrão capaz de garantir a mesma carga tributária de hoje precisa ser maior.>
Segundo projeções preliminares do Ministério da Fazenda, o novo imposto brasileiro pode ficar entre 25,45% e 27%, mas esse cálculo será revisto após a aprovação do texto no Senado, pois houve alterações no texto que podem elevar a alíquota final.>
Já uma projeção do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) João Maria Oliveira, também anterior à aprovação no Senado, calculou que o IVA brasileiro poderia chegar a 28,4%.>
Hoje, o maior IVA do mundo é o da Hungria (27%). Os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm alíquota média de 19,2%. Dos 38 integrantes da organização, formada principalmente por países ricos, apenas os Estados Unidos não adotam o IVA.>
Para Melina Rocha, porém, não faz sentido comparar o IVA de diferentes países sem levar em conta o sistema tributário de cada um deles como um todo.>
"Não dá para comparar a alíquota nominal padrão de um país com outro, justamente porque esses outros países, que têm uma alíquota menor do IVA, têm uma alíquota muito maior sobre renda", argumenta.>
Segundo um relatório da Receita Federal com dados de 2020, a carga tributária média dos países da OCDE estava em de 33,5% do Produto Interno Bruto (PIB) naquele ano, enquanto a brasileira era de 30,9% do PIB.>
O Imposto Seletivo, também conhecido como "imposto do pecado", será uma espécie de sobretaxa que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.>
Entre esses produtos estão, por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas.>
O Imposto Seletivo será de competência federal, com arrecadação dividida com os demais entes da federação.>
Originalmente, o Imposto Seletivo também seria usado para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus, mas o relator da reforma no Senado propôs a criação de uma nova Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para essa finalidade.>
Se aprovada, a nova Cide recairá "sobre a importação, produção ou comercialização de bens que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus", como uma forma de manter a vantagem do polo industrial.>
A Zona Franca e o Simples (sistema de tributação simplificada para empresas de pequeno porte) devem continuar como exceções ao sistema, mantendo suas regras atuais – o que é criticado por alguns especialistas, que avaliam os regimes tributários especiais como ineficientes.>
A reforma tributária prevê ainda a criação de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos, cujos itens – como arroz, feijão, entre outros – serão isentos de impostos.>
Os produtos da cesta serão definidos por lei complementar, que deverá levar em conta a diversidade regional e cultural da alimentação do país.>
Haverá ainda uma cesta "estendida" com outros produtos, como carnes e itens de higiene pessoal e limpeza, que terão um desconto de 60% nos tributos para consumidores de baixa renda.>
Esse desconto será concedido através da devolução de impostos, chamada de cashback.>
A população mais pobre também deve ter direito ao cashback para o imposto cobrado na conta de luz e no gás de cozinha, pela proposta do relator no Senado.>
A manutenção da desoneração de parte da cesta básica na reforma tributária é criticada por alguns especialistas.>
Eles argumentam que a isenção de impostos reduz a arrecadação do governo e beneficia indistintamente ricos e pobres. Segundo esses analistas, a devolução de impostos é uma política mais barata e mais eficiente para reduzir a injustiça tributária. >
Originalmente, a proposta de reforma do governo previa a reoneração da cesta básica e o cashback aos mais pobres. O Congresso, no entanto, optou por um modelo intermediário, com a isenção sendo mantida para alguns itens básicos e o cashback aos mais pobres na cesta "estendida".>
Segundo a proposta de reforma tributária, o período de transição para unificação dos tributos vai durar sete anos, entre 2026 e 2032.>
A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos. A transição foi prevista para não haver prejuízo de arrecadação para Estados e municípios.>
Pelo cronograma proposto, em 2026, haverá uma alíquota teste de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para IBS (IVA compartilhado entre Estados e municípios).>
Em 2027, PIS e Cofins deixam de existir e a CBS será totalmente implementada. A alíquota do IBS permanece com 0,1%. >
Entre 2029 e 2032, deve haver uma redução paulatina das alíquotas do ICMS e do ISS e elevação gradual do IBS, até a vigência integral do novo modelo em 2033.>
Já a transição da cobrança de impostos da origem para o destino deve acontecer em 50 anos, de 2029 até 2078.>
Esse longo período de transição divide opiniões entre economistas.>
Para Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e chefe de pesquisa econômica do Julius Baer Family Office, a separação entre as duas transições – da unificação de impostos e da migração da origem para o destino – é o "Ovo de Colombo" da reforma.>
"Esta reforma vai mudar muito, para muito melhor, a estrutura tributária. Mas ela mexe na estrutura federativa, em quem recebe e quem deixa de receber. Ela não é neutra do ponto de vista dos Estados", disse Pessôa, em entrevista à BBC News Brasil em julho.>
"Então a ideia, ao separar as duas transições, é dar tempo – muito tempo – para os Estados se adaptarem às novas estruturas de recebimento e também dar tempo para os efeitos benéficos da reforma virarem crescimento econômico.">
Já Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, acredita que o longo período de transição para a unificação de impostos pode significar que a guerra fiscal não tenha fim, prejudicando um dos objetivos da reforma.>
Pela proposta da reforma, o IBS será instituído com alíquota de 0,1% em 2026. Até 2028, o novo imposto vai conviver com o ICMS e o ISS sem mudança de alíquotas nos tributos antigos.>
A partir de 2029, os impostos antigos começam a ser reduzidos, em 10% ao ano, até 2032. Assim, ao final de 2032, o ICMS e o ISS terão alíquotas equivalentes a 60% das atuais.>
"Para que [a tributação] migre para o destino, nós temos que acreditar que não vai haver pressão nenhuma para que esses 60% de ICMS não continuem vigorando além de 2032. Ou seja, que da noite pro dia esse ICMS de 60% vá passar a zero", disse Salto à BBC em julho.>
"Isso é um risco porque, ao manter uma alíquota grande para um imposto ruim que enseja benefícios fiscais – o que não é proibido pela PEC –, você pode ensejar a concessão de novos incentivos tributários. Aí há o risco de não termos a migração para o destino nem em uma década.">
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