Publicado em 29 de outubro de 2021 às 18:00
Com o Programa de Desinvestimentos em curso da Petrobras, o Espírito Santo pode ser afetado com a saída da empresa no Estado, em especial a Região Norte, onde se concentram a maior parte dos campos terrestres. É nessa região que está o campo de Golfinho, em Aracruz, que é atualmente o maior produtor da Bacia do Espírito Santo e a venda pode ter, entre as consequências, a perda de arrecadação para o Estado, redução de empregos e até mesmo problemas ambientais, segundo especialistas. >
Para o geógrafo e pesquisador Francismar Cunha Ferreira, a venda dos ativos da Petrobras no Espírito Santo pode acarretar “impactos de diversas ordens”. O primeiro, segundo Ferreira, seria em relação aos empregos diretos e indiretos. >
“É uma tendência. Nós temos comprovações de estudos feitos no Rio Grande do Norte, por exemplo, com a saída da Petrobras do Estado, que implicou num significativo aumento do desemprego direto e indireto. Isso acontece porque as empresas novas que entram, após adquirir os ativos, levam tempo para fazer a regularização dos contratos”, diz.>
Segundo o geógrafo, em um levantamento feito por ele, entre os anos de 2019 e 2020, considerando toda a cadeia de fornecedores diretos e indiretos para a Petrobras no Espírito Santo, o contingente de trabalhadores chegava a cerca de 43 mil pessoas. “Isso mostra a centralidade dessa empresa, o papel fundamental que ela tem para o dinamismo econômico em todo o Estado. Então, se você reduz a participação dessa empresa em vários ativos é um impacto muito grande, principalmente com fornecedores de serviços e equipamentos”, afirma. >
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Essa perspectiva afeta diretamente os negócios locais, acrescenta o geólogo que liderou a pesquisa do pré-sal, Guilherme Estrella, uma vez que se desfaz “toda uma história de ampla inserção nas comunidades locais, com a promoção de atividades de um modo geral, da criação de pequenas empresas locais de serviços e de fornecimento de materiais e de interação com universidades públicas regionais, cursos técnicos, educação em geral e com a cultura”.>
Já o segundo maior impacto, segundo Francismar Cunha Ferreira, seria a entrada de empresas com pouca experiência na área. “Com isso, não temos uma garantia, por exemplo, de permanência dessas empresas na exploração de campos maduros quando o barril de petróleo estiver com um valor baixo. Isso deixa muito incerto o futuro das atividades da indústria petrolífera no Espírito Santo”, observa.>
Outra perda esperada para o Estado com a saída da Petrobras é a arrecadação. Atualmente a empresa repassa 10% de royalties de petróleo para o Espírito Santo. Já com a venda dos ativos, esse percentual irá cair, ficando em torno de 5% para as empresas de pequeno porte que entrarem no lugar da Petrobras e 7,5% para as de porte médio. >
“Isso significa que os Estados e municípios receberão menos dinheiro, representando um rombo nas contas públicas. O Norte capixaba é dependente dos royalties e os municípios terão de rever investimentos e contas públicas. Quem perde com isso é a população. A saída da Petrobras do Espírito Santo vai ser uma tragédia para a nossa economia”, avalia o deputado federal Helder Salomão.>
Outro aspecto lembrado pelo deputado é a questão ambiental e também social. Segundo Helder, além de aumentar o desemprego, o sistema público de saúde dos municípios tende a sobrecarregar, já que muitos trabalhadores deixarão de fazer parte de planos particulares de saúde, recorrendo ao SUS, que não estará preparado para recebê-los.>
“Há também o impacto sobre o meio ambiente, já que não existe um pacto ambiental por parte das empresas que estão assumindo as operações da Petrobras no Espírito Santo. E isso pode ampliar a possibilidade de acontecerem acidentes ambientais graves. Por isso, temos feito um enfrentamento disso no Congresso, para evitar o sucateamento e a entrega da Petrobras. É estratégico para o Brasil manter o controle da Petrobras. Estamos entregando ativos importantes”, comenta.>
Para o diretor de comunicação do Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo (Sindipetro-ES), Etory Feller, a venda de ativos da Petrobras no Espírito Santo e em outros Estados que não são estratégicos para a atual gestão da empresa têm fundamento na Política de Preços de Paridade de Importação (PPI). Essa fórmula é usada para calcular o preço dos derivados de petróleo (gás de cozinha, gasolina, diesel) e usa variáveis como o preço internacional do barril, a cotação do dólar, custos de transporte e uma margem para evitar prejuízos. >
“A própria PPI sustenta a privatização porque quem compra esses campos de petróleo sabem que estarão com um preço extremamente alto e lucrativo, que é dado por meio da PPI, que não é interessante nem para o país, nem para a população brasileira. A Petrobras tem perdido, e muito. Note que se a gente tivesse adotado PPI com preço de paridade internacional e tivéssemos mantido nossos campos de petróleo, nossas refinarias e tudo o mais, a Petrobras estaria tendo lucros estrondosos, porque são valores que estão sendo praticados muito acima do que ela praticava antes”, explica.>
A adoção desse sistema de precificação é parte da estratégia da estatal, que tem passado por uma série de “desinvestimentos” desde 2016. Segundo a pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Isadora Coutinho, o objetivo da Petrobras é focar apenas no segmento de exploração de petróleo, reduzindo a verticalização. >
“Com isso, a Petrobras deixa de investir em vários campos estratégicos, de ser uma empresa que está em todos os Estados e passa a concentrar seus negócios apenas no Sudeste. Por outro lado, com a venda desses ativos, a Petrobras perde a oportunidade de liderar a exploração de petróleo no Brasil. Ela é uma empresa estratégica para o país, exercendo, inclusive, o papel de desconcentração de renda”, conta.>
Segundo a pesquisadora, a empresa investiu em regiões onde normalmente não haveria uma refinaria ou distribuidora, por estarem muito longe dos grandes centros, por exemplo.>
“Todos os investimentos têm efeito multiplicador na economia do país. Onde a Petrobras investiu houve crescimento do índice de desenvolvimento humano. No entanto, de 2014 a 2018, com a redução dos investimentos em R$ 27 bilhões, a empresa deixou de gerar R$ 35 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) do país nesse período, o que é um impacto considerável para o nosso PIB”, observa.>
Desabastecimento
Com a produção focada no lucro, as empresas estrangeiras que estão trazendo derivados de petróleo para o Brasil não possuem, necessariamente, compromisso com o abastecimento. Isso significa que caso o mercado nacional não continue interessante, essas empresas podem sair do país em busca de mercados mais lucrativos, causando um desabastecimento.
Controle da matriz energética
A matriz energética de um país é importante para o seu desenvolvimento e a sua soberania. Com os desinvestimentos, o país corre o risco de perder o controle da matriz energética e da produção da Petrobras, afirma o Sindipetro-ES.
Oscilação de preços
Com a manutenção da PPI, os preços continuarão a oscilar, de acordo com fatores externos, como o preço do barril de petróleo e o dólar. Isso impacta diretamente no consumidor brasileiro e em toda a economia nacional, pesando, inclusive, na inflação.
Perda de tecnologia
A Petrobras é muito mais do que uma produtora de óleo cru, pois foi concebida dentro de uma ideia de soberania. Com isso, a empresa cria tecnologia para áreas diversas, como também tinha parques eólicos, para realizar a transição energética, por exemplo. Com a desestatização, toda essa pesquisa se perde, já que será vendida a terceiros.
Enfraquecimento da economia
Para que uma economia se desenvolva, é preciso de energia suficiente, mais barata para que sejam tocados todos os projetos. No entanto, no Brasil, tem acontecido justamente o contrário: tanto energia elétrica quanto os combustíveis estão sofrendo altos reajustes, inviabilizando a realização de projetos que poderiam impulsionar o crescimento do país. Neste cenário, indústrias que são grandes consumidoras de energia tendem a se afastar, saindo do país, porque sabem que os custos de produção serão bem mais elevados.
Fonte: Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo (Sindipetro-ES)>
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