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Publicado em 25 de setembro de 2025 às 17:39
Após a Justiça acatar denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e determinar o afastamento de quatro vereadores da Câmara Municipal da Serra por suspeita de corrupção passiva, uma dúvida se tornou recorrente: eles serão substituídos por suplentes? O que diz a lei sobre os casos em que a cadeira na Casa de Leis fica vaga por decisão judicial? A reportagem de A Gazeta foi em busca das respostas.>
Embora a Câmara da Serra informe que ainda não foi notificada oficialmente sobre o afastamento, na quarta-feira (24), um dia após a decisão do juiz Gustavo Grillo Ferreira, da 2ª Vara Criminal do município serrano, os vereadores Saulinho Academia (PDT), presidente da Casa; Cleber Serrinha (MDB); Wellington Alemão (Rede); e Teilton Valim (PDT), alvos do pedido de afastamento, já não participaram das atividades legislativas. >
Pelo Regimento Interno, que reúne as normas para o funcionamento da Casa, os suplentes poderiam ser chamados em até três dias úteis, a partir da comunicação oficial da decisão judicial. No entanto, conforme explica o procurador da Câmara, Fernando Dilen, o tema já foi tratado em julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) e o prazo para convocação vai ser maior. >
"As Câmaras de Vereadores e as Assembleias Legislativas devem seguir o entendimento que o afastamento que gera a convocação de suplente deve ser superior a 120 dias. Não obstante o regimento interno, que traz essa questão dos 3 dias, o STF entende que devem ser seguidas as mesmas diretrizes e regras adotadas em âmbito nacional", afirma Fernando Dilen, citando a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.256, do Estado de Rondônia, que trata de perda de mandato em casos de afastamento por tempo indeterminado. >
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Mas, diante da interpretação diversa das normas sobre a convocação, Fernando Dilen reconhece que os suplentes podem até requisitar a ocupação da vaga, ainda que não seja uma decisão judicial definitiva pelo afastamento dos titulares. >
"Ainda não colocamos no papel a questão dos 120 dias, mas estamos construindo o entendimento e, portanto, a convocação dos suplentes não deve ser automática, em três dias. Todavia, cabe sempre recurso, no caso de um suplente se sentir prejudicado", pontua o procurador da Câmara, citando que o regimento não se sobrepõe a um caso julgado pelo STF.>
Veja quem são os suplentes:>
No caso do suplente de Alemão, o partido é diferente porque Psol e Rede compõem uma federação e Dr. Thiago, nessa união partidária, foi o segundo mais bem votado. >
Se a suplência ainda pode causar discussões em torno da convocação, a composição da Mesa Diretora não fugiu à regra estabelecida no regimento. Fernando Dilen conta que chegou a haver cogitação de uma nova eleição, considerando que, dos quatro denunciados, três são membros do grupo, mas o artigo 25 das normas internas refreou as divergências. >
Assim, já na sessão de quarta (24), o primeiro vice-presidente, Dr. William Miranda (União), assumiu interinamente a presidência, no lugar de Saulinho da Academia. Já para os trabalhos de Cleber Serrinha e Wellington Alemão, primeiro e segundo secretários, respectivamente, foi designado o vereador Rafael Estrela do Mar (PSDB), que não compunha a Mesa Diretora. Raphaela Moraes (PP), que não foi alvo da Justiça, permanece na função de vice. O vereador Teilton Valim, entre os denunciados pelo MPES, era o único que não fazia parte do comando da Casa. >
Saulinho da Academia, Cleber Serrinha, Wellington Alemão e Teilton Valim são apontados pelo MPES como integrantes de um esquema de propina, que chegaria a R$ 100 mil, e a Justiça acatou a denúncia contra os quatro por corrupção passiva — crime que se caracteriza quando um agente público solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida em razão do cargo. >
A motivação do suposto esquema seria a aprovação de um projeto de lei encaminhado pela prefeitura em 2024. Dois ex-vereadores, Luiz Carlos Moreira, presidente do MDB na Serra, e Aloísio Ferreira Santana, também são citados como mediadores das negociações irregulares e vão responder à ação por corrupção ativa. >
A reportagem de A Gazeta tenta contato com os acusados e a defesa deles. Nenhum deles se pronunciou até o momento, nem mesmo pelas redes sociais. O espaço segue aberto para manifestações. >
O juiz Gustavo Grillo Ferreira, da 2ª Vara Criminal da Serra, sustenta em sua decisão que os fatos apresentados pelo MPES na denúncia são gravíssimos e estão vinculados, de forma direta, ao exercício do cargo. Por essa razão, o magistrado concluiu pelo afastamento dos vereadores "não só para evitar a reiteração delitiva, como para preservar a ordem pública e a credibilidade da Justiça." >
Na avaliação de Gustavo Grillo, a denúncia apresenta fortes indícios de que as condutas irregulares não iriam parar, caso não houvesse uma medida judicial, como a adotada pelo afastamento, porque são muitas as evidências de que a prática está enraizada no legislativo municipal. >
Gustavo Grillo Ferreira
Juiz da 2ª Vara Criminal da SerraEssa conclusão a que chegou o magistrado foi baseada em captação de áudio atribuída a Saulinho da Academia, conforme transcrito por Gustavo Grillo na sua decisão: >
“O que eu corro atrás aqui é para os vereadores, se eu corro atrás aqui é pra todo mundo”… “Esse empresário, oferecendo a situação para os vereadores e eu comecei a conversar com alguns”... “Moreira, eu fiz um combinado com os vereadores. Eu não vou voltar atrás. O cara deu pra trás. Eu não vou botar projeto, sendo que eu já conversei com alguns, mas, se quiser resolver a situação lá dos cara, eu boto o projeto”… “Mas cadê os cem mil dos caras?”>
Desses trechos de conversa, o juiz disse que não é demais constatar que boa parcela da Câmara "foi cooptada para fins não republicanos, num verdadeiro consórcio criminoso, dando a entender, inclusive, que o denunciado Saulo parece exercer papel central no esquema de favorecimento, até mesmo em razão de ser o presidente da Casa.">
A Justiça determinou o afastamento por tempo indeterminado dos quatro vereadores na terça-feira (23). O juiz Gustavo Grillo acatou denúncia do MPES, após duas tentativas dos parlamentares de formalizar um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) junto ao órgão ministerial. Os pedidos foram negados, o que abriu espaço para a Justiça receber a denúncia de corrupção passiva. >
Na decisão, o magistrado ressalta que a medida é deferida sem prejuízo da remuneração dos vereadores, a não ser que a Câmara delibere de maneira diferente. Durante o afastamento, o juiz Gustavo Grillo aplicou, ainda, as seguintes medidas acessórias:>
A decisão é uma medida cautelar, isto é, preventiva, mas Gustavo Grillo destaca que não configura juízo de condenação ou previsão de culpabilidade definitiva. "Limita-se à proteção do regular desenvolvimento da instrução criminal e ao interesse público em resguardar a higidez do processo legislativo", afirma o magistrado. >
Os vereadores até tentaram um acordo para não ser instaurada a ação penal. Primeiro, diretamente na 8ª promotoria criminal, que ofereceu a denúncia, e, depois, com um pedido de revisão desse posicionamento junto à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), que, na última sexta (19), confirmou a posição do MPES no caso. >
A decisão, segundo o órgão ministerial, foi fundamentada no artigo 28-A do Código de Processo Penal, que exige, além dos objetivos, a presença do requisito subjetivo: garantir que o acordo seja suficiente para a reprovação e prevenção do crime cometido. Nesse caso, a procuradoria concluiu que o benefício não seria adequado, diante da gravidade institucional das condutas, da repercussão coletiva e do risco de reincidência.>
"A análise considerou, ainda, fortes indícios de que os fatos denunciados não se configuram como episódio isolado, mas como práticas reiteradas e planejadas, com registros de situações semelhantes no passado e a possibilidade de novas ocorrências", diz o MPES, em nota. >
O caso gira em torno do Projeto de Lei nº 69/2024, enviado pelo então prefeito da Serra, Sergio Vidigal (PDT), à Câmara, com o objetivo regularizar imóveis urbanos de propriedade do município. O foco do projeto era que pessoas com domínio útil de imóveis da prefeitura pudessem legalizar a posse. Embora não esteja implicado de nenhuma forma na denúncia, Vidigal também foi procurado por A Gazeta para se manifestar, mas não houve retorno.>
Antes de ser aprovado, no entanto, o projeto recebeu duas emendas, inseridas por um dos parlamentares, que ampliavam a lista de imóveis que poderiam ser regularizados. >
Luiz Carlos Moreira é citado pelo MPES como um dos principais interessados no andamento da proposta, que chegou a ser conhecida como “Projeto do Moreira”. >
O projeto começou a tramitar na Câmara em 7 de março de 2024. Em 27 de maio, o plenário aprovou, por 18 votos a 4, um pedido da prefeitura para que a matéria tramitasse em regime de urgência. Essa votação durou um minuto. No mesmo dia, o texto foi aprovado por 19 votos a 3, com uma abstenção, em votação que durou quatro minutos.>
Já em 20 de junho de 2024, o próprio prefeito Vidigal enviou mensagem de veto ao projeto, alegando que as emendas anexadas ao texto estavam em desacordo com princípios constitucionais, como a separação de Poderes e a obrigatoriedade de licitação. Entre elas, estava uma emenda atribuída a Wellington Alemão, que, segundo o MPES, estaria ligada à suposta tentativa dos denunciados de obter vantagens indevidas.>
Ainda conforme o MPES, a apresentação das emendas por Alemão, no mesmo dia da votação, teria despertado suspeitas dos outros vereadores. Em uma reunião horas antes da votação, gravada e usada como prova, os vereadores Saulinho e Cleber questionaram o colega sobre a alteração. >
Nos áudios, segundo a denúncia, o grupo discute se deveria votar ou não o projeto e a emenda, manifestando insatisfação com a “vantagem ilícita oferecida”. Em um dos trechos, transcrito fielmente como fala o interlocutor, a voz atribuída a Cleber diz:>
Cleber da Serrinha, de acordo com denúncia do MPES
VereadorPara o MPES, a fala indica que Alemão teria negociado o recebimento de vantagem para ele mesmo ou para o grupo, e que havia interesse em que essa propina fosse dividida preferencialmente em dinheiro. >
Ainda conforme a denúncia, Alemão, considerado o “porta-voz” do empresário Aloísio Santana, que oferecia o pagamento, explicou que a proposta inicial era de R$ 100 mil, mas que havia sido substituída por um terreno de 6.000 metros quadrados na Praia de Carapebus, também na Serra. Essa mudança teria desagradado os demais vereadores. Apesar disso, a emenda foi aprovada. >
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