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Suplentes de vereadores afastados na Serra podem ser convocados? Entenda

Suplentes de vereadores afastados na Serra podem ser convocados? Entenda

Saiba o que prevê a legislação sobre os casos em que a cadeira na Câmara fica vaga e quem poderá assumir as atividades legislativas

Publicado em 25 de setembro de 2025 às 17:39

Câmara de vereadores da Serra
Câmara da Serra: convocação de suplentes para o lugar de vereadores afastados ainda aguarda definição Crédito: Ricardo Medeiros

Após a Justiça acatar denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e determinar o afastamento de quatro vereadores da Câmara Municipal da Serra por suspeita de corrupção passiva, uma dúvida se tornou recorrente: eles serão substituídos por suplentes? O que diz a lei sobre os casos em que a cadeira na Casa de Leis fica vaga por decisão judicial? A reportagem de A Gazeta foi em busca das respostas.

Embora a Câmara da Serra informe que ainda não foi notificada oficialmente sobre o afastamento, na quarta-feira (24), um dia após a decisão do juiz Gustavo Grillo Ferreira, da 2ª Vara Criminal do município serrano, os vereadores Saulinho Academia (PDT), presidente da Casa; Cleber Serrinha (MDB); Wellington Alemão (Rede); e Teilton Valim (PDT), alvos do pedido de afastamento, já não participaram das atividades legislativas. 

Pelo Regimento Interno, que reúne as normas para o funcionamento da Casa, os suplentes poderiam ser chamados em até três dias úteis, a partir da comunicação oficial da decisão judicial. No entanto, conforme explica o procurador da Câmara, Fernando Dilen, o tema já foi tratado em julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) e o prazo para convocação vai ser maior. 

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Suplentes de vereadores afastados na Serra podem ser convocados? Entenda

"As Câmaras de Vereadores e as Assembleias Legislativas devem seguir o entendimento que o afastamento que gera a convocação de suplente deve ser superior a 120 dias. Não obstante o regimento interno, que traz essa questão dos 3 dias, o STF entende que devem ser seguidas as mesmas diretrizes e regras adotadas em âmbito nacional", afirma Fernando Dilen, citando a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.256, do Estado de Rondônia, que trata de perda de mandato em casos de afastamento por tempo indeterminado. 

Mas, diante da interpretação diversa das normas sobre a convocação, Fernando Dilen reconhece que os suplentes podem até requisitar a ocupação da vaga, ainda que não seja uma decisão judicial definitiva pelo afastamento dos titulares. 

"Ainda não colocamos no papel a questão dos 120 dias, mas estamos construindo o entendimento e, portanto, a convocação dos suplentes não deve ser automática, em três dias. Todavia, cabe sempre recurso, no caso de um suplente se sentir prejudicado", pontua o procurador da Câmara, citando que o regimento não se sobrepõe a um caso julgado pelo STF.

Veja quem são os suplentes:

  • Wilian da Elétrica (PDT) para a vaga de Saulinho da Academia (PDT)
  • Sergio Peixoto (PDT) para substituir Teilton Valim (PDT)
  • Marcelo Leal (MDB) no lugar de Cleber Serrinha (MDB)
  • Dr. Thiago Peixoto (Psol) na suplência de Wellington Alemão (Rede)

No caso do suplente de Alemão, o partido é diferente porque Psol e Rede compõem uma federação e Dr. Thiago, nessa união partidária, foi o segundo mais bem votado. 

Se a suplência ainda pode causar discussões em torno da convocação, a composição da Mesa Diretora não fugiu à regra estabelecida no regimento. Fernando Dilen conta que chegou a haver cogitação de uma nova eleição, considerando que, dos quatro denunciados, três são membros do grupo, mas o artigo 25 das normas internas refreou as divergências. 

Assim, já na sessão de quarta (24), o primeiro vice-presidente, Dr. William Miranda (União), assumiu interinamente a presidência, no lugar de Saulinho da Academia. Já para os trabalhos de Cleber Serrinha e Wellington Alemão, primeiro e segundo secretários, respectivamente, foi designado o vereador Rafael Estrela do Mar (PSDB), que não compunha a Mesa Diretora. Raphaela Moraes (PP), que não foi alvo da Justiça, permanece na função de vice. O vereador Teilton Valim, entre os denunciados pelo MPES, era o único que não fazia parte do comando da Casa.

Propina

Saulinho da Academia, Cleber Serrinha, Wellington Alemão e Teilton Valim são apontados pelo MPES como integrantes de um esquema de propina, que chegaria a R$ 100 mil, e a Justiça acatou a denúncia contra os quatro por corrupção passiva — crime que se caracteriza quando um agente público solicita, recebe ou aceita promessa de vantagem indevida em razão do cargo. 

A motivação do suposto esquema seria a aprovação de um projeto de lei encaminhado pela prefeitura em 2024. Dois ex-vereadores, Luiz Carlos Moreira, presidente do MDB na Serra, e Aloísio Ferreira Santana, também são citados como mediadores das negociações irregulares e vão responder à ação por corrupção ativa. 

A reportagem de A Gazeta tenta contato com os acusados e a defesa deles. Nenhum deles se pronunciou até o momento, nem mesmo pelas redes sociais. O espaço segue aberto para manifestações.

'Consórcio criminoso'

O juiz Gustavo Grillo Ferreira, da 2ª Vara Criminal da Serra, sustenta em sua decisão que os fatos apresentados pelo MPES na denúncia são gravíssimos e estão vinculados, de forma direta, ao exercício do cargo. Por essa razão, o magistrado concluiu pelo afastamento dos vereadores "não só para evitar a reiteração delitiva, como para preservar a ordem pública e a credibilidade da Justiça." 

Na avaliação de Gustavo Grillo, a denúncia apresenta fortes indícios de que as condutas irregulares não iriam parar, caso não houvesse uma medida judicial, como a adotada pelo afastamento, porque são muitas as evidências de que a prática está enraizada no legislativo municipal. 

A bem da verdade, os áudios dão conta da possibilidade, plausível, de haver outros agentes políticos envolvidos, porém não identificados (ainda), podendo dessumir-se que uma significativa parcela dos parlamentares tomaram a casa legislativa local e transformaram a Câmara Municipal de Serra num 'clube de amigos', num verdadeiro 'círculo de comparsas'

Gustavo Grillo Ferreira

Juiz da 2ª Vara Criminal da Serra

Essa conclusão a que chegou o magistrado foi baseada em captação de áudio atribuída a Saulinho da Academia, conforme transcrito por Gustavo Grillo na sua decisão: 

“O que eu corro atrás aqui é para os vereadores, se eu corro atrás aqui é pra todo mundo”… “Esse empresário, oferecendo a situação para os vereadores e eu comecei a conversar com alguns”... “Moreira, eu fiz um combinado com os vereadores. Eu não vou voltar atrás. O cara deu pra trás. Eu não vou botar projeto, sendo que eu já conversei com alguns, mas, se quiser resolver a situação lá dos cara, eu boto o projeto”… “Mas cadê os cem mil dos caras?”

Desses trechos de conversa, o juiz disse que não é demais constatar que boa parcela da Câmara "foi cooptada para fins não republicanos, num verdadeiro consórcio criminoso, dando a entender, inclusive, que o denunciado Saulo parece exercer papel central no esquema de favorecimento, até mesmo em razão de ser o presidente da Casa."

Áudio é usado pelo MPES para denunciar vereadores na Serra por suposto recebimento de propina

Afastamento

A Justiça determinou o afastamento por tempo indeterminado dos quatro vereadores na terça-feira (23). O juiz Gustavo Grillo acatou denúncia do MPES, após duas tentativas dos parlamentares de formalizar um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) junto ao órgão ministerial. Os pedidos foram negados, o que abriu espaço para a Justiça receber a denúncia de corrupção passiva.  

Na decisão, o magistrado ressalta que a medida é deferida sem prejuízo da remuneração dos vereadores, a não ser que a Câmara delibere de maneira diferente. Durante o afastamento, o juiz Gustavo Grillo aplicou, ainda, as seguintes medidas acessórias:

  • proibição de frequentar a sede da Câmara Municipal da Serra e as demais dependências administrativas do Poder Legislativo Municipal;
  • proibição de contato direto ou indireto com os todos os coacusados, bem como com testemunhas arroladas no inquérito/denúncia, salvo quando a comunicação for necessária para o exercício da ampla defesa, mediante prévia autorização da Justiça;
  • proibição de praticar qualquer ato de gestão, ou deliberação em nome da Câmara, ou de utilizar prerrogativas parlamentares que possibilitem a continuidade da execução do alegado ajuste;
  • imediata devolução, se houver, de crachás, senhas, chaves, tokens ou quaisquer elementos de acesso a sistemas operacionais/aplicativos (intranet; sistema legislativo; webmail, dentre outros) que lhes permitam interferir na tramitação de proposições legislativas.
Os vereadores da Serra Saulinho da Academia (PDT), Cleber Serrinha (MDB), Wellington Alemão (Rede) e Teilton Valim (PDT), denunciados pelo MPES por suposto esquema de propina
Saulinho da Academia, Cleber Serrinha, Wellington Alemão e Teilton Valim: acusados de corrupção Crédito: Acervo pessoal/ Instagram

A decisão é uma medida cautelar, isto é, preventiva, mas Gustavo Grillo destaca que não configura juízo de condenação ou previsão de culpabilidade definitiva. "Limita-se à proteção do regular desenvolvimento da instrução criminal e ao interesse público em resguardar a higidez do processo legislativo", afirma o magistrado. 

Ação Penal

Os vereadores até tentaram um acordo para não ser instaurada a ação penal. Primeiro, diretamente na 8ª promotoria criminal, que ofereceu a denúncia, e, depois, com um pedido de revisão desse posicionamento junto à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), que, na última sexta (19), confirmou a posição do MPES no caso. 

A decisão, segundo o órgão ministerial, foi fundamentada no artigo 28-A do Código de Processo Penal, que exige, além dos objetivos, a presença do requisito subjetivo: garantir que o acordo seja suficiente para a reprovação e prevenção do crime cometido. Nesse caso, a procuradoria concluiu que o benefício não seria adequado, diante da gravidade institucional das condutas, da repercussão coletiva e do risco de reincidência.

"A análise considerou, ainda, fortes indícios de que os fatos denunciados não se configuram como episódio isolado, mas como práticas reiteradas e planejadas, com registros de situações semelhantes no passado e a possibilidade de novas ocorrências", diz o MPES, em nota. 

Entenda a denúncia

O caso gira em torno do Projeto de Lei nº 69/2024, enviado pelo então prefeito da Serra, Sergio Vidigal (PDT), à Câmara, com o objetivo regularizar imóveis urbanos de propriedade do município. O foco do projeto era que pessoas com domínio útil de imóveis da prefeitura pudessem legalizar a posse. Embora não esteja implicado de nenhuma forma na denúncia, Vidigal também foi procurado por A Gazeta para se manifestar, mas não houve retorno.

Antes de ser aprovado, no entanto, o projeto recebeu duas emendas, inseridas por um dos parlamentares, que ampliavam a lista de imóveis que poderiam ser regularizados. 

Luiz Carlos Moreira é citado pelo MPES como um dos principais interessados no andamento da proposta, que chegou a ser conhecida como “Projeto do Moreira”. 

Ministério Público denunciou e pediu afastamento de vereadores
Ex-vereador Luiz Carlos Moreira é citado em denúncia Crédito: Reprodução

O projeto começou a tramitar na Câmara em 7 de março de 2024. Em 27 de maio, o plenário aprovou, por 18 votos a 4, um pedido da prefeitura para que a matéria tramitasse em regime de urgência. Essa votação durou um minuto. No mesmo dia, o texto foi aprovado por 19 votos a 3, com uma abstenção, em votação que durou quatro minutos.

Já em 20 de junho de 2024, o próprio prefeito Vidigal enviou mensagem de veto ao projeto, alegando que as emendas anexadas ao texto estavam em desacordo com princípios constitucionais, como a separação de Poderes e a obrigatoriedade de licitação. Entre elas, estava uma emenda atribuída a Wellington Alemão, que, segundo o MPES, estaria ligada à suposta tentativa dos denunciados de obter vantagens indevidas.

Negociação foi gravada

Ainda conforme o MPES, a apresentação das emendas por Alemão, no mesmo dia da votação, teria despertado suspeitas dos outros vereadores. Em uma reunião horas antes da votação, gravada e usada como prova, os vereadores Saulinho e Cleber questionaram o colega sobre a alteração.

Nos áudios, segundo a denúncia, o grupo discute se deveria votar ou não o projeto e a emenda, manifestando insatisfação com a “vantagem ilícita oferecida”. Em um dos trechos, transcrito fielmente como fala o interlocutor, a voz atribuída a Cleber diz:

Você chegou com uma 'emendazinha' aí e a gente tá sabendo o seguinte, e esse mesmo cara que você conversou, que iria dar uma situação para a galera aí, o cara recuou e você meteu uma emenda. Aí a gente quer saber o que que tem nessa emenda aí pros vereador votar não ter problema, mas é o miguelai (sic) cair pra todo mundo.

Cleber da Serrinha, de acordo com denúncia do MPES

Vereador

Para o MPES, a fala indica que Alemão teria negociado o recebimento de vantagem para ele mesmo ou para o grupo, e que havia interesse em que essa propina fosse dividida preferencialmente em dinheiro.

Ainda conforme a denúncia, Alemão, considerado o “porta-voz” do empresário Aloísio Santana, que oferecia o pagamento, explicou que a proposta inicial era de R$ 100 mil, mas que havia sido substituída por um terreno de 6.000 metros quadrados na Praia de Carapebus, também na Serra. Essa mudança teria desagradado os demais vereadores. Apesar disso, a emenda foi aprovada. 

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