Depois que o site The Intercept publicou mensagens trocadas via aplicativo entre o então juiz federal Sergio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, muitas são as questões no ar. O Gazeta Online ouviu três especialistas em Direito sobre o assunto. Em alguns pontos, eles divergem.
Nas conversas, Moro, de acordo com o Intercept, orienta o procurador - a acusação - sobre como proceder em determinados momentos da Lava Jato. O magistrado deve ser imparcial ao julgar.
Processos da Operação Lava Jato podem ser anulados? Ou a condenação do ex-presidente Lula pode ser revertida?
Para o doutor em Direito e Garantias Fundamentais Cláudio Colnago, considerando o que foi divulgado até agora, "juridicamente isso não vai levar a nenhuma consequência".
"É prova ilícita porque a princípio nenhuma das partes da conversa anuiu. A fim de utilização como prova é ilícita porque é decorrente, aparentemente, de interceptação sem autorização judicial", afirma Colnago.
Mestre e doutorando em Direito, Caleb Salomão não acredita que o Judiciário vá anular processos: "O Supremo Tribunal Federal e outros tribunais ficaram reféns da Lava Jato quando passaram a acobertar abusos de poder do juiz Moro. No afã de punir os corruptos o Judiciário cometeu abusos e deixou vingar a tese, por exemplo, de que é possível prender o condenado após a segunda instância, contrariando a Constituição e o Código de Processo Penal. Essa índole malemolente vai prevalecer agora".
Já o professor, jurista e advogado Lenio Luiz Streck acredita que o caso pode mudar o destino do ex-presidente. "Prova ilícita não serve para condenar, mas serve para absolver. É como se um diretor de presídio ilegalmente abrisse as correspondências dos apenados e numa dessas cartas que ele abre clandestinamente ele descobre que um apenado está dizendo à mãe que um outro lá está preso injustamente, 'Não foi ele, fui eu que matei'. A prova é ilícita, mas serve para absolver o inocente. Só não serve para condenar o outro", exemplifica.
Foi errado o que Moro e Deltan fizeram, ao tratar entre si da condução da operação?
"A opção do sistema brasileiro é pelo sistema acusatório. A entidade do Estado acusa, formula uma acusação, dirige ao juiz a acusação e o juiz chama o acusado para se defender. O juiz é um árbitro desses conflitos. O Moro orientou o Dallagnol. Os juízes têm contato com as partes, advogado, promotor. Posso ir ao gabinete de um desembargador, de um juiz, ministro, vou levar minha tese ali. Outra cosia é eu trocar impressões e estratégias do processo. Isso é altamente censurável ética e juridicamente", define Caleb Salomão.
Colnago, por sua vez, avalia que a conduta dos dois foi "distante da ideal", mas não grave. "É uma conduta distante da ideal um relacionamento próximo entre o juiz que tem que autorizar as investigações e o Ministério Público. Mas houve quebra da imparcialidade das decisões? Não vejo como. Não me pareceu comprometida a imparcialidade do julgador", sustenta.
"A quem acha que isso (o teor das conversas entre Moro e Dallagnol) é normal é só perguntar se em lugar do Dallagnol você colocasse o Zanin, advogado do Lula. E o Moro desse dicas para o Zanin e isso viesse a absolver o Lula. As pessoas não dariam importância? O juiz, de acordo com o Código de Processo Penal, não pode aconselhar nenhuma das partes", ressalta Streck.
Qual outra consequência pode ter a divulgação dessas conversas?
"Muito se coloca a necessidade do juiz de instrução, que há em alguns países da Europa. O juiz que autoriza as medidas de investigação não é o mesmo que julga o processo. Não que eu entenda que tenha havido qualquer imparcialidade (no caso Moro e Dallagnol), mas do ponto de vista macro é interessante que não haja esse contato prévio do juiz com a prova. Pode-se formar convicções antes de a defesa se manifestar. E aí podemos tirar uma tentativa de um processo penal com mecanismos que possibilitem maior distanciamento entre a figura do magistrado e do Ministério Público. Assim como em 2014 o vazamento do caso Snowden contribuiu para aprovar o marco civil da internet", sugere Cláudio Colnago.
Sergio Moro, agora ex-juiz, deveria se afastar - ou ser afastado - do comando do Ministério da Justiça, que controla a Polícia Federal?
"Tem gente falando em afastamento do ministro para que a Polícia Federal faça uma apuração sobre o caso. É um erro", diz Cláudio Colnago. "A PF não pode apurar nada, se a prova é ilícita, a PF não pode iniciar apuração com base nela."
"Quem decide sobre afastamento ou não é o presidente da República. É uma questão governamental, ele pode continuar lá. Moro agora é ministro. Coisa estarrecedora é um juiz dizer a um procurador o que deve fazer. E o procurador aceitar isso", alfineta Lenio Streck. "Fui promotor durante 28 anos e nunca um juiz teve coragem de me dizer como eu deveria agir."
E Deltan Dallagnol pode sofrer alguma punição? O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) já abriu procedimento a respeito.
"Certamente o CNMP vai dar alguma resposta à sociedade. Punição não creio. Mas seria razoável imaginar que essa prática não é aceitável e que é preciso que se faça um rearranjo. Deltan deixar de ser o coordenador da força-tarefa, por exemplo", imagina Caleb Salomão.
"Tem duas hipóteses de como esses dados caíram na mão do Intercept: uma, um hacker; outra, um X-9, alguém de dentro. Se foi um hacker, a prova toda é ilegal, não pode atingir o pessoal aí, o Dallagnol etc, mas isso não significa que não possa beneficiar o Lula. Mas se for decorrente de um X-9 é legal, aí o Dallagnol pode sofrer punição", diz Streck.
O Intercept pode publicar conversas vazadas ilegalmente?
"Não se questiona o direito de a imprensa publicar, o sigilo da fonte é garantido", responde Cláudio Colnago. "Jornalista está aí para isso. Se a informação é fidedigna, ele publica", reforça Salomão.
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