Publicado em 27 de setembro de 2019 às 02:07
Associações que representam magistrados, membros do Ministério Público e policiais federais avaliam que os vetos do presidente ao projeto de lei do abuso de autoridade a dispositivos em 19 artigos atenderam, em parte, as categorias, mas o texto ainda gera preocupação.>
Para o presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público, Pedro Ivo de Sousa, o trecho sancionado que estabelece que é abuso instaurar investigação "sem qualquer indício da prática de crime" e o que faz o mesmo em relação a "estender injustificadamente a investigação" são muito subjetivos.>
Ele não descarta que os membros, representados pela associação nacional, ingressem na Justiça questionando esses artigos. Por outro lado, avalia que o veto ao artigo 43, o que considerava crime ferir prerrogativa de advogado, era um dos "pontos sensíveis" e que acabaram vetados.>
>
"Dentre os itens retirados do texto, o art. 43 era um dos mais problemáticos, uma vez que criminalizava a violação de prerrogativas, sem considerar os mecanismos legais já existentes, dando um tratamento único e privilegiado aos advogados", avaliou, por meio de nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Dos oito vetos solicitados pela Ajufe, quatro foram atendidos. >
ALGEMAS>
O presidente da Associação dos Policias Federais no Espírito Santo, Marcus Firme, diz que esperava o veto total ao projeto, mas que com os 19 vetos "já melhora bastante".>
"Na questão do uso das algemas, por exemplo. A algema envolve o policial num momento crucial da prisão, mas outros vetos também foram importantes". Da forma como o Congresso aprovou, policiais que algemassem presos que não oferecessem resistência poderiam ser enquadrados na lei. Bolsonaro vetou.>
O presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), Daniel Peçanha, disse que também tinha esperança do veto total, como Firme. "Mas, vi que o presidente acolheu diversos reclames da magistratura, evitando um imenso enfraquecimento dos órgãos que combatem à criminalidade.">
Já o advogado Ludgero Liberato avalia que, entre o foi vetado, o principal ponto é o dispositivo que criminalizava a decretação de prisão quando "manifestamente" incabível. Mas para ele a discussão sobre o tema foi "praticamente inútil".>
"Porque quando se cria um crime de abuso de autoridade contra um magistrado quem deve acusá-lo é um procurador e quem recebe essa denúncia e quem torna o investigado em réu é o tribunal no qual o magistrado tem foro. Eu não via nem o risco de se criminalizar a atividade da magistratura e também não via qual o benefício desse dispositivo, como isso seria capaz de reduzir as prisões incabíveis.">
Já a carteirada, enquadrada como abuso de autoridade pelo Congresso, foi assim mantida pelo presidente. Quem "se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido" pode pegar de seis meses a dois anos de detenção e multa. >
PUNIÇÕES>
As punições previstas na lei de abuso de autoridade sancionada pelo presidente são brandas "pequenas ou médias, em sua maioria", pontou o advogado. Mesmo que membros do MP, do Judiciário ou policiais sejam enquadrados, não vão resultar em prisão e tampouco em julgamento.>
"Pena máxima de dois anos vai para o Juizado Especial e pode ser encerrado com transação penal. Todos os casos em que a pena mínima for menor ou igual a um ano cabe a suspensão condicional do processo, que é uma espécie de acordo. Muitas dessas coisas não chegarão a ser julgadas, poderão ser resolvidas em âmbito negocial com o Ministério Público.">
Ainda assim, as penas, prossegue Ludgero, são um tanto mais severas do que as da lei anterior de abuso de autoridade, que agora fica revogada. Mas em um ponto o texto atual é ainda mais brando: "Antes, o ponto mais temido pelos servidores na lei de abuso de autoridade era a possibilidade de perda do cargo. Agora, a perda do cargo ocorre somente em caso de reincidência.">
O QUE FOI VETADO POR BOLSONARO>
Queixa>
Artigo que estabelece que os casos de abuso de autoridade são de ação penal pública incondicionada, ou seja, a denúncia independe da vítima prestar queixa, devendo ser assumida pelo Ministério Público mesmo que a pessoa alvo do abuso não queira dar prosseguimento ao caso.>
Função policial>
Ponto que prevê como pena a proibição de exercer, por um a três anos, funções de natureza policial ou militar no município que tiver sido praticado o crime e naquele em que residir e trabalhar a vítima>
Desconformidade com a lei>
Punição ao juiz que mandar prender em manifesta desconformidade com a lei ou deixar de soltar ou substituir prisão preventiva por medida cautelar quando a lei permitir>
Sem flagrante>
Punição para quem prender ou executar busca e apreensão sem condição de flagrante e sem mandado judicial>
Constrangimento>
Punição para quem constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro>
Fotos sem consentimento>
Punição para quem fotografar ou permitir que o preso seja fotografado ou filmado sem o seu consentimento>
Silêncio>
Punição para quem continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado sem que este esteja presente>
Sem identificação>
Punição para quem não se identificar ou fornecer identificação falsa para o preso no momento da prisão>
Algemas>
Punição para a autoridade que usar algemas em quem não resista à prisão, não ameace fugir ou represente risco à sua própria integridade física ou à dos demais>
Entrevista com advogado>
Punição para quem impedir a entrevista do preso com seu advogado>
Exposição>
Punição para quem extrapola os limites do mandado judicial e mobiliza agentes, veículos e armamentos de forma extensiva para expor o investigado a vexame durante ação de busca e apreensão>
Instigar flagrante>
Punição para quem induzir ou instigar alguém a praticar infração para capturá-lo em flagrante>
Omissão de informação>
Punição para quem omite informação juridicamente relevante e não sigilosa com o intuito de prejudicar um investigado>
Sem justa causa>
Punição para quem dá início a processo ou investigação sem justa causa e contra quem se sabe inocente>
Negação de acesso aos autos>
Punição para quem nega ao investigado ou à sua defesa acessos aos autos de qualquer procedimento de investigação salvo situações em que o sigilo é imprescindível para a apuração em curso>
Erro em processo>
Punição para quem, tendo conhecimento de um erro em um processo, deixar de corrigi-lo>
Manifestação>
Punição para quem coibir, impedir ou dificultar sem justa causa a associação ou reunião pacífica de pessoas (caso de uma manifestação sem violência, por exemplo)>
Meio de comunicação>
Punição para a autoridade que atribuir culpa a alguém em qualquer meio de comunicação, inclusive redes sociais, sem que as apurações tenham sido finalizadas e a acusação tenha sido formalizada>
Prerrogativas do advogado>
Artigo que criminaliza a violação das seguintes prerrogativas do advogado asseguradas em lei:>
1) inviolabilidade do escritório ou local de trabalho, instrumentos de trabalho, correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática relativas ao exercício da advocacia;>
2) comunicação com clientes de forma reservada quando estes forem presos, em estabelecimento civil ou militar, mesmo que sejam considerados incomunicáveis;>
3) ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta