Publicado em 6 de setembro de 2020 às 13:41
Contrariando a tradição de uma eleição voltada a temas locais, candidatos bolsonaristas que estão na disputa por prefeituras ou por uma cadeira de vereador devem apostar nos discursos da pauta conservadora, da segurança pública e de defesa da postura de Jair Bolsonaro (sem partido) durante a pandemia de Covid-19. Seria uma estratégia para se associar ao presidente, apesar de Bolsonaro não ser unanimidade, e tentar se eleger.>
Muitos almejam ter o selo de "candidato do Bolsonaro" nas cidades, embora o chefe do Executivo federal tenha dito que não quer se envolver no primeiro turno das eleições municipais, mesmo com a pressão que recebe de aliados. Em muitas cidades, há um número expressivo de pré-candidatos no campo da direita e da centro-direita, que é por onde transita o bolsonarismo. >
Os nomes que pretendem se alicerçar no bolsonarismo estão distribuídos em diversas agremiações, principalmente no PTB, Republicanos, PRTB, Patriota, PL e também no PSL, partido pelo qual o presidente se elegeu. Após romper com a sigla e tentar, sem sucesso, de tirar uma agremiação própria do papel a Aliança pelo Brasil , ele permanece sem partido.>
Mesmo sabendo que é improvável ter o apoio declarado de Bolsonaro, os candidatos querem votos de quem elegeu o presidente em 2018. Na última eleição, Bolsonaro foi o mais votado no Espírito Santo, e com boa margem, nos dois turnos. >
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Especialistas avaliam que a construção de imagem vinculada ao presidente pode encontrar apelo entre o eleitorado, embora muitos dos temas explorados pelo bolsonarismo não sejam de competência municipal, e sim federal. No entanto, só as urnas darão a resposta se tais pautas do conservadorismo vão se sobrepor a demandas mais próximas da população, como atendimento médico, vagas em creches, pavimentação de ruas, entre outras.>
Além dos temas, a forma de fazer campanha nas redes sociais adotada pelo presidente e seus apoiadores, como a distribuição de conteúdos muitas vezes enganosos ou de desinformação em plataformas como o WhatsApp, e a participação em massa em discussões, com comentários nas redes e impulsionamento de publicações de bolsonaristas, também deve ser adotada por aqueles que querem ser os "candidatos do presidente".>
A falta de filiação partidária de Bolsonaro não será capaz de atrapalhar tanto os candidatos que queiram se colocar como seguidores do presidente na eleição, já que o bolsonarismo não é um fenômeno partidário, ao contrário do lulismo , na avaliação do doutor em Sociologia e professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufes Igor Suzano Machado.>
Embora em 2018 a simbologia do número 17, do PSL, possa ter ajudado alguns candidatos e o uso da máquina partidária ainda consiga impulsionar determinados políticos, o modo de agir do bolsonarismo pode ser classificado como populismo de extrema-direita, utilizando-se dos discursos de ordem, repressão, moralidade, de uma agenda de costumes conservadora, e algumas pautas do liberalismo econômico, segundo o professor. >
Tudo isso apostando nas novas tecnologias, na comunicação direta com o público, ou por canais de sites e blogueiros específicos. "A postura de Bolsonaro é a de estar sempre buscando um antagonismo entre o povo e os inimigos do povo, sendo que ele é quem se coloca para falar em nome desse povo, de suas insatisfações. Muitos políticos devem tentar replicar essa imagem", acredita Machado.>
Outros símbolos do discurso também podem estar presentes, como o verde e amarelo, a militarização e o uso de símbolos nacionais, da pátria.>
O professor capixaba que atua na Universidade de Virgínia e especialista em antropologia da informática e etnografia, David Nemer, espera que o modo de ação dos bolsonaristas nas eleições de 2020 seja semelhante ao de 2018, mas de forma descentralizada. >
"A forma como o discurso estará materializado vai depender muito de como grupos ou políticos regionais adaptarão para a realidade local. No Espírito Santo, houve a suspeita de replicar o gabinete do ódio, no qual o discurso do Bolsonaro se materializa através de memes, mídia de fake news. Outro sinal disso é o número de recorde de policiais que devem ser candidatos, reforçando a pauta da lei e ordem", afirma.>
Ele também avalia que muitos eleitores não se engajam na política de realidade e sim na política de identidade. "Ou seja, você não quer saber se a proposta é boa ou mais eficiente. Você vai votar no bolsonarismo porque é com ele que a sua identidade se relaciona. Por isso que os políticos podem falar sobre aborto, drogas, pedofilia, mesmo que não tenham poder nas decisões locais", explica. >
Doutorando em Antropologia Social, com estudos sobre movimentos conservadores, Lucas Bulgarelli complementa que as eleições municipais podem fazer com que haja a criação de novos quadros regionais e locais que replicam o bolsonarismo. >
"Os posicionamentos de Bolsonaro e alguns de seus ministros, como a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, fez surgir vários militantes locais nesta mesma linha, que tentaram criar políticas sobre ideologia de gênero, escola sem partido. E já vimos tentativas de implantar localmente essas ideias, em políticas públicas. Então por mais que o bolsonarismo tenha a maior parte das pautas nacionais, é possível haver a municipalização", explica.>
Entre os apoiadores do presidente, é possível que nas eleições municipais haja uma separação entre o chamado eleitorado "conservador ideológico", e os "conservadores não-ideológicos", que são os que rejeitam a esquerda, mas podem ser atraídos por candidatos de discurso mais pragmático. >
Esses guardam mais relação com questões da cidade e fenômenos específicos de bairros mais tradicionais do que com ideologias de direita e não seriam tão influenciados pelo bolsonarismo, segundo os especialistas.>
Para o doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Juliano Corbellini, o desempenho da economia tem um peso forte na eleição municipal, assim como tem na nacional, especialmente neste contexto de pandemia, em que aumentou o desemprego e caiu a renda da população. Ele também acredita que possa haver um pouco de ressaca, ou uma força residual, mas ainda importante, do antipetismo.>
"Sempre há uma proeminência da pauta municipal, mas estas eleições sinalizam o ambiente da opinião pública com vistas à eleição nacional. Nas municipais de 2000 era possível antever a vitória do PT em 2002. Nas municipais de 2016 se vislumbrou a onda antipolítica que culmina com a vitória do Bolsonaro em 2018. Então estas eleições serão um termômetro para 2022", avalia.>
"Uma safra de prefeitos eleitos com base na chamada nova política ou na antipolítica em 2016 serão julgados nas urnas. Cidades como o Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por exemplo, onde prefeitos se elegeram com discurso de critica à política tradicional. Agora serão avaliados com base na sua capacidade administrativa", acrescentou.>
O professor David Nemer avalia que o bolsonarismo ainda pode vir forte, pois sua mensagem ainda comove muitas pessoas e porque mesmo os últimos escândalos da família Bolsonaro não abalaram o núcleo duro, dos cerca de 30% da população que o defendem. A performance dele de pessoa moderada, investindo em presença maior no Nordeste, e defendendo um programa de renda básica, tem o ajudado a crescer na aprovação. >
"Até mesmo o posicionamento dele na pandemia é defendido por esta parcela de pessoas. Apesar de ser visto por parte de seu eleitorado como insensível em relação às mortes por Covid-19, ele conseguiu sensibilizar um grupo sobre a dicotomia entre combater a pandemia e preservar a economia", analisa.>
"Para a população mais empobrecida, o isolamento social é um privilegio da classe média alta. As pessoas estão com medo da fome e do desemprego e veem que Bolsonaro positivamente por conceder o auxílio de R$ 600 porque as deixou voltar a trabalhar.">
Alvo de assédio de pré-candidatos a prefeito e a vereador identificados com o bolsonarismo para declarar seu apoio nas disputas eleitorais deste ano, Bolsonaro tem avisado que não deve se envolver com as campanhas no primeiro turno. Com a extensa programação de viagens do presidente pelo país, assessores do Palácio do Planalto tentam evitar que as visitas sejam usadas como palanques para políticos locais. >
Segundo informações do Estadão, a orientação da equipe presidencial é ter atenção redobrada com o que chamam de "oportunistas eleitorais", evitando que Bolsonaro apareça em fotos e vídeos que possam ser apresentados à população como um endosso a determinado candidato. Por outro lado, o presidente, que já mira uma reeleição, não pode correr o risco de desagradar apoiadores.>
A decisão de Bolsonaro de não mergulhar em disputas municipais é baseada no cálculo político de que a derrota de um apadrinhado possa ser debitada de sua conta como uma rejeição a ele. O chefe do Executivo também quer evitar o que ocorreu nas eleições de 2018, quando diversos deputados e senadores se elegeram com a bandeira do bolsonarismo, mas depois romperam com o governo.>
A apoiadores que lhe pedem para gravar declarações favoráveis a algum candidato, o presidente tem dito que poderá entrar na campanha apenas no segundo turno. >
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