O ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (PSD) lança, no próximo dia 19, seu quarto livro. Intitulada de "A política em tempos de grandes mudanças", a obra reúne a íntegra de 34 artigos assinados pelo ex-mandatário capixaba e publicados em diversos veículos de comunicação do país.
Em um escritório na Enseada do Suá, em Vitória, na última sexta-feira (1), Hartung conversou com a reportagem de A Gazeta sobre parte dos temas tratados em seus artigos escritos ao longo dos últimos quatro anos. Ele também repercutiu o cenário político-econômico atual, no Brasil e no Espírito Santo.
Filiado ao PSD neste ano, após cinco anos sem partido, o político respondeu sobre seus planos para a eleição de 2026, uma vez que é apontado como um dos possíveis candidatos ao Senado Federal. Embora não tenha definido ainda seu futuro, não descarta incluir nos seus planos concorrer até a Presidência da República. Confira a entrevista abaixo:
O senhor lança no próximo dia 19 o livro "A Política no Tempo de Grandes Mudanças". Gostaria de começar perguntando como a instabilidade descrita por Zygmunt Bauman [sociólogo e filósofo polonês] e citada no livro do senhor, manifesta-se na polarização e na ansiedade da política brasileira atual?
A polarização é algo normal em uma democracia. É natural existirem dois, três ou mais lados disputando o poder e debatendo ideias. O problema surge quando essa polarização se radicaliza, um fenômeno que não é exclusivo do Brasil. Vemos situações semelhantes em países como os Estados Unidos e em várias nações europeias.
Essa radicalização está profundamente ligada às transformações tecnológicas, principalmente à digitalização e ao papel das redes sociais. Diante desse cenário, é importante olharmos para a história e lembrarmos que já enfrentamos períodos de forte polarização e radicalismo antes, e conseguimos superá-los. Existem lições valiosas nesses momentos que podem nos ajudar a lidar com os desafios atuais.
E qual deve ser o posicionamento das lideranças do país diante desse cenário de polarização e radicalismo?
Lideranças responsáveis têm o papel de zelar para que os valores fundamentais, construídos ao longo da história da humanidade, não se percam. A democracia, por exemplo, é uma conquista civilizatória. Tanto ela quanto os valores republicanos são pilares que precisam ser preservados e fortalecidos, especialmente em tempos de polarização e radicalismo.
De que maneira os avanços tecnológicos podem ser usados em favor do fortalecimento da democracia e dos valores republicanos citados pelo senhor?
Os avanços tecnológicos podem — e devem — ser usados para incluir mais pessoas no processo de fortalecimento da democracia e dos valores humanos. O ciclo recente de globalização é um bom exemplo. Apesar de seus defeitos, ele teve méritos importantes: ampliou o acesso a oportunidades e tirou milhões de pessoas da pobreza em diversas partes do mundo.
Da mesma forma, a tecnologia pode ser uma ferramenta poderosa para ampliar a participação cidadã e promover a inclusão social, reforçando os pilares democráticos e republicanos.
Voltando ao tema da polarização, hoje vemos o debate político acontecendo cada vez mais distante e fora do campo das ideias, inclusive com uma crise tarifária entre Brasil e Estados Unidos escalonando muito em função disso. O senhor acha que, nesse ponto, o país vive um retrocesso?
Hoje, enfrentamos uma polarização radicalizada que representa um retrocesso. O protecionismo, por exemplo, que muitas vezes surge como uma tentativa de "resolver problemas internos", pode ir na contramão da evolução civilizatória, pois limita as possibilidades de desenvolvimento econômico e social. Se conseguirmos evitar essas disputas equivocadas, poderemos avançar.
A história da diplomacia brasileira mostra que, quando ela funciona bem, não está alinhada a um único bloco ou país, mas mantém uma postura independente, dialogando com diferentes atores. — A, B, C, D e assim por diante. Essa independência é um papel valioso para um país em desenvolvimento como o Brasil.
É nesse contexto que ocorre o que o senhor chama de "solução imediata sem resultados de longo de prazo para problemas históricos" do país?
Exatamente! Quando se busca o protecionismo, na verdade, está se tentando resolver um problema no curto prazo. Essa abordagem não leva em conta uma visão de médio e longo prazo, fundamentais para pensar e agir de forma eficaz no mundo complexo em que vivemos.
Nos artigos publicados pelo senhor ao longo desses anos, é muito presente a defesa da modernização das gestões. O senhor cita até a necessidade de "reforma no RH público". Como avalia as duas gestões [dois últimos governos] do país?
As duas gestões fracassaram significativamente nesse aspecto, embora o país, como costumo dizer, tenha progredido em vários outros setores recentemente. Minha avaliação é clara: temos profissionais qualificados — e uso até uma expressão popular para enfatizar — "para dar de pau", mas os incentivos estão equivocados.
Por exemplo, progressões e promoções na carreira baseadas apenas no tempo de serviço são um erro, pois tratam da mesma forma quem se dedica e quem não se dedica. Com esse tipo de critério, uma instituição não pode crescer.
E qual seria o caminho certo a ser seguido, nesse caso?
O caminho correto é implementar uma reforma no RH do setor público, que injete estímulos para os bons funcionários — aqueles que realmente querem se dedicar e trabalhar duro. É fundamental criar incentivos claros, como na iniciativa privada. Se o setor público for modernizado dessa forma, ele pode melhorar significativamente a produtividade da economia brasileira, que é um dos principais desafios do país.
Como ex-governador do Espírito Santo, qual dever de casa não tem sido cumprido pelo Estado e que se resolvido com base na agenda proposta pelo senhor no seu livro e nos artigos, poderia servir de modelo para o Brasil?
O principal dever de casa que ainda não foi cumprido é olhar para o futuro. Essa é uma tarefa fundamental. Em uma entrevista recente, mencionei a velha máxima: "pai rico, filho nobre, neto pobre". Ela ilustra bem o que acontece quando não se planeja o amanhã.
Quem não olha para o futuro acaba construindo uma história de fracasso. É isso que está faltando: levantar a cabeça e enxergar o que vem pela frente. O que funciona hoje pode não funcionar amanhã. Por isso, é essencial pensar o futuro com responsabilidade e visão estratégica.
Teremos eleição no próximo ano. O momento é visto como a oportunidade para promover renovação nas lideranças que hoje comandam o país e também o Estado. Qual caminho deve ser trilhado para que essa renovação aconteça na opinião do senhor?
Precisamos, sim, de sangue novo na política brasileira, na política capixaba e em todos os níveis de governo. A permanência de um mesmo grupo por muito tempo no poder leva ao que eu chamo de “fadiga de material” — uma expressão da física que também se aplica bem à política e à administração pública.
Com o tempo, o setor público deixa de cumprir seu papel de olhar para o conjunto da sociedade e passa a funcionar como um “condomínio de poder”, no qual os interesses passam a ser mais privados do que públicos. A renovação é necessária justamente para recuperar esse compromisso com o bem coletivo e reconectar o poder com as reais necessidades da população.
Falando das possibilidades do cenário político para 2026, o senhor pode compor o cenário eleitoral no que vem?
Passei muito tempo sem partido, o que me impossibilitou de participar do cenário eleitoral. Agora, filiado, posso compor esse cenário tanto em âmbito nacional quanto estadual, inclusive com participação na eleição presidencial. (Ao tirar uma foto logo após a entrevista, PH disse: "Vai que viro presidente da República").
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