> >
Armandinho Fontoura é condenado por coagir juíza e promotor no ES

Armandinho Fontoura é condenado por coagir juíza e promotor no ES

Vereador de Vitória foi condenado, em primeira instância, a 3 anos e 3 meses de reclusão, além do pagamento de 26 dias-multas; decisão judicial "apresenta contradições evidentes em relação aos fatos apurados", diz nota enviada pela defesa

Publicado em 24 de junho de 2025 às 17:31

Armandinho Fontoura, vereador de Vitória
Armandinho Fontoura teve condenação proferida pela Justiça estadual Crédito: Instagram/Reprodução

 O vereador Armandinho Fontoura (PL), da Câmara de Vitória, foi condenado, em primeira instância, a 3 anos e 3 meses de reclusão, além do pagamento de 26 dias-multas pela Justiça do Espírito Santo. Ele é acusado de coação contra a juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) Gisele de Souza Oliveira e o promotor Rafael Calhau, do Ministério Público Estadual (MPES). 

Na mesma ação, o jornalista Jackson Rangel foi condenado a um ano e seis meses de reclusão, bem como ao pagamento de 12 dias-multas, por ataques promovidos contra a magistrada em publicações feitas no jornal digital de sua propriedade. Ambos os réus devem começar o cumprimento das penas em regime aberto. Eles ainda podem recorrer da sentença do juiz Luiz Guilherme Risso, da 2ª Vara Criminal de Vitória.

A sentença ainda condena Armandinho Fontoura e Jackson Rangel a pagar, solidariamente, multa de R$ 5 mil a título de reparação aos danos morais causados à juíza e ao promotor de Justiça. A defesa dos réus foi procurada. Por nota, o vereador afirmou que a decisão judicial "apresenta contradições evidentes em relação aos fatos apurados". Ele ainda reitera a confiança no sistema judicial brasileiro. "Acredito que essas inconsistências serão revisadas, seja pelo magistrado responsável, seja pelo Tribunal de Justiça", diz.   Confira a íntegra da nota no final da matéria.

Já a defesa do jornalista não foi localizada.  Em caso de retorno aos contatos feitos pela reportagem nesta terça-feira (24), este texto será atualizado. 

Conforme o processo, que tramita em segredo de justiça e ao qual a reportagem de A Gazeta teve acesso, Armandinho, em junho de 2022, quando presidia uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Vitória contra a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), teria dirigido ataques diretos à juíza Gisele Souza de Oliveira, titular da 4ª Vara Criminal da Capital.

Durante uma de suas falas no colegiado, Armandinho teria afirmado, em reunião transmitida ao vivo pelo canal da Casa de Leis no YouTube, que os atos processuais referentes à CPI da Cesan não poderiam ir para a 4ª  Vara Criminal. Isso porque, segundo ele, a juíza decidiria de maneira a favorecer interessados no não prosseguimento das investigações contra a empresa de abastecimento de água.

"Só não pode cair na 4ª Vara, porque, se cair, já sabe né. Ali a decisão é Ctrl C + Ctrl V. Que nós já fizemos inclusive uma reclamação ao presidente do Tribunal de Justiça para acabar com essa pouca vergonha, com essa fraude na distribuição", teria dito Armandinho durante reunião da CPI da Cesan, em junho de 2022, segundo o processo.

Em sua fala, o parlamentar se referia a pedidos de habeas corpus que haviam sido ajuizados por pessoas convocadas para depor na CPI que ele presidia. À época, a juíza havia proferido liminares que permitiram que algumas pessoas convocadas não comparecessem à comissão. Na ocasião, ela entendeu haver erros e ilegalidades nas convocações.

Ataques contra promotor do MPES

Entre 24 e 26 de outubro de 2022, o vereador teria direcionado seus ataques ao promotor de Justiça Rafael Calhau. As declarações voltadas ao membro do MPES, conforme os autos, foram feitas durante sessões ordinárias da Câmara de Vitória, também transmitidas pelo YouTube.

É dito nos autos que, em seus pronunciamentos, Armandinho "questionou a probidade e a idoneidade do promotor e de sua equipe". O parlamentar teria chegado ao ponto de acusar o membro do MPES de ter arquivado "curiosamente" investigação que apurava suposta irregularidade no Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

Além de associar a imagem do representante do MPES  a "propina" e ao "crime organizado", o vereador também teria insinuado que o órgão ministerial estava sendo usado para persegui-lo. Vale ressaltar que ação penal atribui os ataques a Rafael Calhau apenas a Armandinho Fontoura.

Ataque a juíza em publicações

Embora Jackson Rangel Vieira também figure como réu no mesmo processo por coação, a condenação dele está somente relacionada à disseminação de falas caluniosas, de acordo com os autos, contra a juíza Gisele Souza de Oliveira, em seu portal de notícias.

No entendimento do juiz que condenou Armandinho Fontoura e Jackson Rangel, as provas indicaram uma "simbiose" entre eles, em que as ações de um retroalimentavam as do outro, com o jornalista publicando matérias que forneciam "substrato fático" para os discursos do vereador.

"O crime é formal. A tentativa dos réus de usar a fortaleza psicológica da vítima como argumento de defesa é juridicamente irrelevante. A coação foi praticada, a ameaça foi lançada, e o dolo específico de obter vantagem processual indevida foi o propulsor das condutas. O delito consumou-se no momento em que os ataques foram veiculados, violando a paz e a liberdade de atuação da magistrada e ultrajando a própria administração da Justiça", frisa o juiz em sua sentença.

Presos por determinação de Alexandre de Moraes

Em dezembro de 2022, Armadinho Fontoura e Jackon Rangel foram presos por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acusados de integrar milícia digital que promovia ataques contra os ministros da Corte suprema e incentivava ações antidemocráticas no Estado. Eles foram soltos em dezembro de 2023, após um ano na prisão.

O que dizem os réus

A sentença ainda condena Armandinho Fontoura e Jackson Rangel a pagar, solidariamente, multa de R$ 5 mil a título de reparação aos danos morais causados à juíza e ao promotor de Justiça. A defesa dos réus foi procurada. Por nota, Armandinho afirmou que a decisão judicial "apresenta contradições evidentes em relação aos fatos apurados". Já a defesa do jornalista não foi localizada. Em caso de retorno aos contatos feitos pela reportagem nesta terça-feira (24), este texto será atualizado.

Confira a íntegra da nota do vereador Armandinho: 

Decisão equivocada, diz vereador

"A recente sentença proferida contra mim, na condição de vereador, alega que a propagação de conteúdo jornalístico na tribuna da Câmara teria tido o objetivo de coagir uma juíza em um processo envolvendo um jornalista, em que eu sequer era processado. E também um promotor, que atuava em procedimentos sobre o Pen Drive do Detran. Contudo, a decisão judicial apresenta contradições evidentes em relação aos fatos apurados, que passo a esclarecer: 

1. Ausência de provas de associação com o jornalista: O relatório final da Polícia Federal nacional, elaborado no âmbito da 1ª fase da operação Lesa Pátria, conduzida em dezembro de 2022 por petição da mesma ex-procuradora-geral que moveu essa ação, analisou seis anos de quebra de sigilos telefônicos e de mensagens, decretado pelo ministro Alexandre de Moraes, identificando apenas três contatos entre o vereador e o jornalista em 2021 e nenhuma mensagem sobre o caso da juíza Gisele de Souza, que embasou a sentença condenatória. Tampouco encontrou algo sobre o promotor de justiça em questão. A própria Polícia Federal nacional não indiciou o vereador, confirmando a inexistência de indícios de conluio ou associação para prática de qualquer crime com o jornalista. Isso deveria ser prova incontroversa e admitida como prova emprestada do outro procedimento, de âmbito nacional. Como, então, a sentença local pode sustentar tal narrativa sem apresentar uma única prova concreta de ligação entre as partes, contrariando relatório da própria PF brasileira? Se houve se conluio ou associação entre os agentes, deveria aparecer algo, como contatos frequentes, contemporâneos e mensagens sobre o assunto. 

2. Declaração da suposta vítima: A juíza Gisele de Souza, apontada como vítima na sentença, jamais processou o vereador ou o jornalista. Em seus depoimentos, ela afirmou expressamente que não se sentiu coagida ou intimidada. Diante disso, como justificar uma decisão judicial que presume intimidação, em contradição com a própria manifestação da suposta vítima? 

3. Tratamento desigual e cerceamento à liberdade de expressão: Jornais e parlamentares, de diferentes espectros políticos, já manifestaram críticas em processos envolvendo figuras públicas, como Lula e Bolsonaro, questionando autoridades judiciais, como Sergio Moro, procuradores do MPF de Curitiba, promotores do MP-SP, o ministro Alexandre de Moraes e outros, sem que fossem processados por coação ou intimidação. Esse precedente, aplicado de forma inovadora e exclusiva no Espírito Santo, levanta sérias preocupações sobre a liberdade de imprensa e a atuação parlamentar. 

Reitero minha confiança no sistema judicial brasileiro e acredito que essas inconsistências serão revisadas, seja pelo magistrado responsável, seja pelo Tribunal de Justiça. A verdade já foi corroborada pelo relatório final da Polícia Federal, que desmontou narrativas locais construídas para silenciar nossa voz. Seguiremos firmes na defesa da justiça e da liberdade de expressão."

Atualização
24/06/2025 - 18:11hrs
 A reportagem foi atualizada com nota enviada pela defesa de Armandinho Fontoura, após a publicação do texto.
  • Viu algum erro?
  • Fale com a redação

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais