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Filha de pedreiro morto na Serra fala sobre abuso sexual, dor e perdão

Filha de pedreiro morto na Serra fala sobre abuso sexual, dor e perdão

"Quando o vi morto, falei que podia ir em paz", lembra Luana, 23 anos. Ela conta quando começou a sofrer os abusos até a descoberta da motivação do assassinato do pai

Publicado em 9 de agosto de 2019 às 19:04

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Uma dor profunda, aparentemente adormecida, voltou à tona nesta semana. Após já ter conseguido perdoar o pai pelos abusos sexuais sofridos dos 3 anos aos 10 anos de idade, a filha do pedreiro assassinado na Serra, nesta terça-feira (6), Luana dos Santos Bandeira, 23 anos, se viu em meio a todos os pesadelos da infância. Além de perder o pai, ela ficou sabendo, nesta quinta-feira 08), que a motivação da morte dele seria o estupro de uma outra menina.

Para a filha, ela era a única vítima do pedreiro Aloísio da Silva Bandeira, de 43 anos. Por isso, diz nunca ter imaginado que essa seria a motivação para o crime. Mesmo assim, Luana, logo após o assassinato, já não acreditava em latrocínio, roubo seguido de morte.

Depois de toda reviravolta na história, Luana usou as redes sociais na noite de quinta para contar os abusos que sofreu do pai. Com os comentários e julgamentos, ela desativou suas redes sociais. Em um relato emocionante, ela conversou com a reportagem do Gazeta Online na tarde desta sexta-feira (09). Veja a entrevista.  

O que você sentiu quando soube da morte do seu pai? Desde o começo você disse que não acreditava em assalto.

Era óbvio. Na hora que eu cheguei, vi que os tiros foram certeiros. Quem fez queria matar. Vi que não era latrocínio.

Você já tinha conseguido perdoar o seu pai?

Tinha. Eu perdoei. Nunca imaginava que era esse o motivo, que nem convém dizer o que eu achava que era. Não pensava que era por isso, mas perdoei. Quando vi ele morto ali, já tinha perdoado há um ano mais ou menos, mas nunca toquei no assunto, me sentia muito mal.

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Mas quando vi ele morto, ali, falei com ele que ele podia ir em paz, porque ele tinha o meu perdão. Mas eu não estava sabendo que ele já tinha feito isso com outras crianças, porque quando aconteceu comigo eu era criança. Mas eu nunca imaginava na minha vida que ele poderia ter sido morto por isso. Nunca, mas nunca mesmo.

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Sei que é difícil falar sobre isso, mas como foi o seu caso? Você tinha quantos anos?

Três anos que eu me lembre. Desconfio que deve ter sido desde sempre. Não houve penetração (mas o abuso acontecia de outras formas). Eu tinha muito corrimento quando eu era pequena e ninguém desconfiava dele.

Você foi criada com a sua mãe e com o seu pai?

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Minha mãe é separada do meu pai desde os meus 5 anos, o que para mim foi um alívio, a separação. Mas os abusos não pararam por aí, foram até os 10 anos.

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Ele cometia esses abusos em qual local?

Na casa da esposa que ele tinha. Era só ela sair, nem precisava sair de casa. Se ela tivesse em cômodo diferente, já era um momento para passar a mão, se masturbar perto de mim. Ela não podia ir na calçada atender alguém que já era um momento que ele se aproveitava.

Você passava o final de semana com ele?

Ficava. Foi determinado pelo juiz na época que ele pagaria a pensão, e eu e meu irmão iríamos para a casa dele, de 15 em 15 dias, no final de semana, de sexta a domingo.

O seu irmão percebeu alguma coisa?

Não. Quando eu estava moça já, adolescente, não aguentava mais guardar esse segredo comigo, aí eu contei para a minha mãe, para a minha família, da parte da minha mãe. Mas pedi muito para não denunciar ele. Porque, de qualquer forma, ele era meu pai, e eu não queria o meu pai preso. Queria que ele se arrependesse e não fizesse isso mais. Então, como eu já tinha perdoado e achava que ele tinha feito isso só comigo, não achei que deveria falar o que ele fez comigo. Se perdoei, perdoei, não tenho que ficar falando disso mais. Mas quando o desfecho foi para esse lado, que ele morreu por esse motivo, aí já é outro assunto. 

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Não acho justo dar uma entrevista e dizer que ele nunca faria isso, ele jamais faria isso. Faria sim, eu sei que ele faria. Acredito na versão da menina. Claro que temos que esperar a investigação e ser provado tudo certinho, mas eu acredito nela.

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Como você se sente vendo o que essa menina passou e o que você viveu? Você se coloca no lugar dela?

Muito. Me coloco no lugar dela sim. Assim como ela teve depressão, eu tive depressão. Eu estava um pouco mais controlada, mas agora com isso tudo vejo que preciso de ajuda profissional. Deve ter sido pior para ela porque com ela houve penetração, eu estava lendo. O trauma dela, provavelmente, é bem pior que o meu.

Quando os abusos acabaram?

Aos 10 anos, quando foi a última tentativa. Acredito que nesse dia teria penetração sim, se eu não tivesse tido coragem de falar com ele que, se ele não saísse de cima de mim, eu gritaria. E minha madrasta ia ouvir, porque ela estava dormindo no mesmo quarto na hora. Olhei dentro do olho dele, ele estava em cima de mim já - eu estava dormindo também -, abri o olho e disse que se ele não saísse de cima eu gritaria. Aí foi a última vez. Mas como achei que só tivesse sido só comigo, não falei nada. Queria que as pessoas tivessem uma boa lembrança dele, de que ele era uma pessoa boa. Ele era realmente, fora o que ele fez comigo. Imaginava que o mal ele fez só comigo, não com os outros. Mas ele fez.

Depois dessa época, você conseguiu manter contato com ele?

Não. Eu tenho duas filhas. Tive minha filha com 15 anos. Depois do último caso que aconteceu, evitava o máximo de ter contato com ele. Não ia muito lá. Depois que tive as minhas filhas, pior ainda, porque tinha medo de deixar as minhas filhas e acontecer alguma coisa, mesmo eu estando lá perto. Se aconteceu comigo, por que ele não poderia fazer de novo mesmo depois de adulta? Por que ele não poderia fazer com as minhas filhas? Eu tinha muito medo. Teve uma época em que eu estava em crise de depressão, nunca fiz tratamento, não tinha vontade mais de nada. Fiquei uns anos sem falar com ele, nem pelo celular. Ninguém entendia por que eu não ia na casa dele. Era por causa disso.

E a sua mãe falava o quê? Vendo você não querendo ficar perto.

Quando já estava moça, contei para ela. Eu tinha uns 12 anos mais ou menos. Ela sabia desse trauma, mas eu não queria que denunciasse ele, porque era o meu pai de qualquer maneira. Tinha medo dele ser preso e alguém dentro da prisão vingar, fazer maldade com ele, mesmo que ele já tinha feito (maldade) comigo, era meu pai.

Redes sociais.

As pessoas julgam muito, foi por isso que desativei as redes sociais. Não apaguei meus comentários, desativei as redes sociais. As pessoas não estão entendendo por que defendi e agora estou falando o que ele fez. Defendi porque não achava que era por causa disso, achava que era outro motivo. Mas agora que eu sei o que é, não estou do lado dele não. Fico do lado é das vítimas, que eu também fui uma vítima. Só que eu queria esquecer isso. Queria que ninguém soubesse, porque perdoei. Igual eu dei o meu depoimento ontem na delegacia, porque do mesmo jeito que eu tinha medo de passar por mentirosa, quando era criança, acho que as vítimas tinham esse mesmo medo. É injusto eu botar em dúvida o que elas estão falando, sendo que eu também já tive esse medo.

O que você sente em relação ao homem que matou o seu pai?

Ele está mais do que certo de ter cobrado. Ele fez o que o meu pai deveria ter feito: me protegido. Em vez de me proteger, fez isso comigo.

Ontem  (08/08/19) me tocou muito quando você apareceu na TV sentada na escada na delegacia.

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Eu fui pega de surpresa, não sabia que a causa da prisão era essa. Fiquei em choque quando soube que o acusado tinha falado que o meu pai tinha abusado da filha dele. Meu mundo caiu, acabou ali pra mim. Sei que preciso de ajuda profissional, e eu nem tenho força para buscar. Vejo o julgamento das pessoas... É horrível passar por tudo isso. Estou sobrevivendo.

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