Publicado em 13 de outubro de 2020 às 12:54
Um inspetor penitenciário que atua no sistema prisional capixaba foi preso na última sexta-feira (9), pela Delegacia Especializada Narcóticos (Denarc) de Guarapari, com apoio da Secretaria da Justiça (Sejus), por integrar quadrilha de traficantes e facilitar a entrada de entorpecentes em unidades prisionais do Espírito Santo. Segundo a polícia, o inspetor também facilitava o acesso de internos a telefones celulares.>
A prisão dele faz parte da Operação Vade Mecum, que foi deflagrada em setembro e já havia realizado outras sete prisões, dentre elas as de duas advogadas. >
De acordo com apuração da repórter Gabriela Ribeti, para a TV Gazeta, o inspetor trabalhava no complexo penitenciário de Viana, no Centro de Detenção Provisória 2, onde a quadrilha de traficantes investigada pelo ingresso de drogas nos presídios atuava. Em abril deste ano, o preso que é chefe da quadrilha foi transferido para Guarapari, onde passou a tentar implantar o esquema criminoso, mas a polícia começou a investigar e descobriu todas as irregularidades que aconteciam antes mesmo da transferência, ainda no presídio de Viana.>
Segundo informações divulgadas pelo delegado Guilherme Eugênio, da Denarc de Guarapari, em entrevista coletiva concedida na tarde desta terça-feira (13), a atuação do servidor foi compreendida por meio de análise de diálogos feitos pelo Whatsapp. >
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"Nós começamos a entender essa atuação criminosa dele analisando diálogos travados através do whatsapp, entre ele e uma das advogadas presas. Nestes diálogos, ele inclusive chegou a solicitar uma propina de R$ 5 mil a título de adiantamento, ou seja, um valor a ser pago antes que o serviço por ele ofertado viesse a ser efetivamente prestado", disse o delegado.>
Para a Polícia Civil, o investigado confirmou que formulou pedido de propina. "Ele afirmou que o pedido foi de brincadeira, mas que ele precisava daquele dinheiro para aquisição de um novo celular, já que o dele havia quebrado. Ele pediu, à ocasião, R$ 5 mil a uma das advogadas presas. Ele afirmou que de fato uma das advogadas presas vinha oferecendo a ele a possibilidade de pagamento de propina mediante a inserção de drogas na unidade prisional, mas que ele apenas aceitava a relação com a advogada e o dinheiro, porém se recusava a fornecer as drogas", relatou. >
Apesar da versão do suspeito, a polícia acredita que o inspetor de fato levava as drogas para o presídio. "Até porque não se justificaria pagamento algum se ele não estivesse cedendo a este intento da organização criminosa. Então ele foi indiciado e agora denunciado por tráfico de drogas e corrupção passiva. Nós chegamos até ele investigando a organização criminosa, mas o que constatamos agora revela que, muito além de fornecer drogas para ela, ele também tinha uma atuação paralela, atendendo a todos os internos do sistema prisional que demandassem esse tipo de atividade ilegal. Nós encontramos na posse dele, preso, junto à roupa dele, os nomes e as celas nas quais se encontram recolhidos outros presos da unidade", afirmou. >
Além de facilitar a entrega de drogas aos presos, o inspetor também disponibilizava acesso a celulares e carregadores. "A investigação guardava relação com a inserção de drogas, mas, no ato da prisão do servidor, na mochila que ele trazia consigo diariamente de casa para o trabalho, além de celulares de pequeno porte e baterias, nós encontramos também cabos elétricos que, dentro do sistema prisional, são comumente utilizados para a realização de ligações diretas que viabilizam o carregamento de telefones móveis. A Sejus está atenta a isso e vem tentando coibir esse tipo de prática a qualquer custo. Mas, apesar disso, o ser humano tem acesso ao sistema e com a corrupção de um servidor tudo se torna possível", lamentou o delegado. >
Um celular de pequeno porte, antigo, foi inclusive apreendido dentro da unidade prisional. "Este ainda estava na ala na qual o servidor pode ingressar sem revista. Já os demais aparelhos foram encontrados na casa do suspeito. Tratam-se de aparelhos obsoletos, que quase ninguém hoje em dia guarda consigo e acreditamos que esses celulares fossem alternativamente, em sistema de rodízio, fornecidos a determinados internos mediante pagamento. E como as revistas são muito rigorosas, nós acreditamos que o celular permanecesse à disposição do interno somente no período de plantão do inspetor, e que, ao final do turno dele, ele recolhesse de volta para evitar que fossem encontrados por servidores honestos", disse Guilherme Eugênio.>
Além disso, a autoridade policial afirmou que, na versão do preso, para justificar que também carregava materiais elétricos para viabilizar celulares aos internos, disse que andava com os materiais e celulares sem, no entanto, saber em que finalidade seriam empregados.>
No caso das duas advogadas presas no dia 11 de setembro, pela Operação Vade Mecum, suspeitas de levar entorpecentes para os presos dentro do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Guarapari, o delegado Guilherme Eugênio comentou, nesta terça-feira (13), que originalmente acreditava-se que a atuação delas fosse simplesmente a transmissão de recados. No entanto, percebeu-se que, pelo menos uma das duas acusadas, era uma verdadeira líder da organização. >
"Ela era a segunda pessoa na pirâmide organizacional e hierárquica do grupo. Constatamos que ela negociava drogas diretamente com fornecedores, ordenava a aquisição de armas, emitia comandos para os demais gestores. Identificamos comunicações nas quais ela retransmitia ordens do seu companheiro e chefe da organização, determinava a execução de pessoas e até mesmo fazia com que as mães de vítimas de homicídio fossem obrigadas, sob violenta ameaça, a alterar os depoimentos que haviam viabilizado o sucesso de investigações de homicídio", disse.>
De acordo com o delegado, a atuação criminosa de uma das advogadas presas era marcante. "Ordenava a aquisição de armas, de drogas, determinava como as drogas seriam revendidas, qual integrante da organização revenderia qual droga e em qual área. Ela tinha uma atuação que ia muito além do núcleo jurídico da organização e recebia diretamente todos os depósitos destinados ao chefe do grupo. Os funcionários deles arrecadam e têm que repassar o lucro para a organização e é justamente na conta de uma dessas advogadas que o dinheiro vinha sendo depositado. Inclusive ela e o chefe do grupo assumem uma suposta união estável entre eles", explicou. >
De acordo com Eugênio, já foram efetuados, até o momento, na Operação Vade Mecum, 9 mandados de prisão. "Estes 9 contêm elementos que, ao nosso ver, são bastante robustos. Só buscamos as prisões daqueles contra os quais entendemos que há provas cabais. Mas há indícios que sugerem o envolvimento de várias outras pessoas, inclusive de outros advogados, em crimes similares, e as investigações prosseguem. A investigação relacionada a esta organização criminosa, que inseria drogas por intermédio do gestor do grupo, que é o traficante que comanda o tráfico no bairro Nova Brasília, em Cariacica, está se encerrando. Mas ela nos revelou a atuação de outros advogados e de outras pessoas no tráfico de drogas tanto fora quanto dentro do sistema prisional", afirmou. >
Apesar dos esforços, um dos alvos da operação permanece foragido. De acordo com a autoridade policial, já havia contra ele um mandado de busca e apreensão relacionado a um homicídio, realizado enquanto ainda era menor de idade. "Agora, já maior, participou ativamente da atuação criminosa da organização investigada. Pedimos que a população denuncie, principalmente através do 181", solicitou.>
Eugênio destacou ainda que um ponto fundamental da investigação foi a atuação de um servidor honesto. "Nós conseguimos obter, graças a ele, os primeiros indícios da atuação sobre esta organização criminosa. Sou grato a ele e estamos fazendo todo o possível para que fique em segurança", finalizou.>
A respeito da investigação de advogados, a reportagem demandou a Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB-ES), que respondeu por nota: "A OAB-ES buscará informações e acompanhará as investigações para tomar as providências cabíveis, observando o Código de Ética e Disciplina e as prerrogativas da advocacia". >
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