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Como a prisão de seis gangues levou bairro da Serra a zero homicídios

Como a prisão de seis gangues levou bairro da Serra a zero homicídios

Bairro Jardim Carapina não registra homicídios há sete meses. Segundo a polícia, seis gangues foram desarticuladas na região

Publicado em 19 de junho de 2020 às 08:20

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Data: 26/11/2019 - ES - Vitória - Viaturas da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)
Data: 26/11/2019 - Viaturas da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) . (Carlos Alberto Silva)

 Lurdes (nome fictício), de 50 anos, esvaziou o pneu da bicicleta do filho pequeno e guardou o brinquedo que o menino tanto adorava. A atitude da mãe foi por zelo. Ela e a família moram no bairro Jardim Carapina, na Serra, que até pouco tempo atrás figurava entre os bairros mais violentos do município. 

"Não posso deixar meu filho andar de bicicleta, ir ao campo ou brincar na rua. Fazer isso aqui é tornar-se um alvo de tiro sem ter nada a ver com  a situação", conta mulher. A violência também fez com que os filhos mais velhos fossem morar fora da comunidade. 

Segundo a polícia, seis facções de traficantes dividiram o bairro em territórios. A consequência da busca pelo poder gerou confrontos armados constantes e deles resultaram mortes e também feridos. Os atingidos pelos tiros, porém, nem sempre são os que compõe a guerra, mas sim os que apenas tentam levar uma vida digna. Até crianças já foram atingidas por bala perdida quando brincavam  nas ruas. Um feirante foi morto em pleno domingo em 2019. 

"Já passei três noites sem dormir por causa de tiro. Mas isso não tem hora, andar pela rua é estar sujeito a ser alvo também. Os traficantes querem ser a lei dentro do bairro, punem quem matam, punem quem trai, punem se querem alguma coisa e não são atendidos", contou Lurdes, que mora no bairro há mais de 30 anos. 

É exatamente por residir a tanto tempo em Jardim Carapina, que ela diz estar sentindo um certo alívio nos últimos dias. "É poder colocar a cabeça no travesseiro e ter uma noite inteira de sono. É parar de ver gente andando armada pra cima ou pra baixo e ver gente com medo da polícia", contou Lurdes, uma dos cerca de 14 mil moradores do bairro. 

O relato dela vem acompanhado de números. Há exatos sete meses não há registros de assassinatos em Jardim Carapina. No ano passado, foram cinco casos, mas há sete meses, nenhum registro de mortes no local. 

CADEIA: UM POR UM

O começo dos sete meses de paz da dona Lurdes tem uma relação direta com as prisões dos envolvidos em tiroteios e mortes no bairro. Um a um, os seis grupos criminosos que disputavam a venda de drogas em Jardim Carapina, foram sendo desmontados pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Serra. 

No período de um ano, foram 16 prisões de criminosos relacionados aos crimes contra a vida ou atentados na comunidade.  "O fato de serem muitos grupos com momentos diferentes de enfrentamento tornou as investigações mais demoradas, mas conseguimos localizar e tirar de circulação os responsáveis pelos assassinatos na região", afirmou o delegado titular da DHPP Serra, Rodrigo Sandi Mori. 

Segundo a polícia, as brigas entre os grupos  começaram ainda em 2015, quando a maior parte da Gangue do Campo foi presa por envolvimento na morte do soldado da PM Ítalo Bruno Rocha. Outras cinco facções existiam na região: Rua 11, Rua 24, Ponto Final, Contorno e Gangue do Biel.

Uma das principais prisões foi  a de Felipe Xavier da Conceição, um elo forte do tráfico na região que passou a dominar a área, com o enfraquecimento da Gangue do Campo, e avançar sobre os outros grupos. Segundo a Polícia Civil, Felipe é acusado de quatro assassinatos, sendo que em três deles contou com a ajuda do braço-direito Thalles de Amorim Porte, 25 anos, todas em Jardim Carapina.

"Este foi o alvo mais difícil para localizarmos. Foram sete meses para localiza-lo, pois ele evitava ir à Jardim Carapina, mas montava os ataques nas madrugadas e em grupo. Os assassinatos eram covardes, pois invadiam as casas de madrugada, usando capuzes e fingindo serem policiais. Eram assassinatos sempre com mais de 30 disparos", detalha Sandi Mori. 

O último crime comandado por Felipe Xavier, antes de ser preso, foi a execução de duas pessoas e uma terceira ficou ferida, em maio de 2019. O comparsa, Thalles, também foi preso três meses depois. 

"Vamos buscar sempre fazer com que essas pessoas respondam pelos crimes que cometeram e, consequentemente, tentamos dar um pouco de tranquilidade para a comunidade de Jardim Carapina. Sabemos que combater a violência é um esforço conjunto de diferentes parcelas do poder público", comentou o delegado Rodrigo Sandi Mori.

O titular da DHPP também agradeceu as denúncias recebidas que ajudam nas investigações. "Contamos com a investigação e a inteligência da equipe da DHPP Serra, mas também com denúncias da população nas redes sociais e telefones", enfatizou. 

Delegado Rodrigo Sandi Mori
Delegado Rodrigo Sandi Mori. (Fernando Madeira )

SOCIAL E INFRAESTRUTURA

 No embate contra a violência, dar atendimentos básicos para a comunidade de Jardim Carapina também foi uma estratégia importante. "Não há ações únicas. Temos a preocupação em trabalhar com sinergia, lidando com moradores em situação de rua, necessidades de cesta básica,  por exemplo. Sabemos que a segurança é mais que a armada, é também a alimentar, sanitária,  pois é importante até para autoestima do morador, se perceber mais", observou o secretário de Defesa Social, Maximiliano Werneck.

Segundo Werneck, há diversas secretarias reunidas para se empenhar em proporcionar qualidade de vida.  Um exemplo é a regularização de  1.685 imóveis, tendo os donos recebido as escrituras no bairro Jardim Carapina.  

No quesito lazer, a Secretaria de Serviços da Serra (Sese) entregou a revitalização da  praça da Família, onde podem ser realizadas  atividades de lazer e socialização. No local, foram realizados os serviços de melhoria estrutural, como pintura geral, instalação de bancos e mesas, substituição de tela e brinquedos do parquinho infantil e do alambrado da quadra de esportes. 

Da Secretaria de Obras (Seob), mais de R$ 1,7 milhão foi utilizado em obras de drenagem e pavimentação de vias da comunidade, entre elas a  Avenida Presidente Dutra.

Ainda de acordo com o secretário, adolescentes são  atendidos em programas de  desenvolvimento de diferentes trabalhos sociais, para oferecer oportunidades e  perspectivas. São oficinas gratuitas de futebol, teatro, palestras sobre mercado de trabalho e informações de saúde.  E nem durante o isolamento social o trabalhou parou. O contato com a garotada acontece por meio das redes sociais.

"Destaco ainda o grupo Mulheres da Paz, contra os altos registros de violência contra a mulher, que visa dar oportunidades das mulheres de se qualificarem e buscarem formar empreendimentos. Nesta cadeia produtiva, quase sempre estão os filhos, evitando até mesmo que estes tenham contato com tráfico. É investimento humano que leva a não violência", completou Werneck. 

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