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Bandidos dão nomes falsos para escapar da prisão no ES

Bandidos dão nomes falsos para escapar da prisão no ES

Criminosos aproveitam falhas e se apresentam de várias formas

Publicado em 15 de abril de 2019 às 11:08

Bandidos usam documentos falsos para cometer crimes Crédito: Ilustração / Arabson

Rafael, Thiago, Vinícius ou Leonardo. Aproveitando as falhas na identificação criminal, bandidos que agem no Espírito Santo escolhem diferentes nomes para tentar escapar da prisão. Sem documentos, um único criminoso apresentou 13 identidades diferentes ao ser detido por arrombamentos e furtos na Grande Vitória.

Para especialistas, o problema só será resolvido com mudanças em bancos de dados da polícia e até mesmo na legislação.

O caso de Valdemir Pereira Machado, o Bibil, 34 anos, que já apresentou 13 nomes em prisões que aconteceram desde 2002, chamou a atenção até mesmo da polícia. Numa das últimas vezes, ele furtou R$ 20 mil em roupas de uma loja na Praia do canto, Vitória.

Para descobrir a real identidade de Valdemir, a 1ª Delegacia Regional de Vitória, da Polícia Civil, solicitou apoio ao Sistema Nacional de Identificação da Polícia Federal. Com a confirmação do nome, Valdemir foi autuado por furto e falsa identidade e finalmente preso preventivamente.

Mas até esse dia, ele foi liberado todas as vezes em que foi detido, pois como os crimes de furto possuem pena inferior a quatro anos, a Justiça só poderia prendê-lo se ele fosse reincidente. Por sempre apresentar um novo nome, ele era visto como réu primário.

Valdemir Pereira Machado, o Bibil, de 34 anos, é acusado de vários furtos em Vitória Crédito: Divulgação | Polícia Civil

O delegado Fabiano Rosa, chefe da Divisão Especializada de Repressão aos Crimes Contra o Patrimônio (DRCCP), que também investigou Valdemir, contou que em casos de bandidos que não possuem identidade e mentem os nomes, a Polícia Civil pode colher a impressão digital e comparar em um banco de dados de carteiras de identidade. Mas aí surge a primeira falha.

“Cada Estado tem seu próprio cadastro de digitais. No país, há apenas o banco nacional de mandado de prisão e condenação. O sistema deveria ser único. Se o suspeito tem uma identidade de Minas Gerais, eu não consigo puxar pelo banco de dados do Espírito Santo e tenho que arrumar outras ferramentas para qualificá-lo.”

Mas se ainda houver dúvidas sobre a identidade do suspeito, a Polícia Civil pode colher impressão digital e compará-la em um banco de dados da perícia. É aí que vem a segunda falha.

“Toda pessoa que faz identidade uma vez na vida registra a digital e a perícia tem esses dados. Mas a perícia tem prazo de 30 dias para responder o laudo da identificação criminal. Nesse tempo, a investigação precisa continuar. E se ele fez identidade em outro Estado, não poderemos comparar.”

O doutor em Direito Penal Américo Bedê Freire Júnior concorda que há essa falha e identifica outra brecha: o grande número de ocorrências pode fazer com que os policiais não consigam identificar de imediato a falsidade ideológica.

“A própria polícia deve identificar se o suspeito está passando uma identidade falsa. O problema é que a polícia movimenta muitos casos e às vezes isso passa. Mas se houver dúvida, tem que fazer a identificação criminal, com foto e digital. É possível condenar até mesmo sem saber o nome verdadeiro, apenas com a identificação criminal.”

Ele aponta mais uma situação. “Existe um banco genético de identificação apenas para condenados, mas não existe um que reúna investigados. Isso deveria ser revisto”.

Identidades usadas para financiar automóveis 

Além de criminosos que tentam escapar da prisão passando nomes falsos, o uso de identidades falsas são comuns entre golpistas. Os casos são registrados e investigados pela Delegacia de Defraudações e Falsificações (Defa).

Em casos de golpes da identidade, um dos mais comuns são os que os criminosos utilizam os dados pessoais de uma vítima para a abertura de empresas, financiamento de automóveis e criação de contas telefônicas e de internet. Segundo a polícia, nesses casos, é muito complicado fazer com que as pessoas prejudicadas sejam ressarcidas pelos autores das fraudes.

Em janeiro deste ano um casal de namorados foi preso suspeito de se utilizar cartões de crédito clonados para bancar hospedagens em hotéis.

Na ocasião, a delegada Rhaiana Bremenkamp, da Defa, contou que o empresário e a modelo, ambos com 29 anos, foram detidos com cartões clonados, documentos falsos e diversas chaves magnéticas de hotéis. Para evitarem serem pegos, eles tinham cuidado de escolher as vítimas que possuíam os mesmos nomes e idades deles.

Valdemir Pereira Machado, o Bibil, de 34 anos, é acusado de vários furtos em Vitória Crédito: Divulgação | Polícia Civil

Em fevereiro, dois homens, de 60 e 42 anos, foram presos em flagrante por usar documentos falsos para pegar empréstimos em bancos. Eles foram detidos próximos a uma agência bancária em Lagoa de Jacaraípe, na Serra com um documento falso que seria usado no golpe. Além disso, tinham uma lista do Serasa, que continha todas as informações necessárias de clientes para falsificar os documentos requeridos para empréstimos.

Ainda com eles, foi encontrado um papel com informações de seis clientes de bancos que poderiam ser as próximas vítimas da dupla.

Em outubro de 2018, um homem de 37 anos foi preso após tentar comprar um celular com documento falso em Marataízes, Litoral Sul do Estado. Ele foi detido na loja de uma operadora tentando aplicar o golpe pela segunda vez em menos de um mês. No golpe anterior, ele comprou dois aparelhos, custando R$ 2,7 mil, com outra identidade, porém, com a mesma foto.

PF cria próprio banco de dados

Diante da falta de um banco de dados nacional de acesso da Polícia Civil, a Polícia Federal criou seu próprio banco de dados de investigados. Nele, são inseridas as digitais, fotos e informações de características como cicatrizes e tatuagens.

De acordo com o delegado da PF Lorenzo Espósito, os dados ficam à disposição da PC, que pode solicitar inclusão de dados de investigados e suspeitos. “O problema é que o volume de ocorrências da PC é muito maior que o da PF”, afirmou.

Ele completou que, além do banco de dados criado pela PF de forma nacional, a experiência policial conta muito na hora de identificar um criminoso que apresenta nome falso. “Fazemos consultas, entrevistas, prestamos atenção se o suspeito não sabe informar direito os dados da própria identidade, se possui sotaque de outro Estado, se ele acaba deixando soltar que passou por outros lugares...”

Porém, mesmo com a desconfiança de que o suspeito seja de outro Estado, a PF não consegue os dados da identidade da pessoa em seu Estado de origem. Para conseguir essas informações, é preciso saber ao menos o nome que a polícia desconfia ser a real identidade do criminoso.

“Para eu ter acesso à identidade de outro Estado, tenho que ter um nome suspeito. Só assim o Estado envia uma planilha com a digital da pessoa de mesmo nome para confrontar com a digital do suspeito. Não há um banco nacional de identidades porque entende-se que seria uma violação aos Direitos Humanos por conta da presunção de inocência”, explica o delegado.

“Quem defende essa ideia afirma que se a polícia tivesse acesso a todas as identidades, seria como um regime totalitário. Quando, na verdade, seria uma ferramenta de investigação que não iria interferir na liberdade de ninguém”, acredita.

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