Publicado em 7 de agosto de 2017 às 01:08
Enquanto aguarda ser duplicada, a BR 101 vai acumulando mortes nos mais de 460 quilômetros em que percorre o Estado. Nos últimos sete meses foram 103, segundo levantamento realizado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Mas o que chama a atenção é que 39% delas ocorreram em trechos da rodovia que já deveriam estar duplicados desde 2016.>
São pontos onde o gatilho já foi acionado. Um dispositivo do contrato de concessão que dispara a obrigação de realizar obras de duplicação quando o tráfego ultrapassa os limites pré-estabelecidos. Isso ocorreu em maio de 2015, em três trechos da rodovia. Segundo a previsão contratual, quando isto acontece, nos doze meses seguintes (até maio de 2016) a concessionária precisa fazer as obras de duplicação nesses locais.>
Acionado>
O gatilho é o Volume Diário Médio Anual (VDMA). Ele mede a quantidade média de veículos que transitam pela via, nos dois sentidos, durante um ano. O contrato dividiu a rodovia em nove trechos e cada um deles possui um limite (VDMA). Quando ele é superado, dispara-se o gatilho.>
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Na prática, dois anos após esse dispositivo do contrato de concessão indicar que três trechos da rodovia um com 16 quilômetros, outro com 51,2 quilômetros e o último com 68,7 quilômetros estavam com sua capacidade esgotada, nada foi feito. Até o momento nenhum trecho duplicado foi entregue.>
Ao se comparar esses mesmos trechos com o levantamento realizado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), de mortes ocorridas a cada quilômetro da rodovia (ver infográfico na página 5), é possível constatar que 39% delas aconteceram justamente nessas partes da rodovia.>
Foram sete mortes entre Ibiraçu e Serra; outras 24 entre Viana e Guarapari; e nove entre Anchieta e Atílio Vivacqua. Dentre eles está a maior tragédia já ocorrida nas estradas capixabas, o acidente envolvendo um ônibus, uma carreta e duas ambulâncias que, em junho, matou 23 pessoas. Praticamente no mesmo local, foi registrado outro acidente com morte.>
Cálculos>
Os cálculos foram feitos com base no tráfego de veículos registrado nas sete praças de pedágio instaladas na rodovia. Informações que estão disponíveis no site da concessionária Eco101. E foram comparadas com os dados presentes no contrato, o que permitiu identificar que no trecho entre Fundão e Serra, em maio de 2015, o VDMA média diária de carros que trafegam por lá em 12 meses era de 17.098 veículos. Quase o dobro previsto para o gatilho, que é de 10 mil veículos. Em maio deste ano, o registro foi de 15.698.>
Entre Viana e Guarapari o gatilho é de 10.900 veículos, e o volume de carros que por lá trafegaram, em 2015, era de 11.479. Hoje está pouco abaixo do limite, em 10.476 veículos. O mesmo acontece no trecho seguinte, entre Anchieta e Atílio Vivacqua, com gatilho de 10.600 veículos. Em 2015 o tráfego local era de 11.875. Hoje está bem perto do limite, com 10.206 veículos.>
Outro lado>
Por nota, a concessionária Eco101 informou que as obras de duplicação nessas regiões, até mesmo as que seriam acionadas pelo gatilho, estão atrasadas em decorrência da falta de licenciamento ambiental. Hoje a concessionária ainda não possui as autorizações ambientais necessárias para realizar qualquer obra de duplicação na rodovia, assinala o texto. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) não respondeu à demanda da reportagem.>
É difícil ultrapassar em vários trechos>
O fluxo de veículos é instável, o que reduz a velocidade e dificulta as ultrapassagens. Assim é a realidade de vários trechos da BR 101 no Estado, com destaque para três deles, onde não ocorreu a duplicação obrigatória prevista no contrato de concessão. Não é à toa que o nível de serviço oferecido aos usuários da rodovia seja considerado ruim.>
A classificação leva em consideração os parâmetros estabelecidos no Highway Capacity Manual (HCM), um manual americano que classifica em seis o nível de serviço oferecido nas rodovias. Vai do A, considerado ótimo, ao F, o inaceitável.>
Nos três trechos onde o gatilho da duplicação da BR 101 foi acionado de acordo com o que está previsto no contrato assinado com a concessionária Eco101 , o nível de serviço era o D, segundo a classificação do HCM. São os trechos entre Fundão e Serra, Viana e Guarapari, e Anchieta e Atílio Vivacqua.>
Motivo>
Segundo Elson Gatto, engenheiro civil e conselheiro do Conselho Regional de Arquitetura e Engenharia (Crea), os níveis de serviço estabelecidos no manual americano ajudam a garantir a segurança de tráfego na via. Ele explica que as mudanças de fluidez no tráfego aumentam as chances de acidentes. Quando você precisa variar muito a velocidade, em decorrência da fluidez do trânsito, a segurança é reduzida. O motorista fica mais estressado, diz.>
Outro problema, explica o engenheiro, é que quando a fluidez da rodovia cai, o motorista começa a ficar preocupado com muitos cenários e tem a atenção dividida. É muito ruim. Precisa estar atento ao carro à frente, ao que está atrás, à troca de marcha. Acaba ficando estressado por atuar em várias frentes. Acaba não prestando atenção em um animal que entra na frente do carro ou até mesmo a uma reação do motorista da frente, o que poderia impedir um acidente, destaca Gatto.>
Para o conselheiro, que trafega com frequência no trecho Sul da BR 101, a partir de Viana, a baixa qualidade do serviço oferecido na rodovia tem sido regra nos últimos anos. Vivencio com mais frequência esta realidade no trecho Sul da rodovia, mas não é diferente do Norte. O tráfego é intenso e o conforto para uso da rodovia é muito baixo. E não poderia ser diferente, até hoje nada foi duplicado, assinala.>
Dobro>
Em um dos trechos destacados nesta reportagem, por exemplo, o fluxo de carros medidos pela própria concessionária já é quase o dobro do limite estabelecido para o gatilho. É o que acontece entre Fundão e Serra, onde a média diária de carros que trafegam por lá em 12 meses, em 2015, era de 17.098 veículos. Quase o dobro previsto para o gatilho, que era de 10 mil veículos. Neste ponto o nível de serviço já está bem pior, destaca Gatto.>
Ele se refere a medições inferiores ao nível D, do manual americano. As piores classificações são E e F, cenários em que, por exemplo, a escolha da velocidade e as manobras para mudanças de faixas somente são possíveis se forçadas. Não muito diferente do que vemos todos os dias, pontua.>
Pista simples e curvas lideram riscos de batida na rodovia>
Pista simples e curvas sinuosas. Esses são dois dos fatores de maior risco para a ocorrência de acidentes na BR 101. De acordo com a inspetora da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Danielle Fiorotte, embora cada trecho tenha o seu perfil e suas dificuldades, em geral as colisões referem-se a problemas na pista. Com a duplicação, haveria uma área de escape maior. Pode não diminuir o número de acidentes, mas o impacto seria menor, com menos gravidade, assinala.>
Mas o maior causador das mortes na estrada, pondera a inspetora, ainda é a imprudência dos motoristas, que vai desde trafegar com veículo em condições inadequadas, como os casos de pneus carecas, até ultrapassagens forçadas. A responsabilidade é de cada motorista e acabam colocando a própria vida e a de outros em risco, destaca Danielle.>
Dados>
Levantamento realizado pela PRF, nos sete primeiros meses deste ano, revela que 103 pessoas tiveram suas histórias encerradas na BR 101. Até a metade de julho deste ano já tinham sido registrados 1.178 acidentes, sendo 66 deles com mortes. Em 2016 foram registrados 2.335 acidentes.>
Outro dado preocupante: o número de mortos na BR 101, neste primeiro semestre - um total de 103 -, já se aproxima daquele registrado em todo o ano de 2016, que foi 126.>
Mas em quatro municípios não foram registrados acidentes com mortes: Pinheiros, Vila Velha, Atílio Vivacqua e Presidente Kennedy.>
Em compensação, em outras cidades capixabas o cenário foi bem mais violento. A pior liderança ficou com Guarapari, em função do acidente ocorrido em junho envolvendo um ônibus, uma carreta que transportava granito e duas ambulâncias. Um total de 23 pessoas morreram naquele acidente. No período a contabilidade é maior, já que somado a outro acidente, o total de vítimas na região é de 24 mortos.>
A região foi seguida de perto pelo município da Serra, com onze mortes registradas na rodovia. Logo a seguir vem Linhares, com nove, e Ibiraçu com outras oito. Há ainda São Mateus, com sete vítimas mortas em acidentes, e Mimoso do Sul, com outras seis.>
O menor número de mortes foi registrado em Anchieta, Pedro Canário e Cachoeiro de Itapemirim, com uma morte em cada cidade.>
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