Publicado em 9 de junho de 2018 às 22:08
Domingo, dia de celebração para diversas religiões cristãs. O início da noite na Rodovia Serafim Derenzi, a maior via de Vitória, que tem 10 quilômetros de extensão, começa com a peregrinação dos fiéis nas calçadas: homens, mulheres, crianças, jovens e idosos, muitos carregando a Bíblia enquanto se dirigem para as 49 igrejas localizadas pelo caminho da fé.
A Serafim Derenzi corta 15 bairros a oeste da ilha de Vitória, onde moram mais de 69 mil pessoas. E existem pelo menos cinco igrejas a cada quilômetro. A aposentada Laide Baudson, de 81 anos, é uma das que participam da peregrinação de fiéis na via há décadas. Ela frequenta a primeira Assembleia de Deus instalada em São Pedro, na rodovia, desde o início da década de 80, quando se mudou para a região e lá ainda havia um grande lixão. Evangélica desde menina e vinda de Ecoporanga, com o marido e 10 filhos, ela sempre se apegou à fé. Chegando na Capital, logo se apressou em encontrar uma igreja para frequentar.
"Meu cunhado comprou um pedaço do mangue e construímos um barraquinho para morar. E desde quando me mudei vou nessa igreja. Só saio quando ela fechar", disse.
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HISTÓRIA
A história da fé que margeia a Serafim Derenzi tem início com a chegada de migrantes à Capital, vindos do interior do Espírito Santo, de Minas Gerais e do Sul da Bahia. O jornalista Amylton de Almeida escreveu no livro "Lugar de Toda Pobreza" sobre a formação de São Pedro, primeiro bairro da região: "Na escolha dos terrenos, a primeira coisa que decidiram em conjunto foi a localização de suas igrejas: católica e protestante, e (do terreiro de) umbanda".
O pastor da igreja frequentada por dona Laide, a primeira Assembleia de Deus de São Pedro, Benhur Castelo, diz que a história dos templos faz parte do desenvolvimento do bairro. "Geralmente os locais escolhidos para montar uma igreja eram terrenos doados por moradores", relata Benhur.
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SOM
De segunda a sexta-feira, os templos ficam fechados a maior parte do tempo. Já no domingo, é comum os cultos e encontros começarem a partir das 19 horas, sempre cheios de fiéis. E, além do barulho dos automóveis, a rodovia ganha o som dos cânticos, orações, e pregações de líderes religiosos. Em alguns pontos da via, eles são tão próximos que é possível ouvir os louvores de uma igreja de dentro de outra.
A maioria são pentecostais, de crenças em curas, milagres, profecias e revelações, com destaque para atuação das Assembleias de Deus: são 19 na rodovia. Além delas, há muitas neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Mundial do Poder de Deus, em que há também "sincretismo religioso", explica a professora de estudos das religiões Claudete Beise Ulrich.
Igrejas evangélicas tradicionais também marcam presença na Serafim, como a Batista e Adventista, que enfatizam estudos teológicos e interpretação rígida da doutrina. E, em menor número, há as Católicas: a Paróquia de São Pedro Apóstolo e o Santuário-Basílica de Santo Antônio.
LOCALIZAÇÃO E VISIBILIDADE DA RODOVIA ATRAEM TEMPLOS E FIÉIS
A grande quantidade de igrejas na Rodovia Serafim Derenzi, em Vitória, é explicada principalmente pela boa localização, com facilidade de acesso e visibilidade. Muitas pessoas e veículos transitam na via, que serve de passagem para 15 bairros, todos os dias. Porém, é marcante o número de templos evangélicos: de 49, eles são 47. Isso mostra que um outro fator que fez a diferença na região foi o crescimento das igrejas dessas denominações nas últimas décadas no Estado.
Para o doutor em Ciências da Religião Edebrande Cavalieri, a escolha do local é estratégica para conquistar novos fiéis. Cada igreja quer um lugar que seja mais visível possível. Elas não fazem propagandas na televisão para atrair gente. Então, a localização é importante para se tornar conhecida pelas pessoas, explica Edebrande, que é professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Marcus Ueslei de Souza é apóstolo da Igreja Casa de Oração do Avivamento, que fica na rodovia, em Nova Palestina. Ele afirma que, além da visibilidade, a localização ajuda no trânsito dos fiéis até o templo, que começou com 60 pessoas, cresceu, e teve que mudar de dentro do bairro. Hoje, os cultos têm cerca de 800 frequentadores.
"As ruas são apertadas dentro do bairro. Na medida em que foi aumentando o número de membros, começamos a ter um fluxo muito grande de pessoas e problema de trânsito. Então, precisamos ir para principal, a Serafim Derenzi", argumenta Marcus.
FORTALECIMENTO
O último dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de é de 2011 e revela a força que os evangélicos já vinham ganhando por aqui: o Espírito Santo é o lugar do país com o maior número de fiéis, mais de 1 milhão de pessoas.
Nessa onda, Edebrande destaca que as igrejas pentecostais e neopentecostais se fortaleceram na região da Serafim Derenzi a partir do início dos anos 90. Enquanto isso, a Igreja Católica, que no passado foi muito atuante com as comunidades eclesiais de base, se distanciou da periferia, como a região oeste de Vitória.
O que marca essa história de fé também é o passado de luta e pobreza dos primeiros ocupantes do local, que chegaram a Vitória sem emprego, na época de industrialização da cidade, nas décadas de 70 e 80.
É nas camadas menos favorecidas, pelos indicadores do próprio IBGE, que notoriamente as igrejas pentecostais e neopentecostais têm penetrado mais. Porque atendem diretamente a situação de pobreza, de falta de saúde e desemprego, explicou o doutor em Ciências da Religião.
O pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular Carlos Alberto Dias confirma as mudanças, mas pontua também a necessidade que os indivíduos têm em seguir uma religião. São Pedro mudou muito. Invasão pobreza e lixão ficaram no passado. As pessoas buscaram Deus e por isso foram abertas outras denominações. Faz parte do ser humano buscar algo, que não está em pessoas e em bens, e sim no espiritual, disse.
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