Publicado em 11 de junho de 2018 às 19:41
A notícia do suicídio de dois alunos do ensino médio de um colégio tradicional de São Paulo, em menos de 10 dias, deixou o Brasil perplexo e revelou os desafios do mundo contemporâneo para a juventude. O tema foi debatido pela poeta e psicanalista Viviane Mosé, nesta segunda-feira (11), durante o Encontro de Gestores da Educação Pública Estadual, em Vitória.>
Em sua fala, Viviane destacou o aumento de 40% do índice de suicídio de crianças e adolescentes, de 10 a 14 anos no Brasil, e casos de automutilação, nos últimos anos. O que, segundo ela, é fruto de uma crise civilizatória. Estamos perdendo a capacidade de sentir e compreender a realidade a nossa volta. Quando uma criança se corta ela não quer sofrer, ela quer sentir, disse para os educadores presentes.>
Ela destaca o papel da escola com a falta de uma presença maior dos pais em casa em um mundo de tanta informação influenciadora. Para ela, o problema não é a internet, e sim o recebimento de informações irreais que, sozinhos, crianças, adolescentes e jovens não conseguem compreender e se defender. Outro ponto é a herança da busca incansável pelo sucesso, que levou o individualismo e a falta de compreensão dos sentimentos. Para ela, o tecido social desgastado deve ser reestruturado com o afeto.>
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VEJA ENTREVISTA>
Temos um alto índice de suicídio?>
Entre crianças e adolescentes de 10 a 14 anos houve um aumento de 40% nos índices de suicídio. A crise civilizatória é a exaustão humana. O modelo racional acabou com a gente. Não temos acesso ao nossos sentimentos. Na favela, as crianças brincam uma com as outras, mas se você vive em um apartamento de classe média, passa o dia inteiro no computador e esquece quem é você. Precisamos de convívio, de relacionamento, mesmo que seja de briga. A questão do suicídio é que o ser humano não quer ser ele.>
O modelo de busca por sucesso influenciou essa triste realidade?>
A gente passou por esse processo durante 300 anos pelos menos no Brasil, empurrando o de baixo para crescer. Atendi uma pessoa aqui de Vitória que veio da classe popular, cresceu, enriqueceu, e se tornou dono de uma empresa. Um dia, com 55 anos, ele virou para mim e disse que queria morrer porque sua vida não tinha mais valor.>
Ensinaram errado para gente. Que o importante é ser melhor do que os outros, mas o importante é você ser melhor do que você mesmo. A civilização está passando hoje por um desgaste de anos. Está caindo tudo na cabeça da juventude.>
O que o jovem precisa para enfrentar essa realidade?>
O jovem precisa voltar a viver. A maior política que uma pessoa faz hoje no mundo é defender a vida que perdeu o valor. As pessoas se matam, porque infelizmente nunca viveram. O jovem hoje tem que fazer política para não deixar se manipular pela informação. A informação nos manipula, fazendo a gente ficar triste.>
Se eu tivesse que dar uma dica para o governo do Espírito Santo seria investir em cultura, cinema, teatro, música, espaços públicos saudáveis. A coisa mais importante é festa popular. É festa de rua. A gente precisa investir em cultura.>
Falta interpretação da realidade?>
As pessoas sentem a realidade na cabeça e não no corpo. Você senta, lê jornal ou na internet e vê que a vida está uma porcaria. Sentir afeto às vezes não é nada. O sol não te alegra mais. Está te faltando corpo. Tudo é na cabeça. Uma pessoa senta e olha o mundo e interpreta que está tudo uma porcaria e pensa que é melhor morrer. Essa pessoa não quer morrer, ela só não sabe o que é viver. O que não dá mais é ignorar o lado afetivo e humano de nossos jovens e crianças.>
As pessoas que criticam a juventude, chamando de geração "mimimi", têm ciência dessa realidade?>
Detesto o termo "mimimi". É um desrespeito com a juventude. Acabar com sua vida e do seu colega é um gesto "mimimi", e você não vai cuidar disso? Vai continuar dizendo que é "mimimi". E se é "mimimi"? Os índices mostram que esse meninos e meninas vivem por um fio. Todos os dias isso acontece e vamos dizer que eles são culpados? Os meninos são "mimimi" porque o mundo caiu na cabeça deles. A educação precisa ensiná-los a ler o mundo.>
Recentemente vimos um caso de racismo de alunos de direito da PUC Rio com estudantes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) durante jogos estudantis (em jogos universitários, uma casca de banana foi jogada em um atleta negro e a torcida imitou um macaco para outro). Por que cresce essa intolerância entre jovens?>
A PUC do Rio é uma das faculdades mais elitistas que já vi na minha vida. É extremamente preconceituosa. Os alunos são muito ricos. Com o que aconteceu nesse evento poderiam ter morrido várias pessoas. Com a entrada dos pobres na universidade aumentou o ódio, a perseguição.>
Os garotos ricos que estão sendo racistas com os mais pobres da Uerj não estão fazendo isso porque são maus,fazem porque estão em desespero. Se você lê o que o Papa Francisco fala vai entender: não têm quem é rico e quem é pobre. Todos sofrem.>
Por que aumenta essa intolerância também entre os jovens?>
Qual o maior motivo de mortes de jovens e adolescentes é a questão de gênero. Isso é desintegração social. temos que ter amor por essas pessoas e tentar entender quem sofrendo. Na escola em Campos que desenvolvi o projeto de 90% se mutilam por questões de gêneros.>
A gente não está com ódio. Estamos com medo. Se as pessoas entendessem isso elas teriam mais carinho. Se a pessoa te trata com ódio. Olhe para essa pessoa e vê que ela está com medo.>
E como combater esse medo?>
Temos que encher a rua de alegria porque quando a pessoa sente ela melhora. Estamos saindo de um período muito ruim e a única saída é olhar nos olhos uns dos outros. É reunir. Ou o mundo melhora na tolerância ou não sobrará pedra sobre pedra.>
ACIONE O CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA: LIGUE 141>
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos. Há grupos para apoiar e auxiliar pessoas com qualquer desconforto emocional. Procure ajuda profissional ou voluntária: disque 141>
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