Publicado em 20 de novembro de 2019 às 16:48
O Brasil recebeu cerca de 5 milhões de escravos africanos ao longo de praticamente três séculos e meio de regime escravocrata. A sociedade brasileira foi a última a abolir a prática no continente americano. Homens, mulheres e crianças negras são considerados seres livres no território nacional há 131 anos. Mas a luta contra o preconceito e a desigualdade não terminou. Ela é travada todos os dias. >
Desde 2003, o Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado como um marco de resistência e uma oportunidade para fomentar a discussões sobre questões relevantes para o Movimento Negro. A data está regulamentada pela Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que incluiu o dia 20 de novembro no calendário escolar. >
O texto também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nas instituições de ensino. Para o militante do Movimento Negro e pesquisador das relações étnico-raciais e de estudos afro-brasileiros, o doutor em Educação Gustavo Forde, o dia 20 faz contraposição ao que é pregado no dia 13 de maio, data da Abolição da Escravatura.>
Na avaliação de Forde, o Dia da Consciência Negra tem uma importância histórica e relevância quanto memória coletiva. A época também traduz questões sociopolíticas essenciais ao processo de fortalecimento do diálogo e reflexão quanto ao conjunto de episódios que constituíram e sustentam a sociedade brasileira.>
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É um momento especial para que a própria população negra possa rememorar a sua história coletiva, a sua ancestralidade, reafirmar sua cultura e reafirmar o seu lugar em nível, enquanto grupo social. Significa, sobretudo, apontar que na sociedade brasileira, negros e negras ainda não são considerados sujeitos com mesmo valor social, pontua.>
A assistente social Meyrieli de Carvalho Silva é mestranda em Política Social pela Ufes e pesquisa o racismo nas políticas públicas. No entendimento dela, o Dia 20 é uma possibilidade educativa e de enfrentamento ao racismo como um elemento que estrutura as relações sociais.>
A combinação de poder e dominação que o racismo estabelece hierarquiza as vidas, conceitua a estética negra como feia e imprópria, demoniza religiões afro-brasileiras, encarcera em massa mulheres e homens negros e, de modo geral, coloca a população negra nos piores indicadores com relação à dignidade da pessoa humana, aponta.>
A partir da data de reflexão e celebração, Meyrieli enxerga o período como uma nova oportunidade para a discussão de novas lideranças negras. Segundo ela, não houve justiça e equidade a partir de 14 de maio de 1888, dia posterior à Abolição da Escravatura, ocorrida há 131 anos. >
Um dia após a Abolição da Escravidão, negros e negras não foram reparados e nem ressarcidos pelos quase 380 anos de assassinatos, estupros, rompimento forçado de vínculos familiares e comunitários, dentre tantas violações acometidas a população negra no Brasil, ressalta.>
Mas os abusos do passado permanecem enraizados na sociedade, provocando graves distorções, como as retratadas na série de reportagens produzidas por A Gazeta, nos últimos cinco dias. As matérias apontam que a desigualdade e o preconceito se manifestam em números. Embora sejam maioria no Espírito Santo, representando 63,3% da população capixaba, as pessoas autodeclaradas pretas e pardas lidam com o desemprego, recebem os menores salários, têm baixa escolaridade, vivem em moradias inadequadas e são os que mais sofrem com a violência.>
Com renda inferior aos brancos, os negros são os que mais comprometem o salário com o aluguel do imóvel onde moram, têm menos acesso à internet e também a bens de consumo como carro, moto e máquina de lavar. Para se ter uma ideia, só 3 em cada 10 pessoas pretas possuem carro. >
Essas restrições de consumo estão relacionadas à dificuldade em obter crédito, uma vez que os negros são os que recebem os menores salários. A comparação entre a renda de pessoas autodeclaradas pretas e brancas, no setor público e na iniciativa privada, revela um abismo financeiro. >
Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2017, da Secretaria do Trabalho, do Ministério da Economia, apontam que um homem autodeclarado preto em cargo público ganha 32,1% a menos do que um branco no mesmo segmento. Enquanto um homem preto recebe R$ 6.114,22, um branco ganha R$ 9.006,05. >
Já a morte de negros no Espírito Santo é quase cinco vezes maior do que a de brancos. As estatísticas revelam a luta diária pela sobrevivência definida pela cor da pele e também a solidão dos negros que conseguem ascender na sociedade. "Não tem preto em quase nenhum lugar onde eu vou", comenta o primeiro desembargador negro do Espírito Santo, Willian Silva, 64 anos. Em entrevista para A Gazeta, ele relembra a sua trajetória até ser eleito como desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, em 2011, e faz uma reflexão sobre os atrasos impostos pelo preconceito. "Eu cheguei por merecimento, mas poderia ter chegado antes, também por merecimento", analisa. >
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