O roubo de celular é um crime que acabou se tornando comum nas ruas da Grande Vitória. Muitas vezes, os bandidos abordam as vítimas e sequer se atentam a outros pertences que não sejam os aparelhos telefônicos. A situação pode parecer simples, mas por trás desses assaltos, que duram segundos, existe uma rede criminosa que lucra e o dinheiro acaba indo parar nas mãos de traficantes e até mesmo comerciantes.
Para quebrar esse ciclo organizado e lucrativo, a Polícia Civil está fechando o cerco também contra quem compra esses produtos. É o que relata um investigador, que prefere não ser identificado, mas realiza um forte trabalho contra esse mercado negro.
O assaltante rouba o celular porque deve na boca de fumo e paga aos traficantes. Em seguida o aparelho é entregue a um técnico, que por ele paga entre R$ 100 a R$ 150. Depois repassa esse celular para um vendedor, que vai colocar ele de volta no mercado e todos lucram, explicou.
DESBLOQUEIO
No momento da venda do aparelho, já depois de ser desbloqueado pelo técnico, o principal meio de repassar o produto é pela internet, por anúncios. O valor é abaixo do preço de mercado e não existe nota fiscal.
Em caso de insucesso na esfera virtual, o vendedor oferece o produto em lojas físicas. E dois polos são conhecidos da polícia como pontos de negociação de celulares roubados: Campo Grande e Aribiri.
O vendedor, nos dias de semana, vai pela OLX e no comércio de Campo Grande. Quando não consegue, no final de semana, vende na Feira de Aribiri, relatou o investigador.
No final do ciclo está o comprador comum, dividido em duas categorias: o que sabe que adquire produto de crime e o outro não tem essa certeza, mas não toda os cuidados para descobrir a origem do celular.
No caso, como explica o delegado titular do Distrito Policial de Campo Grande, André Landeira, os dois cometem crimes, mas com agravantes diferentes.
A receptação comum, quando se sabe que é produto de roubo, a pena vai de 1 a 4 anos de cadeia. É a mesma pena do furto simples. Se for uma receptação culposa, quando a pessoa deveria saber que é produto de crime, pelo preço, por não ter nota fiscal, a pena é de 1 mês a 1 ano, ressaltou.
No caso da pessoa pega com um celular roubado ser o dono de um comércio, ou alguém que esteja lucrando com a situação, a pena é mais grave, pois se enquadra na receptação qualificada, diz o delegado.
Se for um comerciante, que trabalha com compra e venda de aparelhos, se trata de uma receptação qualificada, onde a pena é de 3 a 8 anos, e deveria aumentar. O comerciante tem o dever de saber se é roubado ou não. Ele sabe que pode pesquisar mesmo sem a nota fiscal, no site da Anatel, assinala Landeira.
O investigador acredita estar lidando com uma organização criminosa que é silenciosa e chama pouca atenção, mas ajuda a financiar crimes de maior potencial e mais graves.
É difícil produzir provas e aplicar a legislação contra esse receptador. Quem compra o celular roubado vai financiar o tráfico de drogas. É um crime organizado. O cara da moto tem um interesse no roubo, a boca de fumo tem interesse, o técnico, o vendedor e o cara que vai comprar. Tudo mundo ganha em cima desse tipo de crime, concluiu.
PM ATUA EM PONTOS DE VENDA DE CARIACICA
A Polícia Militar está trabalhando na repressão da venda de celulares roubados na região do comércio de Campo Grande, em Cariacica. Na semana passada, uma guarnição, durante uma abordagem de rotina na pracinha da Expedito Garcia, conseguiu recuperar um telefone com restrição.
O aparelho havia sido roubado durante assalto a um motorista de aplicativo, que aconteceu no último dia 14. A vítima contou que o crime foi cometido por um casal.
Entraram dois jovens no carro. Eles me mandaram parar e me assaltaram, contou. O motorista perdeu celular e dinheiro. Na segunda-feira após o crime, que aconteceu na sexta, ele foi até uma delegacia, com o número do Imei do aparelho, e registrou o boletim de ocorrência.
Com isso, o aparelho ficou com uma restrição no sistema integrado das polícias. Dessa forma, os PMs, ao abordarem o vendedor, conseguiram identificar que se tratava do aparelho dele, como conta o subcomandante da 2ª Companhia, tenente Tiago Santana.
A gente faz as abordagens em geral e durante verificação do nome e dados da pessoa, a gente também verifica o Imei do celular. Quando consta restrição, a gente faz a condução para a delegacia. Isso fica registrado no sistema e conseguimos fazer a verificação, relatou.
LOJISTAS: DOIS SÃO PRESOS
Dois comerciantes donos de lojas de celulares em Vila Velha e Cariacica foram presos, após investigações da Polícia Civil apontarem atuação na compra e venda de celulares roubados.
A informação é do delegado titular da Delegacia Especializada de Segurança Patrimonial, Henrique Vidigal. Em entrevista, ele não revelou os bairros onde os estabelecimentos funcionavam, mas ressaltou a identificação desses indivíduos.
Já conseguimos identificar alguns receptadores que praticam por atividade comercial. São pequenas lojas de comércio de bairro. Pegamos uma loja em Cariacica e uma em Vila Velha e prendemos os proprietários, contou.
Ainda de acordo com Vidigal, os dois foram autuados pelo crime de receptação qualificada e vão responder na Justiça. As penas vão de 4 a 8 anos.
Apesar da atuação nessas lojas, o delegado acredita que o principal meio de comércio desses celulares seja pela internet. Após o roubo, eles são ofertados na internet por um valor abaixo do mercado. A pessoa que compra esse produto e não exige os documentos básicos está sujeita ao cometimento de receptação culposa, ou qualificada, que é com a intenção de revender, afirmou Vidigal.
O delegado acredita que esse tipo de crime seja cometido por pessoas que estão envolvidas com drogas e deu dicas para pessoas que buscam aparelhos por valores mais baixos, sem se complicar.
A pessoa alega que não sabe, mas se compra barato e sem nota fiscal está cometendo o crime. O principal é pedir a nota fiscal, é o mínimo que a pessoa tem que fazer. A pessoa que está vendendo diz que não tem a nota, você pode exigir a declaração de venda. As lojas são obrigadas a ceder, concluiu.
DESESPERO
O trabalho da polícia contra os integrantes do mercado de celulares roubados beneficiou uma diarista de 39 anos, que havia tido um prejuízo de cerca de R$ 1000. A vítima foi assaltada quando chegava ao trabalho, na Praia do Canto, em Vitória, e conseguiu recuperar o aparelho mais de um ano depois. Ela contou como tudo aconteceu.
Como foi o roubo?
Fui assaltada em meados de outubro do ano passado. Consegui meu celular de volta há cerca de duas semanas. Estava indo trabalhar, eram umas 8h30, na Praia do Canto e quando estava guardando o telefone, dois caras viram. Estavam em uma moto vermelha, os dois bem vestidos, aí encostaram e me abordaram.
O que eles disseram?
O que estava na garupa desceu, mostrou a arma e mandou eu entregar o telefone. Disse para eu não gritar ou atiraria. Eu entreguei e eles fugiram.
O que você fez?
Fiz um BO na DP da Praia do Canto. O policial disse que não daria para achar, pois ele seria bloqueado. Fiquei desesperançosa, tinha sete meses que eu o tinha comprado e paguei R$ 1000.
E como foi recuperado?
Minha irmã ficou sabendo e como trabalha na polícia, ela me pediu os dados do telefone, aí um tempo depois ele apareceu anunciado na OLX. Foi um bom tempo depois. Aí a menina comprou o telefone e os policiais conseguiram chegar até ela. Ligaram para ela e exigiram que o devolvesse. A menina disse que tinha comprado pela OLX e era de Inhanguetá.
Foi uma surpresa para você reaver o aparelho?
Eu consegui recuperar, estava normal e com a película que eu coloquei. Foi uma surpresa muito grande conseguir recuperá-lo depois de tanto tempo. Meu patrão me deu outro, eles ficaram tristes por eu ter passado por aquilo e falou que eu realmente tinha que ter entregado.
O que dizer dessa situação de pessoas que compram esses produtos roubados?
Eu acho absurdo a gente trabalhar tanto para comprar as coisas e alguém vir e tomar. Também é crime comprar o aparelho roubado e tinha que ter uma pena maior para isso. Agora eu nem atendo telefone na rua. Venho trabalhar de bicicleta e só o pego quando chego no trabalho.
DE OITO A DEZ VÍTIMAS REGISTRAM O ROUBO DE CELULAR POR DIA
Somente no Distrito Policial de Campo Grande, em Cariacica, cerca de oito a dez vítimas chegam por dia para registrar ocorrências de roubo ou furto de celulares. Os crimes acontecem de diversas formas, sendo em pontos de ônibus, dentro dos coletivos, ou cometidos por motoqueiros, nas ruas da Grande Vitória.
O delegado André Landeira, explicou que, atualmente, o telefone celular é o bem mais cobiçado pelos bandidos. Ele acredita que isso decorre do fato das pessoas andarem com pouco dinheiro em espécie, além das facilidades encontradas para se vender o produto do crime. O cara assalta, dobra a primeira esquina e já vende. E tem gente que compra, afirmou Landeira.
O delegado ainda ressalta que os roubos de celulares aumentam a cada e dia e, com isso, também eleva o risco à vida de quem está sendo vítima desse crime. O bandido enxergou que isso é muito lucrativo. E aí o risco das pessoas morrerem por causa de um celular é muito grande, ressaltou.
O delegado destaca a importância do registro de boletim de ocorrência após um roubo. A vítima deve levar a caixa do aparelho, com o número do Imei, que é um registro do telefone. No caso de apreensão de aparelhos roubados, a polícia consegue determinar de qual crime aquele produto foi subtraído e devolver ao proprietário.
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