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'O jornalismo é que filtra a realidade', diz Murilo Salviano

"O jornalismo é que filtra a realidade", diz Murilo Salviano

Repórter especial do Fantástico, que já cobriu de crises políticas em Brasília à tragédia de Brumadinho, abre o 22º Curso de Residência em Jornalismo nesta segunda-feira (8) falando sobre jornalismo e internet

Publicado em 6 de julho de 2019 às 22:13

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Ele tem apenas 28 anos mas, a despeito da pouca idade, é um dos rostos mais conhecidos da nova geração de jornalistas e carrega no currículo coberturas dignas de veteranos, como o impeachment da ex-presidente Dilma, a tragédia em Brumadinho e uma jornada de norte a sul do país, durante 30 dias, pela BR 101. Com dupla formação em Jornalismo, Murilo Salviano hoje é repórter especial do “Fantástico”, da TV Globo, e abre nesta segunda-feira (8) a 22ª edição do Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta, em Vitória.

A aula inaugural do curso começa às 9 horas e é aberta ao público (veja na página ao lado como se inscrever). Na palestra, Murilo vai abordar a relação entre jornalistas e público nas redes sociais e, também, a produção de novos formatos jornalísticos. Na entrevista a seguir, Salviano adianta algumas dicas. Confira:

Você iniciou sua trajetória em Brasília, na GloboNews, cobrindo o Congresso Nacional num momento de muita efervescência política. Como foi lidar com coberturas tão densas?

Foi tudo muito desafiador e muito edificante. Acredito que minha segurança nas coberturas intensas de política foi resultado de dois pilares principais. O primeiro deles é a preparação. E isso é muito importante, porque quase ninguém vê o tanto que nós jornalistas estudamos, lemos e nos preparamos antes de encarar uma cobertura. Eu tinha 24 anos quando fui promovido a repórter de política da GloboNews – o que assustou muita gente na época, porque a área sempre foi dominada por uma equipe mais sênior. Mas antes de me tornar repórter de TV, eu já tinha construído uma trajetória sólida no jornalismo. Eu tinha concluído duas faculdades de jornalismo, aqui no Brasil e outra na França, havia produzido e editado programas especiais da GloboNews e trabalhado por outras redações, como a Globo Londres e a RFI, em Paris. E é neste ponto que aparece o segundo pilar que citei: a equipe. Ninguém faz Jornalismo sozinho na televisão. Apesar de enfrentar a câmera ao vivo sozinho, eu tinha o suporte de produtores, editores e uma chefia firme e segura - na época, Eugenia Moreyra e Ricardo Villela.

Em que medida lidar com os bastidores da política foi desafiador para um recém-chegado à profissão?

Cobrir os bastidores de política exige muita destreza e responsabilidade. A nossa missão é desconfiar, sempre. Por isso é preciso checar com todos os lados, ouvir personagens secundários e, principalmente, não tomar posição partidária diante dos fatos. O maior desafio, no início, foi ter acesso a fontes confiáveis de informação, afinal de contas a notícia em Brasília é praticamente invisível. Ela acontece a portas fechadas. Eu tive que literalmente bater nessas portas, tomar café, ser resiliente. Insistir. Indagar. Gastei muita sola de sapato. Ralei muito. E nesse garimpo de fontes, tive muita sorte de contar com a ajuda da repórter Andreia Sadi, que já tinha experiência no Congresso, e que esteve ao meu lado nesse movimento de renovação da cobertura de política da GloboNews. Nós fomos efetivados na mesma época, dividimos muitas coberturas e o bom resultado dessa parceria acabou abrindo espaço para outros profissionais que entraram em seguida na cobertura de política.

Uma das séries que você produziu para a GloboNews, o diário de bordo da BR 101, mostrou um recorte do Brasil que pouca gente conhece. Que país você descobriu nessa jornada?

Descobri um Brasil de noites pretas, com eletricidade à base de geradores, sem sinal de telefone, sem internet. Descobri um Brasil que planta o que come, de agricultura familiar, um país rural. Descobri um Brasil com uma forte desilusão política, desconectada de Brasília, sedenta por políticas públicas sérias e eficazes. Descobri um Brasil de gente trabalhadora, que sonha em ter acesso à educação, a uma escola com mínimas condições de funcionamento. Descobri um Brasil sem acesso ao saneamento básico. Metade do país não tem saneamento básico! Dá pra acreditar? Descobri um Brasil do passado, que perdura no presente.

Há algo que tenha te chamado atenção na passagem pelo ES durante a rota na BR 101?

No Espírito Santo, conhecemos o primeiro mosteiro budista da América Latina. Fica em Ibiraçu, é lindo! Fomos muito bem acolhidos. Tivemos a oportunidade de meditar e entender que a paz que muitos buscam no mosteiro está na verdade adormecida dentro de nós mesmos. O monge nos repetiu várias vezes: a paz é interior! Interior! Não importa se você mora em uma área barulhenta da cidade ou no isolamento do campo. Todos somos capazes de alcançar esse equilíbrio emocional. Um mosteiro vai te ajudar a fortalecer essa “musculatura” mental, mas cabe apenas a você despertar e alimentar essa paz. Outro ponto que me chamou a atenção no Espírito Santo foram os trechos perigosos da BR 101, com muitas pistas simples e caminhões carregados.

Com a experiência de quem já cobriu os bastidores do Congresso e depois percorreu 12 Estados do país, de Norte a Sul, você enxerga alguma conexão entre a realidade das pessoas e o que de fato é discutido pelos políticos?

Na verdade eu vejo uma grande desconexão. Se você acompanhar a pauta do Congresso, verá que os grandes temas de interesse nacional permanecem adormecidos ou estagnados, avançam a passos lentos, principalmente nas áreas de educação e saúde. Não à toa vemos nos últimos anos uma grave crise de representatividade no Congresso, revelada em pesquisas com eleitores.

Você faz parte de uma nova geração de jornalistas, que inclui, entre outros, Andreia Sadi, Nilson Klava, Pedro Figueiredo e Marcelo Cosme. Embora com perfis de atuação diferentes, vocês têm em comum uma presença constante em redes sociais e grande interação com o público. Isso interfere, de alguma forma, na maneira de trabalhar?

Zero interferência. Uso o espaço das redes sociais para conversar com um público específico e chamar para os conteúdos que serão ou foram exibidos na TV em minhas reportagens. É um espaço para compartilhar impressões, sentimentos, bastidores. Mas não tem influência sobre o que produzo. O Grupo Globo tem princípios editoriais muito claros sobre o comportamento dos seus jornalistas nas redes sociais. Não posso participar de um espaço público desconsiderando o fato de que sou jornalista. De certa forma, a minha figura representa o trabalho de uma grande equipe de jornalismo, então preciso tomar muito cuidado para não misturar uma figura pública a opiniões privadas.

Como você enxerga a forma como as pessoas têm lidado com as redes sociais? Há uma impressão geral de que o ambiente virtual tornou-se menos tolerante, mais raivoso... esse comportamento virou um obstáculo para o jornalismo, a seu ver? Ou dá pra fazer “do limão, a limonada” e arrancar pautas desse ambiente?

Os algoritmos das redes sociais colocaram as pessoas dentro de bolhas. Elas costumam ler e ver apenas as postagens que o sistema seleciona de acordo com um balanço de suas próprias curtidas e comentários. Se eu e você abrirmos as mesmas redes sociais neste exato momento, muito provavelmente teremos acesso a conteúdos diferentes. Pode reparar! Isso cria uma falsa impressão do debate público. É preciso ter muita parcimônia com aquela “realidade” vista nas redes sociais, porque aquilo não reflete o todo. É o bom Jornalismo, profissional, que tem essa capacidade de filtrar a realidade.

Em que momento você virou a chave da cobertura política para o entretenimento, com a ida para o Fantástico?

Essa “virada” de chave nunca aconteceu. Sou o mesmo repórter, seja no Fantástico, na GloboNews ou no Jornal Nacional. O formato das reportagens muda de acordo com o produto, mas a matéria-prima é a mesma. É a informação. O Fantástico é o maior programa jornalístico da televisão brasileira, que mistura atualidade, investigação e boas histórias. O entretenimento é apenas uma pequena parte do programa, e do qual não participo, como o quadro “Isso a Globo não mostra”, que aliás acho muito divertido! Na GloboNews, por exemplo, fiz várias grandes reportagens que se encaixariam no estilo mais denso do Fantástico, como a “BR 101” e o “Sol Nascente”, sobre uma das maiores favelas do Brasil que fica nas proximidades do Congresso Nacional.

Você fez uma cobertura super extensa da tragédia de Brumadinho, após o rompimento da barragem da Vale. Como foi lidar tão de perto com esse cenário que chocou o país?

Talvez tenha sido a cobertura mais difícil da minha carreira, até o momento. Normalmente, quando você cobre uma tragédia, você volta pra casa ao final do dia, toma um banho, e tenta se distrair, para amortecer o impacto daquelas cenas que você viu. Mas em Brumadinho foram 15 dias mergulhado naquele universo. Todo mundo na cidade tinha amigos ou parentes atingidos no rompimento da barragem. Então você entrava num café pra recuperar o fôlego e se deparava com um clima de profunda tristeza. Era assim também no almoço, jantar. Não foi fácil, perdi o sono em várias noites pensando naquelas famílias, mas persisti na cobertura. Foram 15 dias convivendo com aquela imensa dor dos moradores. Como forma de catarse, o repórter cinematográfico Eduardo Torres e eu decidimos fazer uma reportagem mais subjetiva a partir da visão dos integrantes de uma banda sinfônica. Foi uma reportagem em que os moradores puderam expressar os sentimentos que inundavam a cidade.

É um chavão dizer que “o jornalismo é o quarto poder da República”. Mas talvez nunca antes os veículos de comunicação tenham sido tão atacados e postos à prova, e ainda por cima há esse fenômeno global das fake news. Qual a sua fórmula para lidar e sobreviver a isso?

A melhor forma de combater fake news é continuar fazendo um jornalismo responsável e profissional. Tenho zero medo dos haters. Eles sempre existiram.

Muitos estudantes de jornalismo e recém-formados sonham em fazer TV, entretenimento, mas pouco se ouve (pelo menos no Espírito Santo) dizer que alguém quer começar a carreira cobrindo política ou tragédias. O que você, que já passou por todas essas realidades, pode dizer aos futuros profissionais sobre isso?

Eu também não escolhi (risos). Mas aconteceu! No Jornalismo a gente não escolhe nada, é a realidade que acontece, e a gente corre atrás.

Já que vamos abrir uma nova turma do Curso de Residência, na sua opinião, que características não podem faltar em um bom jornalista?

Responsabilidade e dedicação. Não é fácil ser jornalista. É preciso ser resiliente. Muitas vezes passamos meses distantes da nossa família para concluir um projeto ou uma reportagem. Enfrentamos condições adversas para adentrar nos rincões do Brasil. Jornalismo é uma opção de vida. E eu amo isso. 

Inscreva-se e participe

O que: Palestra “Novos formatos jornalísticos: como produzir conteúdo em tempo real e criar engajamento com o público”.

Quando: Segunda-feira (8), credenciamento a partir das 8h30

Onde: Auditório da Rede Gazeta

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