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Moradores de rua encontram na escola oportunidade de recomeçar

Moradores de rua encontram na escola oportunidade de recomeçar

Para mudar de vida, muitos viram a oportunidade na escola

Publicado em 30 de março de 2018 às 22:32

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O dia de Aristeu Maria Júlio, de 50 anos, e Vinícius Herculano Prudêncio, de 44 anos, começa em quartos compartilhados na casa de acolhimento para pessoas em situação de rua, no Centro de Vitória. O café é servido e às sete horas da manhã, assim como todos que ali passaram a noite, deixam o local.

Suas histórias estão marcadas pela incerteza e indiferença vividas no cotidiano. Condição que querem deixar no passado. Nas salas de aula do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), campus Vitória, onde estudam, buscam novas oportunidades para moldar o futuro. Aristeu está matriculado no curso técnico de Metalurgia e Vinícius, no de Turismo.

Aristeu Julio, aluno do Ifes, faz o curso de técnico em metalurgia. (Fernando Madeira)

Eles compartilham a rotina: passam o dia no Centro de Referência Especializado de Assistência Social para População de Rua (Centro-POP), da Prefeitura de Vitória, onde fazem as refeições e higiene pessoal. Foram incentivados por professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de lá a tentar uma vaga no Ifes. No instituto, as aulas são de segunda a sexta-feira, no período noturno.

No Ifes, desbravam as tecnologias. Algo que nas ruas nunca tiveram acesso. “É tudo novo. É uma escola supergrande e moderna. Nunca tinha entrado na internet ou usado um computador”, afirmou Vinícius, empolgado com a estrutura do Ifes, que começou a utilizar no início deste ano.

Já Aristeu começou a estudar no Ifes em 2017, no curso de Turismo, e neste ano trocou para Metalurgia. Achou a prova de seleção bem complicada. “O teste para entrar no Ifes foi difícil, mas consegui. Agora, pretendo fazer um estágio e trabalhar“, contou.

Vinícius teve contato com um computador pela primeira vez no Ifes. (Fernando Madeira)

OPORTUNIDADES

Natural da Bahia, Aristeu terminou o ensino médio e o curso de Pedagogia. Trabalhou como professor de alfabetização em Nova Viçosa, sua cidade natal, e, após ficar desempregado, se mudou para Vitória em busca de novas oportunidades de emprego e estudos. Na época, com 20 anos, se abrigou na casa da irmã de criação, e pretendia fazer o vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Sua vida no Espírito Santo não foi fácil. Os planos de estudar na Ufes não deram certo. Trabalhou como ajudante de pedreiro, servente e porteiro para pagar as contas e aluguel de sua casa. Sem mais contato com a irmã, estava empregado e com carteira assinada, mas passou a ter surtos psicológicos e pediu demissão. Começou a fazer o uso de medicamentos controlados, perdeu a noção de sua realidade e foi morar na rua.

“Eu tive um problema de desvio mental. Fiquei aéreo por um tempo. Saí do trabalho e fui fazer o tratamento no Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Ficava desorientado. Não tive mais dinheiro para pagar aluguel e nem para comprar comida”, recordou Aristeu.

Vinícius, por sua vez, vive na rua desde os sete anos de idade e diz não culpar os pais, hoje já falecidos, por suas escolhas. Nascido em São Paulo, capital, trabalhou na área técnica de limpeza de bueiros e como faxineiro. Tem uma filha de 10 anos que mora com a mãe e está no Espírito Santo há cinco anos. “Vim para Vitória com o intuito de sair da rua. Estou ficando velho já. Aqui tem uma possibilidade melhor de ajuda para as pessoas em situação de rua”, avaliou.

"SEMPRE TIVE O SONHO DE ESTUDAR E SER ALGUÉM"

Aos 44 anos, Mauro Cezar Alves divide a sala de aula no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) com estudantes de sua idade, gente mais nova e até mais velha. Cursa o primeiro ano do ensino médio integrado com o curso técnico de Segurança no Trabalho. As aulas são de segunda a sexta-feira, no período vespertino, e aos sábados, no matutino.

“Sempre tive vontade de estudar, mas não tinha oportunidade. Éramos seis irmãos e minha mãe não tinha condição financeira. Eu que era o mais velho tinha que trabalhar para ajudar dentro de casa. Sempre tive o sonho de estudar e ser alguém”, diz Mauro Cezar, que havia parado de frequentar a escola na sexta série do ensino fundamental.

Assim como Aristeu Maria Julio e Vinícius Herculano, Mauro Cezar queria mudar sua condição de vida. Sem ter onde morar, frequentou o Centro de Referência Especializado de Assistência Social para População de Rua (Centro-POP) e a hospedaria noturna. Hoje, é beneficiado com o auxílio-aluguel da Prefeitura de Vitória. Mora em uma república com mais cinco pessoas que, assim como ele, viviam em situação de rua.

Mauro Cezar é natural da cidade de Governador Valadares, Minas Gerais. Aos 16 anos, se mudou para o município de Colatina, no Espírito Santo, para trabalhar na colheita do café. Voltou a estudar no programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), concluiu o ensino fundamental e começou a estudar no Ifes em 2014.

“Eu comecei a fazer a EJA no Centro-POP. Quando completei o fundamental, os professores de lá me falaram da prova do Ifes. A primeira vez que fui fazer fiquei com medo. Depois eu voltei, vi que não era um bicho de sete cabeças. Nem acreditei na hora que vi meu nome entre os aprovados.”

A falta de dinheiro e desavenças na rua chegaram a fazer com que Mauro Cezar se mudasse de Vitória e trancasse a matrícula por um tempo. Mas ele voltou a estudar no início deste ano e não pretende mais parar.

SUPERAÇÃO

"Chega Uma hora em que você perde o rumo da vida", afirmou o estudante Mauro Cezar Alves, de 42 anos

Mauro Cezar Alves interrompeu os estudos na sexta série do fundamental para trabalhar e ajudar a família.

Por que veio para o Espírito Santo?

Vim trabalhar na colheita de café em Colatina. Tem mais de 22 anos que estou aqui.

Quando começou a viver na rua?

Desde quando eu fui para Colatina. Lá eu não tive casa. Não me lembro ao certo quando eu vim para Vitória, porque chega uma hora em que você perde completamente o rumo de sua vida. Vim para cá trabalhar também.

Como é morar na rua?

É muito sofrimento, privação e discriminação. Falta de respeito com o ser humano. Tanto das autoridades quanto das pessoas, passei fome. Mas felizmente sempre alguém me ajudava.

E voltar a estudar?

Sempre quis estudar, mas não tive oportunidade.

Mauro Cezar trocou a colheita de café pelos livros. (Fernando Madeira)

REDE SOLIDÁRIA

Políticas públicas de assistência a pessoas em situação de rua é uma necessidade latente dos centros urbanos. Vitória possui o Serviço Especializado em Abordagem Social, que conta com psicólogos, assistentes sociais e educadores que identificam as demandas dos moradores de rua que precisam de ajuda para ressignificar suas vidas. Aristeu, Vinícius e Mauro Cezar, que estudam no Ifes, contam com esse serviço.

No bairro Mário Cypreste, próximo ao Sambão do Povo, em Vitória, funciona de segunda a sexta-feira o Centro de Referência Especializado de Assistência Social para a população de Rua (Centro-POP). Lá são oferecidos alimentação, produtos para higiene pessoal, serviços de saúde e educação como o projeto de Educação para Jovens e Adultos (EJA).

“A proposta do Centro-POP é trabalhar as necessidades básicas desde a alimentação e higienização até a assistência psicossocial e jurídica. Isso para que eles possam construir novos projetos de vida, como o retorno para a família, o trabalho e a volta aos estudos”, afirmou o assistente social e coordenador do Centro-POP, Mauro Souza Motta.

No Centro da Capital, pessoas cadastradas fazem o uso da casa de acolhimento noturno para dormir. No local é oferecido café da manhã.

No bairro São Pedro funciona o projeto Escola da Vida. É um espaço de formação onde as pessoas em situação de rua ampliam e despertam suas potencialidades, com cursos profissionalizantes e oficinas de arte e cultura.

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“A gente trabalha com eixos temáticos voltadas para a formação e autoconhecimento, da ressignificação de histórias de vida e o desenvolvimento de habilidades empreendedoras. Assim essas pessoas poderão ter acesso e oportunidade na sociedade”, explica o coordenador do projeto, Luiz Melo.

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