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Justiça recebe 10 ações por dia por calúnia e difamação

Justiça recebe 10 ações por dia por calúnia e difamação

Em 2017 foram 3,4 mil processos julgados no Espírito Santo

Publicado em 29 de janeiro de 2018 às 01:16

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(Edson Chagas | Arquivo | GZ)

Usar palavras ofensivas, inventar boatos, levantar falsas suspeitas contra alguém. Se em um primeiro momento ações como essas podem parecer meras brincadeiras de mau gosto ou atos impensados, aos olhos do Código Penal Brasileiro elas dão origem aos crimes de injúria, difamação e calúnia, que vão parar na Justiça. Somente no ano passado, 3.421 processos relacionados a estes delitos foram julgados no Espírito Santo, o equivalente a quase dez ações por dia.

Os chamados crimes contra a honra também foram alvo de outros 3.496 processos em 2016 e 3.283 em 2015. Embora semelhantes, cada um possui suas especificidades. Ao criar uma história falsa, acusando outra pessoa de ter praticado algum crime, por exemplo, o criador da farsa é quem está cometendo a verdadeira infração: calúnia. Segundo o professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), Jovacy Peter Filho, entre os três delitos este é o mais grave. No ano passado, ele motivou o julgamento de 641 processos.

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Houve uma situação em que uma sobrinha chamou a tia de prostituta e essa expressão a violou muito

Jovacy Peter Filho, professor de Direito Penal da FDV
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“Um caso em que atuei diante de um crime de calúnia foi na separação de um casal. Durante a partilha da guarda, a mãe acusou o pai de ter abusado sexualmente da criança. Mas a criança nunca havia relatado nada e tinha uma relação muito boa com o pai. Nenhum exame apontou a conduta de estupro de vulnerável. Por isso, o pai ingressou com uma queixa-crime contra essa mulher”, lembra Jovacy.

Em um outro processo, o professor conta que a queixa-crime partiu de um advogado, que foi acusado pelo síndico de um prédio para o qual prestava serviços de ser relapso e relaxado perante os demais integrantes do conselho. A situação é o exemplo de um caso de difamação, quando a reputação de um indivíduo é ferida diante dos demais.

Já o crime de injúria refere-se à ofensas que incomodam diretamente a vítima. Diferente da difamação, não é preciso que outras pessoas presenciem o fato. “Houve uma situação em que uma sobrinha chamou a tia de prostituta e essa expressão a violou muito. Isso é justamente o que configura a injúria, é quando a honra subjetiva da pessoa é ferida, ou seja, o conceito que ela tem de si mesma”, descreve.

NA JUSTIÇA

Conforme explica o professor de Direito Penal e Processual da Universidade de Vila Velha (UVV) André Palhano, os crimes contra honra são considerados de menor potencial ofensivo e, por possuírem penas de no máximo dois anos de reclusão, são julgados nos juizados especiais criminais.

Em muitos casos os processos não vão à frente em razão de acordos feitos em audiências de conciliação, que ocorrem antes mesmo de o assunto chegar às mãos do juiz. No entanto, caso todas as tentativas de negociação falhem, um sentença será dada pela Justiça. Ainda assim, os reús não responderão pelo crime na cadeia.

“Se o juiz concluir que houve crime contra a honra, ele aplicará uma pena alternativa à prisão, que pode ir desde à doação de sextas básicas, até limitações de fim de semana, serviços comunitários e interdição temporária de direitos”, explica o professor, que acrescenta: Desde 2008, o juiz também deve estabelecer um valor em dinheiro a ser pago à vítima como indenização”.

O estudante de Direito Alexy Postay Casteluber, 26, descobriu em seu trabalho de conclusão de curso que metade dos cerca de 1.300 processos de crimes contra a honra existentes em Vitória, Cariacica, Vila Velha, Serra e Viana, em 2016, não foram levados à frente devido às perdas de prazo e ao não cumprimento de requisitos exigidos pelo processo por parte das vítimas.

“Se os crimes saíssem do código penal e fossem julgados com base no Código Civil seria um processo muito mais rápido e certamente as vítimas teriam um retorno bem maior”, defende.

DEPOIMENTO

 

(Arquivo pessoal)

Em 2015 eu trabalhava como coordenadora em uma escola da prefeitura de Vila Velha, quando chamei a atenção de uma aluna que teve um desentendimento durante o recreio. A mãe dela, então, me acusou de ter batido na filha, mas isso não aconteceu, eu estava apenas cumprindo com a minha função. Até a polícia foi à escola me procurar, assim como a ouvidoria da prefeitura e o Ministério Público, pois ela fez um boletim de ocorrência.

Ela colocou à prova a minha índole e anos de minha vida

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As pessoas não têm consciência do mal que podem causar

Jacqueline Neres, professora
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dedicados ao trabalho. Por isso eu entrei na Justiça com um processo por injúria, difamação e calúnia. Ele ainda está em andamento, mas eu vou levá-lo até o final porque essa mulher me fez muito mal. Eu me mantive na escola por apenas um ano mais, pois não me senti apoiada. Tive que fazer tratamento psicológico e tomei remédios para depressão. As pessoas não tem consciência do mal que podem causar.

ANÁLISE

 Keli Lopes Santos Presidente da Comissão de Saúde do Conselho Regional de Psicologia 

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Difamação, calúnia e injúria são consideradas violências porque ferem a honra e a dignidade da pessoa, ferem aquilo no que ela acredita. Isso pode acontecer no contexto do trabalho, pode ter um recorte de gênero, de racismo, de homofobia. Essas três categorias são juridicamente diferentes, mas impactam na vida do indivíduo por causa da importância que a inserção no meio social paras as pessoas. Esses crimes podem causar um sofrimento agudo e até um sofrimento crônico se não tratado: depressão, crise de pânico, isolamento social, autodepreciação, perda da autoestima, insônia, desejo de vingança. Todas são consequências muito sérias. É uma violência que pode causar sofrimento psíquico e que em alguns casos exige o acompanhamento de um psicólogo.

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