> >
Internações por dependência: ES paga quase 100 vezes mais em 8 anos

Internações por dependência: ES paga quase 100 vezes mais em 8 anos

Gastos com dependentes químicos foram determinados por Justiça

Publicado em 19 de julho de 2018 às 01:39

Instituto Nova Aliança, em Piúma, recebeu mais de R$ 30 milhões do governo por ordem judicia Crédito: Paulo Marcos Leitão/Instituto Nova Aliança)

 O Estado gastou, por determinações da Justiça, R$ 148 milhões em oito anos com a compra de leitos particulares para tratamento de dependência química e transtornos mentais no Espírito Santo. De nove demandas, em 2010, houve um salto para 834, em 2017, quase 100 vezes mais. A Justiça alega que a decisão pelas internações é tomada porque a rede pública não cumpre o seu papel.

O levantamento foi feito com exclusividade pelo portal G1-ES. Foram 4.225 internações feitas em clínicas e comunidades terapêuticas. Enquanto isso, a rede de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps), tratamento do Sistema Único de Saúde (SUS) continua incompleta no Estado.

Os pagamentos só começaram a ser registrados pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) em 2010. Dados obtidos pelo G1 por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que, de lá pra cá, o número de internações saltou de nove, no primeiro ano, para 834, em 2017.

Com uma lista de 23 instituições em mãos, a reportagem constatou que poucas clínicas e comunidades terapêuticas acumulam grandes fatias desses gastos. O valor pago pela Sesa é de R$ 398 por diária de cada paciente internado nas clínicas. Nas comunidades terapêuticas, o valor é de R$ 110 por diária.

A clínica que recebeu a maior quantia em oito anos foi o Instituto Nova Aliança, em Piúma, no Sul do Estado. Foram mais de R$ 30 milhões para custear, segundo presidente do instituto, Luiz Alexandre Vervloet, serviço de internações, reformas e ampliação da área privada.

O juiz Paulo Cesar de Carvalho, membro do Comitê Executivo Estadual do Fórum Nacional de Saúde, diz que a recomendação feita pelo Tribunal de Justiça é que, se possível, os magistrados ouçam o gestor da saúde antes de determinar o pagamento de internações.

O juiz explica que, no caso da dependência química, o magistrado fica vinculado a um médico, que é o responsável por dizer se há necessidade de internação. “O relevante é que o juiz não determina a internação, ele examina um pedido feito pela parte, fundado em um laudo médico. Não raro esse pedido é feito por profissionais do próprio Estado”, justifica.

O magistrado também afirma que os municípios não estão devidamente aparelhados para atender os dependentes químicos e acredita que as internações pela via judicial devam continuar. “É um reflexo da ausência da má prestação dos serviços de saúde, de alguma forma. Lógico que alguns têm a tendência de usar a Justiça como uma segunda via de acesso”.

Ações como fiscalização dos locais de internação e levantamentos quanto à eficácia desse tipo de tratamento para os dependentes químicos são importantes nesse enfrentamento, conclui o magistrado.

O Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo informou que a orientação é de que o médico psiquiatra avalie a melhor forma de tratamento. “No entanto, a decisão sobre internação consentida ou compulsória não cabe ao médico”, diz a nota enviada à reportagem.

LEITOS

Há, atualmente, 95 leitos estaduais para internações de curta duração de dependentes químicos e portadores de transtornos psiquiátrico. O Estado se desligou do convênio com o último manicômio, a Clínica Santa Isabel, de Cachoeiro de Itapemirim, em junho de 2016.

Nas últimas décadas, com a Lei 10.216, sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais que tinha como objetivo o fim dos manicômios, clínicas e comunidades terapêuticas particulares se proliferaram.

O Instituto Nova Aliança, clínica que recebeu a maior quantia do Estado em oito anos, mais de R$ 30 milhões, que chegou a ter 100 funcionários, foi alvo de diversas denúncias, admite o próprio presidente do instituto, Luiz Alexandre Vervloet.

Um dos casos encontrados pela reportagem, por meio da busca no Tribunal de Justiça, foi arquivado antes mesmo de ser julgado. Passados quatro anos, houve prescrição do crime de maus-tratos denunciado.

A reportagem descobriu também que um mesmo médico, o psiquiatra Luis Henrique Casagrande, figurava no quadro societário de outros três estabelecimentos, duas clínicas e uma comunidade terapêutica, que receberam R$ 44 milhões de 2011 para cá.

Uma delas, a clínica Green House, em Fundão, na Região Metropolitana, que foi destino de R$ 18,6 milhões de 2014 a 2017, anunciou a inauguração de novos leitos de psiquiatria em 2018. O local possui 50 leitos ambulatoriais e 54 hospitalares, de acordo informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.

Além dela, é sócio-administrador na Clínica Espaço Vivere, que recebeu R$ 5.422.819 entre 2017 e 2018, e ex-sócio na Comunidade Terapêutica Salutare, em Santa Teresa, na Região Serrana. Esta última recebeu R$ 20.010.889,40 de 2011 a 2016. Segundo o médico, os valores englobam todo o atendimento ao paciente, com qualidade e o que a Secretaria de Estado da Saúde paga está abaixo do valor de mercado, que seria cerca de R$ 700 a diária.

SECRETÁRIO DE SAÚDE DIZ QUE GASTO É IRRACIONALIDADE

O secretário de Estado da Saúde, Ricardo de Oliveira, classifica o gasto com internações de dependentes químicos por determinação judicial como uma “irracionalidade”.

“Essa internação, do jeito que está sendo feita, não resolve nada. Estamos desperdiçando recurso. Não tem eficácia. É preciso reorganizar a política. Pela falta de infraestrutura, nós temos que seguir essa determinação judicial. Mesmo onde há Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps) está tendo internação”, reconhece Oliveira.

Sobre um possível repasse do Estado para as cidades com a verba destinada a internações, o secretário afirma: “É uma das questões que estão sendo discutidas com o Judiciário”.

Atualmente, há 95 leitos estaduais para internações de dependentes químicos e portadores de transtornos psiquiátrico. São 50 no Hospital Estadual de Atenção Clínica, em Cariacica; 35 no Centro de Atenção Psiquiátrica Aristides Alexandre Campos, em Cachoeiro de Itapemirim; e 10 no Hospital Estadual Infantil e Maternidade de Vila Velha, que abriram em março.

No Estado, a rede pública extra-hospitalar para o tratamento de dependentes químicos, composta pelos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), poderia ser ampliada para mais cinco municípios, conforme a legislação. Em outros três, as unidades já existentes poderiam ter leitos de recuperação.

Os Caps são serviços de saúde mental “de porta aberta”, com entrada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os dependentes químicos recebem atendimento na modalidade AD (álcool e drogas), durante o dia. Atualmente, os Caps AD existem em cinco municípios: Vitória, Vila Velha, Serra, Cachoeiro e Colatina. O Caps de Vitória é o único do Estado que atua 24 horas por dia, sete dias por semana e possui leitos para cuidados contínuos. 

Uma característica comum entre clínicas e comunidades terapêuticas é exigência da abstinência. O tratamento oferecido nos Caps não tem essa exigência. O objetivo é apostar num conjunto de políticas públicas ligadas ao enfrentamento de problemas relacionados ao uso de drogas, a chamada redução de danos.

“A redução de danos é mais completa, as comunidades terapêuticas precisam se organizar melhor”, opina Adjefisson, usuário de crack que é atendido pelo Caps de Vitória e que já passou por diferentes tipos de tratamento.

A dependente do álcool Sônia já ficou internada em uma comunidade comandada por um pastor e agora frequenta o Caps Vitória. Para ela, é possível reduzir o uso de drogas aos poucos, sem a imposição da abstinência. “Antes, eu tinha uma quantidade diária de álcool e sempre extrapolava. Já fiquei dois meses sem usar.”

 

Este vídeo pode te interessar

  • Viu algum erro?
  • Fale com a redação

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais