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'Internação à força não é a solução', diz especialista

"Internação à força não é a solução", diz especialista

Questionamento vai de encontro à nova lei aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro que facilita a internação involuntária - quando acontece sem o consentimento do dependente

Publicado em 8 de julho de 2019 às 00:19

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Homem fuma cachimbo de crack na Rua Oscar Paulo da Silva, na Praia do Suá . (Marcelo Prest)

É consenso entre especialistas que a situação de usuários de drogas que vivem na ruas é complexa, com várias causas. Por isso, não é de fácil solução. Eles afirmam que acabar com uma cracolândia, por exemplo, não se resume a retirar as pessoas daquele local e levá-las para tratamento do vício. “Internação à força não é a solução”, diz a psicóloga e presidente da Comissão de Saúde do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES), Keli Lopes.

Esse questionamento, aliás, vai de encontro à nova lei aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro que facilita a internação involuntária – quando acontece sem o consentimento do dependente. Pela lei, não é mais preciso decisão judicial para fazer esse tipo de internação.

O problema, que envolve diversos setores como assistência social, saúde e segurança pública, não pode ser resolvido de uma única forma, destacam.

Para Keli, internar uma pessoa contra a própria vontade pode causar reincidência, ou seja, não é uma solução eficaz. “A internação à força é mais um mecanismo de exclusão do que de tratamento. E aí o índice de reincidência dessas pessoas na droga é altíssimo”, afirma a especialista.

O professor e doutor em Ciências Sociais Pablo Ornelas Rosa defende que a solução para essa situação passa pelo entendimento de que as cidades são formadas por pessoas com realidade e vidas diferentes. Ele afirma que é preciso aprender a lidar, ouvir e entender as necessidades de cada um. “Estamos passando por um processo de desumanização. Temos que ouvir essas vozes para achar uma solução.”

Causas

Keli afirma, ainda, que o problema das cracolândias é resultado de vários outros. Ou seja, é o reflexo de pessoas que, por falta de emprego ou de moradia, por exemplo, foram parar nas ruas. A soma desses problemas leva a pessoa ao vício. “Essa situação mostra que a gente não conseguiu incluir essas pessoas na sociedade de forma satisfatória”, opina.

Para Pablo, a eficácia do tratamento passa pela necessidade de cada pessoa. “O que não pode ser feito é impor o mesmo tratamento para todas as pessoas. O caminho é ouvi-las e verificar por quais terapias elas estariam dispostas a passar”.

Nesse sentido, Ornelas diz que as abordagens que são feitas devem ir além do convencimento para busca pelo tratamento. “Tem que ser também para conhecer essas pessoas”, defende.

Polícia: É preciso flagrante

A Polícia Militar afirmou em nota que faz abordagens em buscas de armas, drogas ou criminosos fugitivos. Explica que é preciso flagrante algo ilícito para conduzir a pessoa. Em casos de flagrante uso de drogas, o PM tem o dever de encaminhar o dependente químico à autoridade judiciária, mas não há previsão legal de prisão.

Prefeituras: convencimento em abordagem é difícil

Para tentar resolver os problemas causados pelas cracolândias, as equipes de saúde e assistência social das prefeituras fazem abordagens e oferecem tratamento. Mas eles encontram a barreira da recusa: muitos dos usuários de drogas que estão em situação de rua recusam a assistência.

Em Vila Velha, por exemplo, as equipes oferecem vagas em abrigos, alimentação, atendimento psicológico, sócio-assistencial, jurídico, passagens para local de origem, auxílio para emissão de documentos pessoais, além de encaminhamento para tratamento na rede pública do município.

Segundo a secretária municipal de Assistência Social, Ana Cláudia Simões Lima, Vila Velha tem 58 pontos, em 21 bairros, que recebem essas equipes. “São mais ou menos sempre as mesmas pessoas. As equipes já conhecem um por um por. Muitos não são abertos às ofertas. Outros até falam com a equipe mas preferem ficar na rua porque gostam da ‘sensação de liberdade’ que têm. Assim, a adesão voluntária não é grande”, afirmou a secretária.

Em Cariacica, segundo a coordenadora do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Krigélica Siller, o trabalho no município é feito no sentido de empoderar aquela pessoa. “A gente busca oferecer tratamento e oportunidades. Empoderar a pessoa para que ela possa voltar ao trabalho, ao convívio familiar. Mas, é preciso que elas queiram e a adesão voluntária não é muito grande”, explicou.

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Já em Vitória, a subsecretária de Proteção Social Especial, Anabel Araújo Gomes Pereira, destaca que as equipes municipais buscam sempre criar vínculos com os assistidos. “Nada é feito sem o consentimento das pessoas. Por isso, as equipes estão sempre nas ruas cercando as pessoas, fazendo abordagens para criar um vínculo de confiança. Depois que isso é feito fazemos um cadastro para encaminhá-la para a nossa rede de serviços”, comentou.

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