Publicado em 20 de julho de 2018 às 01:19
A grande demanda por internações de dependentes químicos levou o Estado a gastar R$ 148 milhões com leitos em estabelecimentos particulares de reabilitação nos últimos oito anos. Mas especialistas apontam que nesses locais falta fiscalização sobre violações de direitos humanos. A única inspeção regular é feita pela Vigilância Sanitária.>
Situações de maus-tratos e cárcere privado, por exemplo, não seriam bem observadas, segundo levantamento do Portal G1-ES. Não é suficiente (a visita da vigilância) porque ela olha o aspecto sanitário. É apenas uma das fiscalizações necessárias, afirma o conselheiro Leonardo Pinho, que coordena a Subcomissão de Drogas e Saúde Mental do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).>
O cenário é crítico pelo grande volume de internações nesses locais. Em oito anos, o governo custeou 4.225 internações de dependentes químicos em clínicas e comunidades terapêuticas particulares, por demanda judicial, conforme levantamento feito com exclusividade pelo G1-ES.>
A portaria da Secretaria de Saúde (Sesa) nº 59-R de outubro de 2017, que regulamenta o funcionamento das clínicas para tratamento de dependentes químicos no Estado, reforça a proibição de qualquer tipo de constrangimento e castigos físicos, psicológicos e morais nesses lugares.>
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Segundo a Sesa, a Vigilância Sanitária pode aplicar sanções quando detectar, a partir de documentos e relatos, as violações de direitos proibidas pela portaria, mas o CNDH e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) consideram que esse tipo de verificação não cabe ao órgão.>
O CFP afirma que deveria haver uma atuação incisiva no combate às violações. Pinho, do CNDH, destaca que esse é um grande vácuo quando se fala de internações de dependentes químicos. Essas instituições se multiplicaram, mas não evoluiu da mesma forma a fiscalização, reforça.>
A doutora em política social Fabíola Xavier Leal, estuda o tema há mais de 10 anos e coordena o grupo de pesquisa Fênix, da Ufes. Os pesquisadores analisaram 268 instituições que ofereciam serviços de atendimento para dependentes químicos por todo o Estado.>
Descumprimento de normas sanitárias e violação de direitos humanos foram constatados pelo grupo segundo o estudo, publicado em 2014. A maioria das comunidades terapêuticas visitadas não tinha condições de funcionamento, segundo a pesquisadora.>
A maioria delas tem vínculo religioso, não tem uma proposta terapêutica. São caóticas em relação à estrutura. Não têm equipe, não têm proposta de tratamento, a proposta é de enclausuramento, diz Fabíola.>
MPES>
O Ministério Público Estadual (MPES) explicou que, no caso de situações de problemas com direitos humanos, as fiscalizações nos locais são feitas à base de denúncias que podem partir de pacientes, familiares e cidadãos em geral.>
A Justiça Estadual, que determina o pagamento ou as internações, informou que não tem controle de quantos processos criminais envolvendo esses locais há em tramitação.>
Enquanto isso, estudos mostram que a problemática é grande. Um relatório divulgado no dia 18 de junho, resultado de uma inspeção nacional em comunidades terapêuticas realizada em outubro de 2017, nas cinco regiões do Brasil, mostrou que nesses essas comunidades e clínicas estão se assemelhando ao antigo asilamento de pessoas com transtornos mentais.>
Privação de liberdade, uso de trabalhos forçados e sem remuneração, violação à liberdade religiosa e à diversidade sexual, internação irregular de adolescentes e uso de castigos que podem, inclusive, configurar tortura fazem parte dos resultados encontrados pela inspeção, diz o MPF, que assina o documento. Além do órgão, o levantamento é firmado pelo CFP e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.>
Outra publicação que mostra o quadro é o Relatório da 4ª Inspeção de Direitos Humanos em locais de internação para usuários de drogas, publicado em 2011 pelo CFP. O texto aponta indícios de violações como cárcere privado, trabalho análogo ao escravo, maus-tratos, entre outras.>
No Espírito Santo, a visita coordenada pelo CFP foi feita na comunidade terapêutica Casa da Paz, de Cachoeiro de Itapemirim. No local, houve relato de denúncia de cárcere privado e de homicídio por asfixia, segundo a publicação.>
Procurada, a instituição informou que o caso de homicídio citado envolveu dois menores e tramitou sob segredo de Justiça. A clínica teria sido isenta de qualquer culpa. Esse caso aconteceu quando a Casa da Paz aceitava menores infratores dependentes químicos. Por vezes, em vez de manter o menor na casa de detenção, o juiz criminal trocava a pena pelo tratamento em clínica especializada, afirma a advogada da instituição Alessandra Leal.>
O CAMINHO DA INTERNAÇÃO >
Tipos>
Existem três tipos de internação, de acordo com a Lei 10.216/01:>
Voluntária>
O dependente químico aceita ser internado.>
Involuntária>
A pedido de terceiros>
Geralmente, quem autoriza a internação é um familiar.>
Compulsória>
determinada pela Justiça>
Embora não esteja no texto da lei, na prática, essa internação não depende da autorização da família ou da pessoa.>
Pedido>
Um familiar ou o próprio dependente químico pode procurar a Justiça para fazer o pedido de internação ou de compra de leito particular, com o auxílio de advogado ou defensor público. O Ministério Público também pode ajuizar uma ação com o pedido de internação. Todos os pedidos precisam ter um laudo médico.>
Decisão>
A Justiça decide sobre o pedido. A maioria dos casos, segundo o juiz Paulo César de Carvalho, é de compra de leitos para internações voluntárias e involuntárias.>
Cumprimento>
A Secretaria de Estado da Saúde recebe a decisão da Justiça. Se o lugar de internação estiver determinado, a Sesa encaminha o paciente cumprindo a decisão. Caso o lugar não esteja determinado, é feita a busca pelo leito adequado ao perfil do paciente, seja em leitos públicos ou pela compra na rede particular.>
Internação>
Os dependentes químicos podem ser internados em clínicas ou comunidades terapêuticas. Alguns aspectos de cada uma:>
Clínicas psiquiátricas>
Oferecem serviço de saúde e é obrigatória a presença de médicos; a abstinência é obrigatória, as visitas são controladas; as internações mais curtas (2 a 3 meses).>
Comunidades terapêuticas>
Oferecem serviço assistencial e não é obrigatória a presença de médicos; muitas possuem tratamento com base religiosa ou nos 12 passos dos Narcóticos Anônimos; a abstinência é obrigatória; as visitas são controladas; as internações são mais longas (6 a 12 meses).>
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