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Escravos eram doados por fiéis ao Convento como pagamento de promessa

Escravos eram doados por fiéis ao Convento como pagamento de promessa

Santuário chegou a ser o convento com maior número de escravos no Brasil

Publicado em 4 de fevereiro de 2019 às 13:13

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Ruínas na Senzala existente no Convento de Nossa Senhora da Penha. (Arquivo/Gildo Loyola 13/03/2008)

"Escravos de Nossa Senhora da Penha". A expressão é forte, mas era dessa maneira que índios e depois africanos ficaram conhecidos por trabalharem no Convento da Penha, em Vila Velha. Essas pessoas, que fazem parte de uma história doída dos brasileiros, contribuíram e muito para a construção e manutenção de um dos pontos turísticos mais queridos pelos capixabas.

Eles ganharam esse nome pois eram doados à padroeira do Espírito Santo, como pagamento de promessa. Segundo o historiador franciscano Frei Basílio Röwer, autor de "Páginas de História Franciscana no Brasil", o número de escravos no local “ultrapassava o de qualquer outro convento”.

O historiador e comentarista da Rádio CBN Vitória, Fernando Achiamé, explica como essa multidão de escravos se formou em Vila Velha. "Devido ao prestígio da Santa da Penha e dos franciscanos, muitos desses escravos eram doados à santa como pagamento de promessa. Os devotos faziam uma promessa, ou seja, um 'voto' para alcançar determinada graça. Se ela fosse concedida, por intercessão da santa junto a Deus, segundo a crença do 'devoto', ele a pagava com um 'ex-voto', que podia ser um escravo".

Achiamé cita um exemplo. "Um grande fazendeiro de Campos tinha um filho doente. Ele prometia a Nossa Senhora da Penha que, se seu filho fosse curado, ele faria uma romaria ao convento e doaria três escravos. Com o filho curado, ele vinha pagar a promessa e entregar os negros. O pagamento da promessa podia ser feito de outra forma, a depender dos recursos das pessoas – bois, joias, quadros, peças de cera (pernas, braços, cabeças), objetos quaisquer que tivessem relação com a situação resolvida, muitos deles ainda conservados em pequena amostra na famosa Sala dos Milagres", diz.

Ruínas no Convento da Penha. (Reprodução/Vídeo João Paulo Rocetti)

O convento foi mantido durante séculos por mão de obra escrava e o professor resume a participação na frase: 

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Os escravos eram a mão de obra que construiu e fazia funcionar o convento, antes de haver eletricidade, máquinas e equipamentos da vida moderna. Daí a existência das antigas senzalas, cujas ruínas ainda sobrevivem

Fernando Achiamé, historiador
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OS QUERIDOS FRANCISCANOS

Para entender melhor, Achiamé conta que a Ordem Franciscana é uma das mais importantes da Igreja Católica. "Afinal, o seu fundador, São Francisco de Assis, é o santo mais popular do catolicismo. Além de seus ensinamentos serem de inteira atualidade, em especial aqueles ligados à tolerância com o próximo e a respeito à natureza. Sem contar que Santo Antônio e outras devoções franciscanas são também muito consagradas na alma de diversos povos católicos".

Achiamé complementa que uma das características principais da Ordem Franciscana é o “voto de pobreza absoluta” que seus membros fazem. "No entanto, ela é uma das mais ricas do catolicismo. Como foi resolvida essa contradição? Os seus bens, móveis e imóveis, não pertencem aos franciscanos, mas à Santa Sé e eles somente os administram. Somente assim podemos falar sobre os 'escravos de Nossa Senhora da Penha', já que eles eram considerados mercadorias e tinham expressivo valor".

OUTRAS ATIVIDADES

Essa mão-de-obra, de que os franciscanos dispuseram desde os tempos coloniais, era por eles empregada nos mais variados serviços: nas lavouras do pomar, no atendimento do gado e limpeza dos currais, nas atividades da pesca, nos encargos ligados à rotina diária dos conventuais.

MÚSICOS

No site do convento, se fala dos escravos músicos “para solenizar as festas e acompanhar as procissões” e também dos escravos que os franciscanos alugavam aos moradores de Vila Velha e de Vitória para serviços em geral, fato muito comum durante a escravatura negra no Brasil. Com esses aluguéis, os donos de escravos obtinham ganhos extras.

ESMOLAS

Além disso, nas festas religiosas, uma tradição constante no Brasil colonial e provincial, os escravos eram utilizados para conseguir esmolas para o convento. "Foi graças à mão de obra escrava que os franciscanos puderam realizar muitas das grandes obras do santuário e do seu entorno, inclusive o calçamento, a pedra, da ladeira tradicional que dá acesso ao monumento, e até a construção das senzalas para teto dos escravos", diz a publicação no site do santuário.

LADEIRA DA PENITÊNCIA

É uma via de acesso ao convento exclusiva de pedestre, é também conhecida como a “Ladeira das Sete voltas” ou ainda das “Sete Alegrias de Nossa Senhora”. O nome de Ladeira da Penitência é devido à sua declividade acentuada e disformidade de calçamento feito de pé-de-moleque, o que exige esforço para subi-la.

Ladeira da penitência no Convento da Penha . (Arquivo/Edson Chagas)

De acordo com informações do site do santuário, o calçamento de pedras é produto do trabalho dos escravos, que ocorreu pelo ano de 1643, iniciativa do Frei Paulo de Santo Antônio, tendo sido entre 1774 e 1777 renovado e que perdura até os nossos dias.

LIBERDADE

A partir de 1872, segundo o historiador Achiamé, o governo do Império do Brasil instituiu verbas públicas para comprar escravos e os libertar. "Era o Fundo de Emancipação e partes dessas verbas foram usadas para conceder a liberdade aos 'escravos de Nossa Senhora da Penha'. Muitos dos antigos escravos, agora chamados 'libertos', continuaram a trabalhar no convento a troco de pequena remuneração".

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Para Achiamé, a participação dos escravos na história do Convento da Penha do Espírito Santo deve sempre ser lembrada e valorizada.

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