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Dentro dos ônibus, vendedores trabalham mais de 12 horas por dia

Dentro dos ônibus, vendedores trabalham mais de 12 horas por dia

Eles oferecem de tudo e conseguem faturar até R$ 200 por dia

Publicado em 14 de abril de 2019 às 00:22

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Wendel começou a trabalhar dentro dos coletivos, vendendo vários tipos de produtos, há quatro anos. (Marcelo Prest)

Quem anda de ônibus pela Grande Vitória já deve ter percebido a grande quantidade de vendedores ambulantes que entram e saem diariamente dos coletivos. Mas quem os vê oferecendo balas, água, pães de queijo e demais produtos pode não imaginar a dificuldade do trabalho desses vendedores.

“Tem dias que eu trabalho 12, 13, até 14 horas por dia. Começo por volta das 6 horas vendendo pão de queijo, almoço rapidinho e de tarde vendo água, bala bombom... o que for melhor para o dia. Só paro de noite”, conta o vendedor Wendel dos Santos, 25 anos, que trabalha nos ônibus há quatro anos.

Com tanto trabalho, ele diz que a recompensa financeira é boa. “Tem dias que dá para tirar R$ 200, ou até mais. Mas não é todo mundo que consegue. Tem que ter pique. Se ficar parado não vende nada. O negócio é chegar com bom humor e não perder tempo. Tem vezes que entro no ônibus num ponto e desço dois pontos depois se ninguém quiser comprar”, explica.

Quem também trabalha mais de 12 horas diárias é o vendedor Reginaldo Bita Rocha, 42. Mecânico industrial até 2017, Reginaldo disse que passou a vender nos coletivos depois que foi demitido por conta da crise.

“É difícil. Tem dias que a tiro R$ 40, mas tem dias que não dá nem isso. Queria mesmo era recuperar meu emprego”, conta.

A questão do desemprego foi citada pela maior parte dos ambulantes entrevistados como motivo por terem começado a vender produtos nas ruas. Para não ficarem parados, acabam recorrendo à informalidade e ao trabalho nos ônibus.

O presidente da Associação dos Vendedores Intra Coletivos (Avic-ES), Gerson Luis Sugulim Rodrigues, mais conhecido como Gigante, disse não ter uma estimativa de quantas pessoas atuem como vendedores nos coletivos, mas acredita que o número tem aumentado.

“O número varia muito porque tem gente que só aparece para vender do dia 5 ao dia 15, que é quando os passageiros têm mais dinheiro. Mas o número está crescendo, isso é visível”, avalia Gigante.

O aumento da “concorrência” não impede um bom relacionamento entre os vendedores. Eles citam até uma espécie de código de ética.

“Se tiver alguém vendendo, eu não posso entrar no mesmo ônibus. Se por acaso eu entrar e só depois ver que já tem alguém, eu tenho que esperar ele acabar a venda até eu começar a minha”, diz Wendel.

CETURB DIZ QUE ATIVIDADE É ILEGAL

A Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Ceturb-ES) informou por meio de nota que, de acordo com o regulamento de transportes, a atividade de ambulantes dentro de ônibus e nos Terminais de Transcol não é permitida.

A empresa cita ainda uma lei de 1989 que proíbe o embarque pela porta central e sem o pagamento de tarifa, e atribui ao motorista e cobrador a responsabilidade por permitirem o transporte de objetos que atrapalhem o circulação dos passageiros dentro dos ônibus.

“Dessa forma, a empresa orienta permanentemente seus operadores a não permitir o embarque sem o pagamento da passagem”, informou a nota da empresa.

Em 2017 a Câmara de Vitória aprovou uma lei que permitiria o trabalho de ambulantes nos ônibus. De acordo com o vereador Vinicius Simões (PPS), autor da lei, o assunto foi discutido com empresários do setor, que acharam a proposta interessante. “A ideia é reduzir os conflitos existentes entre as partes”, resume.

Apesar de aprovada, a lei ainda não está em vigor porque a prefeitura ainda não fez a regulamentação. Por meio de nota, a prefeitura informou que a lei está sendo avaliada quanto à sua aplicabilidade prática, efeito legal e viabilidades jurídica e técnica.

RIMA E BOM HUMOR AJUDAM A CONQUISTAR FREGUESIA

Philippe usa o dom com rimas para tirar sorrisos de passageiros e vender chup-chup. (Marcelo Prest)

Trabalhar nos coletivos exige grandes doses de rapidez, equilíbrio e atenção, mas também é preciso ter bom humor e criatividade para atrair a atenção dos passageiros. É isso o que faz o vendedor Philippe Bermudes, 25 anos.

“Eu também sou MC, então sempre anuncio os produtos rimando. É preciso fazer alguma coisa diferente para fazer os passageiros prestarem atenção em você”, comenta o vendedor de chup-chup.

Com as vendas, ele diz que consegue ganhar cerca de R$ 100 – dinheiro que divide com a mãe, que prepara o produto para a venda no dia seguinte.

“Tem quatro anos que estou nessa. Eu sou técnico em Mecânica Industrial. Trabalhava fazendo reparos em equipamentos odontológicos, mas aí pedi para sair. Peguei minha rescisão para tirar Carteira de Motorista. Achei que, com isso, ia conseguir um emprego melhor, mas deu tudo errado e nem consegui voltar para o mercado de trabalho”, lamenta, mas sem deixar se abater.

O nível de estudos entre os vendedores não é dos mais altos. Poucos disseram ter algum curso superior ou técnico, ou ainda ter estudado além do terceiro ano do ensino médio.

O vendedor Hugo Araújo Paixão, 25, se arrepende de não ter feito uma faculdade. Hoje, ele é mais um dos vendedores nos coletivos da Grande Vitória.

“Eu parei quando concluí o ensino médio. Hoje, vejo que daria para ter continuado”, reflete. Hugo chegou a trabalhar como garçom em um restaurante dentro de um shopping, mas pediu demissão.

“Era um restaurante chique, mas aquilo não é vida. Você trabalha igual a escravo e as pessoas nem ligam para você. Eles te enxergam como algo que pode ser substituído a qualquer momento”, desabafa. “Aqui na rua, pelo menos, a gente trabalha solto”, completa.

Hugo diz que consegue tirar cerca de R$ 1.000 por mês, dinheiro com o qual paga as contas e ainda consegue juntar para fazer uma poupança. “Meu sonho é abrir um negócio próprio, mas estou juntando o dinheiro para investir na Bolsa de Valores. Hoje, consigo tirar um dinheiro legal, mas já tive que voltar para casa zerado”, lembra.

Apesar dos arrependimentos, Hugo não perde a alegria. “O segredo é fazer a pessoa rir. Aí a venda fica mais fácil. Se a pessoa está de mau humor, fica mais difícil. Aí nem forço a barra, já desço e vou pro próximo ônibus”, afirma.

A alegria está estampada no rosto da maioria dos vendedores – um deles se orgulhava por ser o único vendedor na Grande Vitória que possuía uma marca famosa de chocolates. Outro passou oferecendo até mesmo pomada para dores musculares.

O vendedor Welberth Junior, 22, também disse que as piadas ajudam nas vendas. “É diferente quando a pessoa já lhe recebe com um sorriso. Facilita o contato”, disse animado ao saber que sua fala sairia no jornal.

Porém, há alguns vendedores receosos, talvez por ser considerada uma atividade não reconhecida pela Ceturb. Uma vendedora de capinhas e carregadores de celular não quis muito papo e chegou a proibir colegas de darem entrevista. Num certo momento, ela ainda tentou expulsar a equipe de reportagem do ponto de ônibus em que estava.

APOIO DOS PASSAGEIROS NO DIA A DIA

Se por um lado os motoristas e cobradores são proibidos de ajudar os vendedores, por outro, os passageiros são considerados verdadeiros anjos da guarda de quem trabalha pulando de ônibus em ônibus.

“Uma vez, eu caí tentando entrar num ônibus e deixei cair seis pães de queijo. Mas aí um passageiro que estava no ponto viu e me ajudou com R$ 10. Eu até disse que não precisava, que eu daria um jeito, mas ele insistiu. Em troca, dei um pão de queijo, mas ele nem queria. Deu o dinheiro só para ajudar mesmo”, disse o vendedor Welberth Junior, 22 anos, que vende pães de queijo e empadinhas.

A passageira Yamilia Siqueira, 24, é uma das que ajuda os vendedores. “Geralmente, compro doces para ajudar e também porque gosto dos produtos”, conta.

Em todas as viagens em que a reportagem conseguiu acompanhar os vendedores, sempre houve pelo menos um passageiro que comprasse os produtos oferecidos por eles. Em uma das viagens, até mesmo um cobrador comprou um pão de queijo.

"NOSSA LUTA É POR RESPEITO", DIZ PRESIDENTE DE ASSOCIAÇÃO

O presidente da Associação dos Vendedores Intracoletivos (Avic-ES), Gerson Luis Sugulim Rodrigues, mais conhecido como Gigante, diz que a luta da entidade é para que a Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Ceturb-ES) reconheça o trabalho dos vendedores.

Como a entrada é proibida, os vendedores entram nos ônibus enquanto outros passageiros estão saindo. Essa situação causa acidentes – diversos vendedores relataram ter ficado preso na porta que se fechava enquanto eles tentavam entrar para fazer as vendas.

“Nossa luta é por respeito. Somos trabalhadores, mas eles nos classificam como ‘puladores de roleta’. Estamos nos ônibus para trabalhar. Acredito que eles [a Ceturb-ES] poderia fazer uma modificação no contrato para aceitar o nosso trabalho, mas eles não têm essa visão social. Só querem saber de dinheiro”, reclama.

“Mas logo logo vamos ter uma reunião com a empresa. Ainda não tem data marcada, mas esperamos que seja em breve”, comenta Gigante.

Por sua vez, a Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Ceturb-ES) informou por meio de nota que não reconhece nenhuma associação de ambulantes, mas que permanece à disposição para ouvir a sociedade civil organizada.

ANÁLISE

Mercado informal é a saída para desemprego

Com a taxa de desemprego alcançando 12%, em janeiro, atingindo cerca de 13 milhões de pessoas, de acordo com o IBGE, vários trabalhadores estão encontrando muita dificuldade para conseguir uma recolocação no mercado de trabalho. A lenta retomada da economia brasileira, que fechou 2018 com um modesto crescimento do PIB de 1,1%, não é capaz de gerar postos de trabalho com carteira assinada para absorver boa parte dos desempregados. Muitas vezes, a saída encontrada por essas pessoas que perderam o emprego é arrumar uma renda no trabalho informal atuando, por exemplo, como vendedores ambulantes. O problema tende a ser mais grave nos Estados mais pobres, que possuem menos setores produtivos e também um contingente populacional menos escolarizado. Nesses casos, a insuficiente lucratividade gerada na região e o custo elevado do trabalho regido pela CLT são obstáculos para a formalização da mão de obra.

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Ricardo Paixão, presidente do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo

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