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Conheça os códigos e gírias no mundo do crime

Conheça os códigos e gírias no mundo do crime

Criminosos usam termos para exibir poderes e ditar regras

Publicado em 1 de outubro de 2018 às 00:23

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gíria do crime. (ilustração/arabson)

No lugar de monitorar, a palavra é “palmiar”. Ao invés de pedir uma explicação, é pedir “a visão”. Para dizer que alguém está ameaçado, falar que ele “está pedido”. Essas são algumas das gírias usadas por criminosos que vivem em bairros da Grande Vitória. Através delas, eles expõem os códigos de conduta dos bandidos e impõem poder diante dos rivais e dos moradores.

E quando a intenção é mostrar poder às gangues rivais, traficantes abusam das gírias para ameaças de conflitos armados.

Em mensagens nas redes sociais, por exemplo, bandidos do Morro do Alagoano e Caratoíra, em Vitória, prometeram guerra entre eles. Usando o próprio nome, seguido do número 182 – identificação utilizada por traficantes para referir-se à linha de ônibus da região do Alagoano, um jovem disse: “Os cria tem visão além da quebrada”.

Os “cria”, na linguagem do tráfico, significa bandidos que nasceram na comunidade ou estão desde cedo no crime. A “visão além da quebrada”, nesse contexto, quer dizer que os criminosos estão vigiando os arredores do morro, para inibir a chegada de inimigos. Algumas horas depois, o rival devolveu a ameaça: “Brota pra trocar tiro”. “Brota”, nesse contexto, significa “aparece”.

O Morro do Alagoano é alvo de investidas dos criminosos que controlam o tráfico de drogas no Complexo da Penha.

Inimigos

Quando os criminosos querem falar da polícia, os termos mais usados são “alemão” e os “bota”.

O termo “alemão”, com origem nas favelas do Rio de Janeiro, serve não apenas para nominar a polícia, mas qualquer outro inimigo do tráfico, seja o Exército, a milícia ou gangues rivais. Já o termo “bota” é mais direcionado aos PMs, pois faz referência ao uniforme da polícia, que conta com coturno.

Um traficante de Caratoíra, que usa o próprio nome e número 103 nas redes sociais – identificação utilizada para referir-se à linha de ônibus da região, escreveu no perfil: “Se brt no 103 ‘tão’ te esperando de pentão alongado“.

“Brt” é a abreviação de brotar. Já “Pentão alongado” é usado para fuzis e pistolas com alongadores.

Exibição

Para o especialista em Segurança Pública Alexandre Domingos, as gírias estão presentes em diversos os tipos de grupos e na criminalidade não seria diferente.

Ele explica que essa linguagem não é algo pensado para esconder crimes, como um código, por exemplo. “Esses dialetos não são pensados como um código, assim como bandidos do Rio de Janeiro que por muito tempo usaram a palavra “tênis” para que ninguém soubesse que eles estavam falando de fuzis. Essas gírias são o reflexo de uma tribo, assim como outras, usadas para que eles possam se comunicar e identificar um ao outro. Eles querem mostrar a marca deles, exibir seus codinomes para todos, mostrar poder aos inimigos, admiradores e mídia”, afirma.

INTIMIDAÇÃO

De acordo com Pablo Lira, professor de Mestrado em Segurança Pública, geralmente os criminosos indicam seus códigos de conduta informais usando força, violência e intimidação. Esse comportamento é refletido na linguagem, nas roupas e até nas tatuagens.

“É uma identidade que eles tentam reforçar nessas relações sociais. Grupos de criminosos possuem todo um simbolismo, que vai além da forma de falar. Seja nas tatuagens que representam qual é o tipo de crime daquele infrator ou nas siglas que mostram a gangue que ele pertence exibidas em pichações, roupas, cordões ou postagens na internet. A cultura criminosa busca reforçar sua força e violência com esses símbolos”, diz.

Apesar de estarem inseridos na criminalidade, algo em comum entre os bandidos é a fé em Deus. Em posts na internet, por exemplo, é possível ver que mesmo na hora de expor seus crimes, traficantes pedem a proteção de Deus e fazem agradecimentos.

Embora pareçam condutas opostas, especialistas em Segurança Pública afirmam que os criminosos vivem no conflito entre os dois mundos por acreditarem que o crime é como um vício, mas que um dia vão superar.

“O número de evangélicos em áreas periféricas é muito grande. Na visão do bandido só o evangelho pode libertá-lo do caminho ruim. Mesmo no crime, eles continuam com a fé deles. Acreditam em Deus. Eles acreditam que estão no crime como uma necessidade momentânea. Para eles o crime é como uma doença, um vício. Tanto que eles costumam pedir orações, dizendo que querem sair da vida do crime, mas que não conseguem”, destaca Alexandre.

Números dominam as redes sociais

Bandidos que integram quadrilhas envolvidas com o tráfico de drogas de Vitória utilizam, principalmente nas redes sociais, os números das linhas de ônibus municipais dos bairros para identificação da localidade onde atuam.

No caso dos bairros Alagoano, Caratoíra, Resistência e Joana D'arc, os nomes dos criminosos nos perfis, seguidos das siglas 182, 103, 171 e 175, respectivamente, podem ser encontradas em diversas contas no Twitter.

Na maioria dos casos, os suspeitos postam fotos com armas, consumo e venda de drogas, além de mandarem mensagens de ameaças a criminosos rivais. A informação já havia sido divulgada em reportagem de A Gazeta que falava sobre a guerra do tráfico no Alagoano.

Na ocasião, os criminosos postaram foto de três armas, sendo duas pistolas e uma submetralhadora, com a identificação da facção no meio, confeccionada com balas em formato do número 182.

Além disso, em postagens nas redes sociais, os criminosos ainda ressaltam a “tranquilidade” da gangue que comanda o “182” e o “103”, se referindo aos bairros Alagoano e Caratoíra.

Já no bairro Resistência, os criminosos utilizam o número da linha 175 como forma de identificação. Até mesmo um baile funk é denominado com a sigla, nas redes sociais.

Em um dos casos, um dos traficantes do bairro, que posta foto da venda de drogas e ostenta armas em uma rede social, após publicar a imagem de uma carga de ecstasy, convida os possíveis consumidores. “Tudo certo pro baile várias balas (gíria para se referir à droga) só brota”, escreveu.

No bairro Joana D’arc, além de intitular o conjunto de prédios do local como Carandiru, os criminosos também se identificam pela linha 171 do ônibus municipal.

Investigações em sigilo

Procurada pela reportagem, a Polícia Civil, por meio de nota, respondeu que as inteligências das polícias monitoram ações criminosas em todos os tipos de ambientes. A Corporação afirma ainda que as investigações são realizadas de modo sigiloso e denúncia de qualquer tipo de delito pode ser feita por meio do telefone 181, do Disque-Denúncia.

Bandidos imitam criminosos de outros Estados

Embora sejam usadas por criminosos, as gírias não são exclusivas deles, como alerta Pablo Lira. O tráfico de drogas, por exemplo, normalmente está inserido em comunidades mais carentes, vivendo lado a lado de pessoas comuns, que não possuem qualquer relação com o crime. Essa proximidade faz com que eles tenham expressões em comum.

“Nas comunidades que sofrem com o tráfico, há uma cultura típica, que é possível observar também pela linguagem. O tráfico, normalmente, está inserido nesse contexto social. Independente das gírias, vemos que a maioria dos moradores trabalha legalmente e faz projetos sociais”.

E nem todos os códigos e gírias foram criados pelos criminosos. Muitos são inspirados na polícia, seja para impor hierarquia ou para as comunicações em rádios.

Muitas gírias são copiadas de bandidos do Rio de Janeiro, São Paulo e até mesmo de músicas e novelas. “Há muita influência de fora, tanto na logística do crime, como nas gírias. Eles admiram os criminosos de outros estados”, diz Alexandre Domingos.

As gírias

FML - Abreviação de família. É como integrantes de gangues se denominam.

Tudo 2 ou T2 - Quando a situação está tranquila e criminosos não estão sendo atacados por rivais.

Tá pedido - Ameaçado de morte pelo tráfico, ou para ser preso.

Dá a visão - Explique o que você quer dizer.

Tá Mec - Tudo tranquilo.

Palmiado- Monitorado, vigiado.

Brota - Aparecer, chegar, surgiu do nada.

Privados - Presos, detidos. Já foi preso.

Cria - Nasceram na região e fazem parte do tráfico desde novos.

Tropa - A gangue, termo militar que os bandidos adaptaram para o tráfico.

X-9 ou Alemão - Quem delata os criminosos para a polícia, ou traficantes rivais. Aquele que fala demais.

F1 ou F-Varios - Fumar um cigarro de maconha, ou vários.

PJL - Abreviação de Paz, Justiça e Liberdade. O termo foi criado pelo Comando Vermelho, facção do Rio de Janeiro. Criminoso capixaba adaptou no sentido de desejar a liberdade, se manter solto, ter paz e não ser atacado por rivais ou pela polícia, além de ter liberdade para fazer o que quiser.

Lili vai cantar, ou Liberdade vai cantar - Quando um membro da gangue vai sair da prisão.

Pentão alongado - Carregador de pistola ou submetralhadora adaptada para disparar mais munições que o normal.

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Os bota - Os policiais.

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