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Ozempic e pílulas para emagrecer têm versões duvidosas na internet

Ozempic e pílulas para emagrecer têm versões duvidosas na internet

Produtos com promessas milagrosas de emagrecimento são facilmente encontrados nos principais marketplaces; médicos e agências do governo, no entanto, alertam para os riscos

Publicado em 23 de julho de 2023 às 10:33

Ícone - Tempo de Leitura 8min de leitura
Produtos prometem emagrecimento, contrariando normas da Anvisa, são facilmente encontrados na internet. (Freepik)
Felipe Sena
Estagiário / [email protected]

A busca pelo corpo perfeito tem levado consumidores a caírem em armadilhas de remédios milagrosos para emagrecer vendidos pela internet. As opções que, muitas vezes, usam nome semelhante ao Ozempic ou de outras semaglutidas são encontradas facilmente em sites de grandes marketplaces — algumas lojas nessas plataformas têm, inclusive, endereço no Espírito Santo.

As ofertas, que incluem até produtos ditos naturais, têm preços convidativos e, entre elas, há opções com promessas de perda de até 1 kg por dia. Médicos alertam, no entanto, que é preciso cuidado, pois podem ser prejudiciais à saúde e não têm autorização da Anvisa para serem produzidos ou vendidos.

O Ozempic é o nome comercial para a semaglutida injetável e é indicado para tratar diabetes tipo 2. Relatos sobre os resultados para emagrecer da medicação ficaram comuns, até entre celebridades, embora a Novo Nordisk, que desenvolve o remédio, não orientar a utilização para esse fim.

A farmacêutica tem ainda outros remédios com o mesmo princípio ativo. Um deles é o Rybelsus, semaglutida oral também para casos de diabetes, e o Wegovy, injeção para tratamento de obesidade, que só vai chegar ao Brasil em 2024.

O preço elevado dessas medicações faz, contudo, os consumidores procurarem alternativas mais em conta no e-commerce com o mesmo nome dessas marcas famosas. Em pesquisa nas lojas virtuais, A Gazeta encontrou suplementos à venda em marketplaces como Mercado Livre, Shopee e Americanas.

Mesmo que o nome seja parecido, é importante frisar que não existe alternativa de baixo custo para semaglutida, segundo a endocrinologista Queulla Garret. Ela alerta que o remédio também não tem opção genérica no mercado.

Ozempill é semelhante ao Ozempic?

Um dos itens achados pela reportagem que promete cumprir a mesma função da semaglutida é o Ozempill. Apesar de diversos anúncios nos marketplaces prometendo até “derreter a gordura”, a fabricante diz que a semelhança com o Ozempic está apenas no nome.

A reportagem entrou em contato pelo canal de atendimento disponível no site da Ozempill e recebeu a informação de que a mercadoria é um suplemento alimentar que auxilia no emagrecimento.

Sobre o funcionamento, a informação passada durante o atendimento é que "o Ozempill em cápsulas tem benefícios para a melhora da saúde, colaborando na regulação do intestino e promovendo saciedade, controlando apetite e desintoxicando o corpo, que consequentemente, potencializa os resultados na busca de um corpo saudável e magro”.

O funcionário da marca ainda explicou que o “uso contínuo pode proporcionar ação emagrecedora, atuando na desintoxicação do corpo e auxiliando na redução do inchaço do seu corpo, então aumentando sua disposição".

Ao ser questionado sobre o registro do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o atendente alegou que, por se tratar apenas de um suplemento alimentar, o produto é isento desse tipo de registro.

Na página de consulta do órgão, tanto produtos quanto CNPJ da empresa não remetem a resultado algum. Já na consulta da situação cadastral do CNPJ, informado no site da empresa, consta como atividade primária "comércio varejista de livros". Nas atividades secundárias, estão presentes Cnae (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) de venda de produtos alimentícios.

O número de telefone tem apenas o código de área e o dígito "9" repetido nove vezes. O endereço de e-mail também é composto apenas por "adm" seguido das informações do provedor.

A empresa também foi questionada sobre essas informações e, até o momento, não respondeu. Este texto será atualizado caso seja enviado um posicionamento.

Riscos

Sobre suplementos alimentares que fazem promessas de emagrecimento, a endocrinologista Gisele Lorenzoni aponta que não há comprovação da eficácia.

"As pessoas procuram fórmulas mágicas, mas não existe. Para o tratamento de perda de peso, é necessário um acompanhamento multidisciplinar, com foco na alimentação e atividade física. Cada paciente ganha peso por um motivo. Uns sentem fome, outros por ansiedade, outros por uso de alguma medicação que podem dar fome. Esses pacientes têm que ser avaliados individualmente", esclarece a médica.

Gisele Lorenzoni, endocrinologista. (Divulgação)

A endocrinologista Queulla Garret Ramos destacou os riscos dessas medicações.

Aspas de citação

Esses medicamentos são feitos através de misturas de ervas com algumas substâncias controladas. É um absurdo e extremamente perigoso. Pode causar desnutrição, ausência de nutrientes importantes para o corpo e, com isso, trazer algumas consequências. Pode estimular, por exemplo, um infarto naquela pessoa que já é hipertensa

Queulla Garret Ramos
Endocrinologista
Aspas de citação

Mesmo para os produtos originais é necessário acompanhamento médico. "Assim como qualquer medicação, pode apresentar muitos efeitos colaterais como náuseas, vômitos, diarreia, prostração e constipação. Alguns pacientes apresentam contraindicações ao uso da medicação, principalmente aqueles que apresentam alteração no fígado", disse Gisele Lorenzoni.

Queulla também afirma a importância de se procurar um especialista para a aplicação de doses corretas. “Com o escalonamento de dose, os efeitos colaterais podem ser minimizados e, se necessário, pode ocorrer a prescrição de medicações de resgate", ressalta.

Queulla Garret Ramos, endocrinologista. (Arquivo Pessoal)

Produtos retirados do ar

A Gazeta procurou as plataformas Shopee e Mercado Livre para falar dos produtos à venda que diziam ser semelhantes ao Ozempic. Após o contato da reportagem, os produtos chegaram a ser retirados do ar, mas, no dia seguinte, novos anúncios voltaram a aparecer nas buscas.

Produtos chegaram a ser removidos da plataforma, mas, no dia seguinte, novos anúncios voltaram a ser publicados. (Montagem Núcleo de Reportagem de A Gazeta)

O que dizem as plataformas de venda?

A plataforma de e-commerce Mercado Livre se posicionou em nota e afirmou que, assim que identifica produtos que não atendem à legislação, os excluiu. Ainda de acordo com a plataforma, essas buscas são feitas de forma automatizada e também manualmente. "O Mercado Livre esclarece que, conforme preveem os seus Termos e Condições de Uso, é proibida a venda de produtos em desacordo com a legislação em vigor. Diante disso, assim que identificados, tais anúncios são excluídos e o vendedor notificado. A empresa informa que trabalha de forma incansável para combater o mau uso da sua plataforma, a partir da adoção de tecnologia e de equipes que também realizam buscas manuais", diz o texto.

 "Além disso, a plataforma atua rapidamente diante de denúncias, que podem ser feitas por qualquer usuário, por meio do botão 'denunciar' presente em todos os anúncios ou por empresas que integram o seu programa de proteção à propriedade intelectual. A companhia, que investe e atua no combate à venda de produtos proibidos para garantir o cumprimento das suas políticas e da legislação, auxilia ainda as autoridades na investigação de irregularidades e para oferecer a melhor experiência aos usuários", termina a nota enviada à reportagem.

Já a Shopee alegou que busca educar os vendedores a cumprir as políticas da empresa, mas não respondeu se trabalha proativamente na exclusão de anúncios que violem essas políticas. "Proibimos a venda de itens falsificados e restritos. Exigimos que os vendedores cumpram os regulamentos locais e a nossa Política de Produtos Proibidos e Restritos, que expressa claramente a posição da empresa sobre a venda de produtos falsificados, ilegais e restritos, como medicamentos"

"O nosso marketplace possui canais de denúncias para usuários, e as listagens que apresentam violações regulatórias ou outras violações de nossos termos de uso são removidas. Também educamos os vendedores para ajudá-los a cumprir as regras e as políticas em nossos treinamentos no Centro de Educação ao Vendedor", diz a nota enviada pela empresa.

A Americanas também enviou nota uma nota à reportagem. “No marketplace da Americanas existem milhares de lojas parceiras que vendem diretamente seus produtos em várias categorias aos clientes finais. Se e quando identificada qualquer desconformidade, adotamos as providências necessárias, que vão desde a retirada do item até o descredenciamento da loja."

O que diz a Anvisa?

A Gazeta procurou a Anvisa para entender se o produto é isento de registro. A informação da agência é que realmente suplementos alimentares não precisam ter um código. Porém acrescentou que a fabricação precisa ser informada.

"Suplementos não são passíveis de registro, exceto os à base de enzimas ou probióticos. Os fabricantes devem, no entanto, comunicar o início de fabricação junto à vigilância sanitária local e nela serem regularizados", informou a Anvisa por nota.

Além disso, a agência explicou que suplementos alimentares não podem fazer nenhuma promessa terapêutica. "Nenhum suplemento alimentar pode apresentar alegações terapêuticas ou informações relativas a tratamento de doenças ou agravos à saúde, pois essas propriedades são exclusivas de medicamentos. As alegações autorizadas pela Anvisa para uso na rotulagem de suplementos alimentares estão dispostas na Instrução Normativa nº 28/18, que estabelece as listas de constituintes, de limites de uso, de alegações e de rotulagem complementar dos suplementos alimentares".

Isso significa que suplementos alimentares não podem ser vendidos com a promessa de emagrecimento ou outro fim terapêutico, muito menos como tratamento à obesidade, que pode ser feito por remédios que passam por análises e aprovação da Anvisa. A agência disponibiliza uma página para consulta de produtos e empresas, que pode ser acessada clicando aqui.

A Polícia Civil do Espírito Santo (PCES) também foi procurada para comentar a existência de produtos milagrosos no mercado capixaba e enviou uma nota à reportagem afirmando que não recebeu nenhum material no laboratório da Superintendência de Polícia Técnico-Científica (SPTC), mas incentiva a população a denunciar caso se depare com produtos em situação suspeita.

"Ainda assim, a PCES destaca que a população tem um papel importante nas investigações e pode contribuir com informações de forma anônima através do Disque-Denúncia 181, que também possui um site onde é possível anexar imagens e vídeos de ações criminosas, o disquedenuncia181.es.gov.br. O anonimato é garantido e todas as informações fornecidas são investigadas", termina a nota.

Produtos que prometiam emagrecimento chegaram a matar no ES

Produtos que prometem emagrecimento já fizeram vítimas no Espírito Santo. Em dezembro de 2015, uma mulher precisou ficar internada na UTI após consumir uma semente conhecida como Chapéu de Napoleão, que foi vendida como sendo noz-da-índia —  ambas eram anunciadas como tratamento à obesidade. As duas plantas — mesmo sendo totalmente naturais — têm a comercialização proibida no Brasil. Na época, o caso que foi noticiado pelo g1 ES, motivou a realização de um estudo que comprovou os efeitos tóxicos da semente Chapéu de Napoleão, que pode matar mesmo consumida em pequenas doses.

Dois anos depois, em 2017, uma pessoa veio a óbito por causa do uso da noz-da-índia para o emagrecimento. O caso foi noticiado pela jornal A Gazeta ainda na versão impressa. Uma mulher de 46 anos, que não teve o nome revelado, morreu no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), o Hospital das Clínicas, em Vitória.

Reportagem do jornal A Gazeta publicada em 2017. Na época, uma mulher morreu devido ao uso de noz-da-índia para emagrecer. (Arquivo A Gazeta)

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