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Publicado em 21 de novembro de 2024 às 16:49
Quantas vezes você já parou para pensar em quanto a ode à ascendência italiana pode ser sinônimo de identitarismo? Ou, quantas outras vezes, não lhe causou algum estranhamento ver uma pessoa de pele preta em uma aula de balé? E quando pensa na imagem de uma pessoa de periférica - qual é a imagem que lhe vem à cabeça? São exemplos hipotéticos do dia a dia, mas muito presentes na vida de negros e negras do Espírito Santo que, na manhã desta quinta-feira (21) - um dia após o Dia da Consciência Negra - protagonizaram a roda de conversa "Coisa de preto: a história escrita por quem uma vez foi só descrito”, em Vitória. >
O encontro reuniu o doutor em Educação, professor da Ufes e escritor Gustavo Forde, a autora e multiprofissional Ríssiani Queiroz e a atriz, poetisa e ilustradora Luiza Vitorino, em um bate-papo de quase duas horas. Os três falaram sobre os primeiros passos no mundo da literatura e como a ancestralidade confere digital às suas produções. O encontro foi promovido pela Rede Gazeta.>
"Eu demorei a acreditar que seria possível esse sonho de escrever um livro, que para mim era inalcançável. Vejo meus poemas como algo doloroso; porque eles falam da minha vivência de mulher de periferia, e de como esses temas como a violência, a forma como veem a periferia, me atingem. Demorei a perceber que primeiro eu tinha que sofrer, através da escrita, para que os outros sofressem e pensassem nos meus poemas", afirmou Luiza, autora do livro de poesias "Encaracoladas".>
Forde, que desde 2016 é professor da federal capixaba, mas que iniciou a vida docente ainda nos anos 1990, faz questão de provocar a reflexão sobre o quanto as pessoas são reticentes em enxergar com naturalidade a presença de negros e negras em espaços de vivência como, por exemplo, a universidade. Para ele, parte desta estranheza remonta à própria história do Brasil.>
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"A Consciência Negra diz para as pessoas brancas que a experiência do Quilombo de Palmares foi uma experiência de estado livre e organizado no Brasil, que enfrentou o estado colonial. Precisamos dar nome às coisas, e já há algum tempo eu tenho refletido que esse estado colonial não trouxe consigo uma civilização. Porque etimologicamente civilização é um modo de sociedade nobre, onde todos tenham prosperidade. O que o colonialismo trouxe foi tudo, menos civilização. O que ganhou espaço no Brasil é a barbárie, mas nos disseram que isso é que é civilização", destaca o professor e escritor.>
Vivência em todo o corpo>
Rissiane Queiroz, autora de "Negra Semente" e de "Contusão", frisou o papel da vivência familiar como ferramenta para perceber-se como mulher negra e, posteriormente, artista das letras. Segundo ela, o racismo "torna todo o processo mais desafiador" pois, em sua biografia, muitas vezes se viu duvidando das chances de conquistar espaço no mundo da literatura.>
"Tem um provérbio africano que diz que enquanto os leões não contarem suas histórias, as histórias sempre serão contadas pelos caçadores. Meu primeiro livro, o "Negra Semente", é um livro acartonado, de papelão, com imperfeições, como a própria vida é. Já o meu segundo livro, "Contusão", fala das complexidades do que é o ser humano. E é o primeiro livro publicado por uma editora, o que me permitiu estar em espaços que antes eu nunca estive. O racismo torna todo o processo mais desafiador. Porque de diversas formas nos dizem que o lugar do fazer intelectual não é nosso", pontuou a autora.>
Herança cultural>
Conduzida pelo editor-chefe de A Gazeta e CBN Vitória, Geraldo Nascimento, a roda de conversa foi idealizada pela analista de Comunicação Institucional da Rede Gazeta Wanessa Eustachio. No bate-papo, o professor Gustavo Forde também fez uma provocação à plateia: por que a manifestação pública da cultura afro-brasileira muitas vezes é tachada, de forma pejorativa, como "identitarismo", enquanto manifestações da cultura europeia por seus descendentes são tidos como festas da imigração?>
"Tem prefeitura que gasta dinheiro público para pintar meio-fio com as cores da Itália. Isso é que é identitarismo! O eurocentrismo e o racismo andam de mãos dadas, e naturalizam uma espécie de fetiche pela ascendência europeia que apaga e invalida a presença negra. Até o incentivo à produção cultural é maior nos territórios brancos", disse Forde.>
Rissiane, por sua vez, ponderou que a história do povo negro precisa ser também lembrada sob outro aspecto: o dos territórios que já estavam consolidados, sobretudo no continente africano, e que foram dizimados pelos escravagistas: "Nossos ancestrais tiveram o tempo de parir a humanidade, construir impérios, mas essa história foi interrompida por uma travessia forçada no oceano. Por isso é importante que as crianças da minha família saibam que não são descendentes de escravos, e sim de impérios".>
Antes do encerramento do bate-papo, Luiza Vitório fez questão de exaltar o quanto a vivência individual de cada pessoa preta é única e, por isso, precisa ser valorizada. Algo que, como ela mesma confidenciou durante o evento, não pôde vivenciar na própria experiência de vida. "Tentavam encaixar os meus poemas a uma forma, a um padrão de escrita. Mas se eu mudasse, não eram os meus poemas, os meus sentimentos. O racismo também me diz isso: que os meus erros não me torna aceitável. Mas algum dia alguém chega e não tenta mais te modificar para caber na sociedade", contou.>
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