“Comunicar a ciência é tão importante quanto fazer ciência.” Foi com esse lema que Natalia Pasternak, bióloga especializada em microbiologia, decidiu popularizar o assunto. Para a pesquisadora, o fato da sociedade em geral não entender muito bem quais são os processos da ciência, muitas vezes não a valoriza ou a confunde com movimentos que não são científicos, mas que tentam enganar a população para vender produtos e prometer curas milagrosas.
Movida pelo objetivo de levar à população esse conhecimento de forma didática, clara e acessível, ela criou o Instituto Questão de Ciência. Dessa forma, acredita que a sociedade em geral poderá tomar as decisões do dia a dia baseadas no que elas sabem de ciência e não por coisas que elas ouviram falar na internet, que não possuem comprovação e só servem para confundi-las.
Em entrevista para A Gazeta, Pasternak falou sobre alguns fenômenos que têm assustado a população nos últimos meses, afirmando não acreditar em “fim dos tempos” e sim em consequências das nossas ações com o planeta. E entre essas surpresas atuais na ciência, está a pandemia do novo coronavírus - que, para a pesquisadora, poderia ter sido evitada caso houvesse investimentos em estudos. Confira a entrevista abaixo:
Faltam investimentos na ciência e pesquisa no Brasil? Como isso afeta o país?
Faltam investimentos há três décadas, não é de agora, não é apenas neste governo. Mas esse governo conseguiu, realmente, superar todos os anteriores. Então se já faltava antes - e já faltava mesmo, esse governo conseguiu cortar ainda mais e desvalorizar o investimento em ciência e educação como se fossem coisas secundárias, que não agregam para a sociedade. É um governo que não enxerga que as universidades geram conhecimento, pesquisa, ciência e tecnologia que voltam para a sociedade. Nega completamente o papel da educação das pesquisas científicas, das universidades, dos institutos de pesquisa. E, ao negar isso, desvaloriza essa atividade junto à população e corta o investimento. E quando corta o investimento - ao mesmo tempo que faz essa propaganda negativa, a população não se revolta. Como já tem toda uma propaganda negativa dizendo que ciência não serve para nada, fica uma sensação de que é verdade, se o país está em crise, tem que cortar de algum lugar, corta da ciência. E as pessoas não percebem que sem ciência não existe saúde e não existe educação. E aí entra o papel da comunicação da ciência, para mostrar que a gente não vai ter equipamentos de ponta no SUS se a gente não investir em ciência. Essas coisas não são separadas, elas andam juntas.
Considerando o histórico de vírus e infecções respiratórias mundiais, haveria como prever o novo coronavírus se houvesse mais investimentos na ciência?
Sim. Não só daria, como foi previsto. Não foi uma surpresa para ninguém que a gente viveria uma pandemia de vírus respiratório. Talvez a surpresa foi ter vindo um coronavírus e não uma influenza vírus, um vírus de gripe, que era o vírus que a gente esperava que pudesse causar uma nova pandemia. A gente já teve algumas surpresas, gripe aviária, gripe suína, então eu acho que a gente estava esperando uma outra gripe. Mas já tivemos os coronavírus Sars e Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), todos primos do SARS-CoV-2. Então nós estávamos extremamente despreparados porque nós não investimos de maneira constante. A ciência funciona em soluços. Quando tem uma emergência, a gente responde. Então quando houve Sars, em 2002, a gente respondeu e a epidemia se resolveu sozinha. E quando acabou, parou o investimento, parou a curiosidade, ninguém fez mais projetos de pesquisa. Por que a gente nunca desenvolveu uma vacina para Sars, desde 2002? Porque tem pouquíssimos grupos trabalhando nisso. Porque não era mais o assunto da moda, e assim fica mais difícil conseguir financiamento. Depois veio Mers, em 2012, e depois de novo em 2015. Cadê as vacinas? Por que a gente não tem uma vacina pra Mers? Porque tinha pouquíssimos grupos trabalhando. A nossa sorte, inclusive, com a vacina de Oxford (contra o novo coronavírus), foi que esse grupo de Oxford já estava trabalhando em uma vacina para Mers. Eles não pararam de trabalhar e conseguiram facilmente adaptar essa plataforma vacinal para o SARS-CoV-2. E é por isso que eles estão tão adiantados agora na corrida das vacinas. Esse investimento precisa ser constante e eu espero que a gente tenha aprendido a lição. Agora, quando essa pandemia se resolver, que a gente não pare os investimentos em pesquisa de vacinas e medicamentos. Porque precisamos estar preparados para uma próxima.
Percebemos uma grande flexibilização da quarentena e a reabertura dos comércios. Como você avalia isso para o Brasil?
Nunca é hora de fazer reabertura sem um mínimo de controle. A gente decidiu reabrir porque as pessoas estão cansadas e porque alguns setores da economia fizeram pressão. A gente não tem um critério razoável de acompanhamento de número crescente de casos, de mortes e de leitos de hospitais disponíveis para fazer essa reabertura de uma forma sustentável. Abre e o que acontece? Várias cidades, como no interior de São Paulo - que não estavam preparadas para essa reabertura, levaram um susto - porque o número de casos e mortes começou a crescer e essas cidades não têm condições de hospitalizar os seus doentes, aí elas fecharam tudo de novo. Adiantou o que para a economia esse ping-pong? Precisa de planejamento. Não adianta colocar o carro na frente dos bois agora. Poxa, mas tem que ficar em casa mesmo? Tem que esperar a vacina? Sim! A gente não tem como tornar isso mais palatável. As respostas vão vir. Mas elas demoram um pouco mais do que a gente gostaria.
Sabemos que é impossível dar uma data mas, pela sua experiência, em quanto tempo mais podemos ter a pandemia por aqui?
Não tem como prever. Uma coisa que eu posso dizer com certeza: em agosto não vai estar tudo normal. Talvez no final do ano a gente tenha uma vacina, mas não é certeza. E mesmo que a gente tenha e ela funcione, ela não vai ser distribuída de uma vez para 200 milhões de pessoas, ela vai ser distribuída aos poucos, de acordo com grupo de risco, profissionais de saúde, idosos, e até chegar no cidadão médio comum vai demorar. Então, talvez no meio do ano que vem a gente tenha vacina para todo mundo. Isso não quer dizer que a gente vai ficar trancado esse tempo todo. A gente provavelmente - e isso é reavaliado com o tempo, vai ter períodos de lockdown mais agressivos - onde teremos que ficar mais em casa, e depois a gente volta a sair um pouco. Vamos ficar um pouco nesse vai e vem justamente para acompanhar o número de casos. A gente está vendo em alguns locais o número cair. Isso é muito bom e se continuar, quer dizer que vamos poder afrouxar um pouco a quarentena. Mas vamos ter que monitorar a situação com ferramentas melhores do que temos agora e com mais colaboração da população. Se as pessoas querem que a quarentena seja mais relaxada, para poder sair, todo mundo tem que respeitar os momentos em que é preciso ficar em casa e sair só para o que é realmente necessário. E se não aguentar e tiver que sair, é preferível ir a um parque, um lugar aberto, onde eu consigo manter o distanciamento físico de outra pessoa, do que sair para um shopping. Temos que respeitar o distanciamento físico e uso de máscara se a gente quer que isso acabe logo.
Há pessoas afirmando que médicos estão receitando cloroquina e até ivermectina para prevenir coronavírus, dengue e chikungunya. Como avalia isso?
Isso é uma loucura! Cloroquina e até ivermectina estão sendo empurradas para a população como curas milagrosas, mas não há comprovação científica nenhuma. A ivermectina foi testada como antiviral in vitro, em cultura de células de laboratório e nunca passou dessa fase. Não foi testada em animais e humanos. Pode ser que funcione? Talvez. Mas a gente não sabe. E a probabilidade é baixa. A cloroquina é pior ainda, porque já foi testada e reprovada. Então porque o Ministério da Saúde tem um protocolo para um medicamento que já mostrou que não funciona? E nenhum deles vai transformar ninguém em super-herói. Ninguém vai ficar imortal, livre de vermes, sarnas e coronavírus, até porque são coisas muito diferentes. A única coisa que vai acontecer com quem tomar ivermectina é não ter piolho e vermes. E olha, nem para isso é garantido porque a gente já tem bastante piolho resistente a ivermectina. Ser prescrito por médicos com essa falsa promessa, cria falsa sensação de segurança e isso é perigosíssimo. Achando que está protegida, a pessoa vai se expor mais, pode ficar doente e contaminar outras pessoas.
Há um novo vírus de gripe suína identificado na China que está causando preocupação. Esse vírus pode causar uma nova pandemia?
Em teoria todos eles podem. Mas é muito comum a gente ter vírus em animais de criação pelo o jeito que a gente cria os animais, muito confinados, muito juntos, se tiver um contaminado, você contamina rapidamente os outros da mesma criação. Mas o fato de aparecer um vírus em animais de criação não é automaticamente um motivo para a gente se preocupar com uma nova pandemia. Ele ainda tem que conseguir pular para a gente, para os humanos. Não é todo vírus que faz isso, na verdade é muito raro. O que está acontecendo com o novo coronavírus é um evento de muito azar, mas acontece e quando acontece a gente vê o estrago. Mas não é uma coisa corriqueira, que acontece toda hora. Os vírus são comuns em aves e suínos. Então não é motivo para pânico, mas tem que ser observado. Um vírus respiratório não é possível pegar comendo porque ao cozinhar a carne você inativa o vírus. O problema está em manusear a carne.
Acha que tudo que está acontecendo pode mudar o comportamento na humanidade? Vemos algumas pessoas assustadas e até falando em apocalipse.
(Risos). Eu gostaria que as pessoas não entrassem em pânico. Eu não acho que estamos vivendo o fim dos tempos. Eu acho que estamos vivendo uma consequência das nossas ações. Eu gostaria que a humanidade tomasse vergonha na cara com tudo isso que está acontecendo e parasse de explorar o planeta de maneira predatória e começasse a explorá-lo de maneira sustentável. A gente não tem como voltar atrás na geração de tecnologia e no tipo de sociedade que a gente construiu, seria extremamente ingênuo. Então precisamos desenvolver tecnologias baseadas em sustentabilidade para que nossa exploração e nosso convívio com o planeta seja feito sem acabar com os recursos, com as reservas naturais, sem invadir habitat de animais que podem ser possíveis reservatórios de novos micro-organismos que podem causar novas pandemias. Nós que vamos acabar por não conseguir viver em um planeta que não tem mais recursos para a gente explorar porque acabamos com tudo. O planeta vai se livrar de nós, o que para ele talvez seja até uma vantagem.
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