Márcia Santos Almeida de Jesus
Márcia Santos Almeida de Jesus. Crédito: Acervo Pessoal | Arte A Gazeta Geraldo Neto

Lado a lado com o perigo, profissional que limpa UTI conta a rotina na pandemia

Márcia Santos Almeida de Jesus faz parte da equipe de higienização do Hospital São Camilo, em Aracruz, na Região Norte do ES. A rotina cheia de afetos mudou e deu lugar ao excesso de cuidados, para evitar a contaminação pelo coronavírus. "Nosso perfume agora é álcool", diz

Publicado em 12/08/2020 às 08h15
Atualizado em 12/08/2020 às 11h17

Há quase dois anos, desde que começou a trabalhar em hospital, Márcia acostumou-se a ser recebida em casa, após os plantões, sempre de forma calorosa. Mãe de três e avó do João Miguel, de 4 anos, tinha sempre muitos beijos e abraços quando ela chegava. A rotina cheia de afetos mudou e deu lugar ao excesso de cuidados para evitar a contaminação pelo novo coronavírus.

Márcia Santos Almeida de Jesus, de 38 anos, faz parte da equipe de higienização do Hospital São Camilo, em Aracruz, na Região Norte do Espírito Santo. A tarefa dela? Limpar os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Mais uma profissional que se arrisca para manter o funcionamento de um serviço essencial para os capixabas, personagem da série de A Gazeta: ProfissiõES na Pandemia.

“Mudou tudo. Tudo diferente da rotina de antes para agora. A limpeza já era um trabalho que exigia muito cuidado, agora, com essa pandemia, o cuidado dobrou. A gente tem todo um método de limpeza, já nos acostumamos a não tocar na boca, nos olhos, no rosto”, conta.

50 MINUTOS PARA LIMPAR UM ÚNICO QUARTO

A rotina de Márcia alterna um dia de trabalho e outro de folga, mas o hospital virou a extensão da casa dela: a profissional de limpeza mora ao lado do trabalho, cerca de “dois minutinhos a pé”. Nos dias de plantão, ela fica das 7h às 19h, responsável por higienizar os quartos de UTI da ala destinada aos casos com suspeita de Covid-19. É para lá que são levados os pacientes que precisam ser intubados, mas cujo o resultado do exame que confirma a doença ainda não saiu. Para limpar cada quarto, Márcia gasta cerca de 50 minutos.

Márcia Santos Almeida de Jesus

Profissional da limpeza de UTI

"Chego cedo, troco a minha roupa pela roupa do hospital e coloco touca, óculos, avental, máscara, viseira... A gente tem todo o EPI necessário. Entro no quarto e limpo tudo, da maçaneta até o pedal da lixeira. Limpo a cama, o chão, a pia, tudo direitinho com detergente. Mesmo que esteja tudo limpo, a gente sempre passa o álcool e o oxivir (solução de limpeza própria para evitar infecção hospitalar). Limpo de manhã e, ao longo do dia, volto em cada quarto umas duas ou três vezes para manter a limpeza"

Quando termina a limpeza de um dos quartos, Márcia troca por completo toda a roupa e o equipamento de proteção. “Saio, tiro tudo com cuidado, a luva sempre por último. Depois de tudo, lavo bem a mão com água e sabão, higienizo o material e me arrumo de novo, com equipamentos limpos, para entrar no próximo quarto. Tem que higienizar tudo para entrar no outro box (quarto), porque pode ser que o que eu limpei esteja com paciente contaminado e, próximo quarto, não”, detalha.

“SINTO MUITA FALTA DE ABRAÇAR”

Sempre bem humorada, Márcia diz que, de tudo que tem enfrentado nessa pandemia, não poder abraçar as pessoas é o que causa mais estranhamento para ela. “Sinto muita falta. Acho muito ruim. Gosto muito de abraçar as pessoas”, justifica.

E ela garante que os colegas de trabalho também sentem falta do abraço dela: “Eles falam que sentem saudade de mim quando não estou aqui. No normal, eu abraço, beijo, sou uma pessoa popular. O hospital, para mim, é uma família”.

Quando o plantão termina, chegar em casa e não ser recebida com aquele abraço, dos filhos e do neto, também faz falta. "Eles já acostumaram com a mudança. O João Pedro, meu filho mais novo, de 9 anos, já fala: ‘posso não, né mamãe?'", diz.

Márcia Santos Almeida de Jesus

Profissional de limpeza de UTI

"Agora eu chego em casa, e eles não correm mais para cima de mim. Antes me abraçavam e tudo. Agora entro direto para o banheiro, tomo um banho, troco de roupa e só depois é que eles vêm falar comigo. Até meu neto de 4 anos já sabe"

CUIDADO REDOBRADO TAMBÉM EM CASA

Em casa, a família também tem redobrados os cuidados com a limpeza. Sair? Só de máscara e se for realmente necessário.

Márcia Santos Almeida de Jesus

Profissional de limpeza de UTI

"Dentro de casa dobraram também os cuidados. As coisas do supermercado a gente higieniza tudo antes de entrar em casa, reforçamos a limpeza dos alimentos, lavamos as mãos toda hora. Nosso perfume agora é álcool, que a gente usa bastante"

As medidas têm funcionado. Já são mais de cinco meses de trabalho na linha de frente de combate à Covid-19 e ninguém da família teve sintomas da doença. “Desde quando começou isso tudo, estou nesse mesmo setor e até hoje não tive nada. Lá em casa ninguém teve nada, graças a Deus”, afirma.

CONFIANÇA EM DIAS MELHORES

Ao longo dos últimos meses, Márcia também viu alguns pacientes não resistirem à doença. Limpar o quarto de alguém que faleceu é das tarefas mais difíceis do dia a dia. "É triste. A gente torce para dar tudo certo, mas, às vezes, tem pessoas que não aguentam. Alguns têm comorbidades, acabam não resistindo. É muito triste", afirma.

Ainda assim, ela mantém a confiança e acredita que tudo logo voltará ao normal. “A gente fica feliz quando tudo está bem, quando o paciente fala que vai ter alta. Temos que pensar positivo, que isso é uma fase, um momento. Quando isso tudo acabar, a gente vai se juntar e fazer uma grande festa. A gente tem que se proteger. Evitar sair na rua, usar a máscara", reforça.

Márcia Santos Almeida de Jesus

Profissional de limpeza de UTI

"Com fé em Deus, isso tudo vai passar e a gente vai viver a vida como a gente vivia antes"

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